izabelle Valladares entrevista Ana Botafogo
Entrevista com Ana Botafogo
Depois de 24 anos de carreira, mais de 20 deles como primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Ana Botafogo conta um pouco de sua trajetória - da decisão de ser bailarina até a realização do sonho de ser a número um.
Como o "ballet" entrou para a sua vida?
Ana Botafogo - Comecei a estudar "ballet" aos 7 anos, no mesmo conservatório em que estudava música, no Rio de Janeiro. Aos 11 anos, ingressei na academia de dança da bailarina Leda Iuqui. Desde então, sempre sonhei em ser bailarina, porém achava muito difícil e distante de mim. Ainda assim, não pensava e nem queria parar de dançar.
Quando começou a dançar profissionalmente?
Ana Botafogo - Estudei na academia da Leda até os 17 anos e parei quando decidi ir para a França, estudar francês e talvez, "ballet". Mas depois de dois meses e meio na França consegui meu primeiro contrato profissional. Passei a fazer parte do Ballet de Marseille, dirigido por Roland Petit. Esse foi um período bastante rico. Amadureci, porque estava em um lugar muito diferente da minha casa e a comunicação com o Brasil era difícil. Eu era extremamente tímida e por necessidade, me tornei mais segura e mais descontraída. Aprendi muito mais sobre dança. Era uma companhia pequena, mas de muito bons profissionais. Foi nessa época que tive certeza de que queria fazer aquilo para o resto da minha vida. Fiquei dois anos dançando na França e depois, mais seis meses na Inglaterra, em Londres. Mas como não consegui visto de trabalho para ficar na Inglaterra, achei que era hora de voltar para o Brasil.
Sua volta para o Brasil foi como você imaginava?
Ana Botafogo - Cheguei aqui cheia de vontade e com o sonho de entrar para o Teatro Municipal. Mas a dança estava meio em baixa no Brasil e o Municipal do Rio de Janeiro, em reforma. Precisei segurar a ansiedade. Para minha sorte, surgiu o convite para trabalhar no corpo de "ballet" do Teatro Guaíra, em Curitiba, como primeira bailarina do Teatro. Foi uma época ótima. Minha primeira aparição profissional no Rio de Janeiro foi com o "ballet" do Teatro Guaíra, com o espetáculo "Gisele".
Em 1981 você entrou para o corpo de dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro já como primeira bailarina. Isso é comum?
Ana Botafogo - De fato, não é muito comum, mas já conheciam meu trabalho e sabiam da minha trajetória, de todo o meu esforço e por isso me aprovaram. Minha estréia como primeira bailarina aconteceu no espetáculo Coppélia, o qual já refiz muitas outras vezes durante esses 20 anos de Municipal, incluindo apresentações internacionais. Nesses 20 anos, participei de todas as temporadas de "ballet" clássicas e de algumas de "ballet" contemporâneo.
Nunca pensou em fazer outra coisa que não fosse dançar?
Ana Botafogo - Antes de ir para a Europa, comecei a cursar a Faculdade de Letras. Tranquei para viajar, tentei voltar ao curso algumas vezes, mas foi inviável. Ainda gostaria de terminar a faculdade, mas por enquanto está impossível, até porque a dança é minha prioridade.
É muito complicado conciliar a dança com outras atividades?
Ana Botafogo - É sim. Além de viagens, a rotina é bastante puxada. Antes, entre aulas e ensaios, nossa carga horária era de 8 horas. Hoje, temos 6 horas de carga horária, sendo 1h30 de aula e durante o dia acontecem diversos ensaios. Nem sempre todos os bailarinos participam de todos os ensaios. Quando acontece de ter um horário livre, aproveito para tocar projetos pessoais. Tenho que ensaiar projetos completamente diferentes na mesma época, então qualquer tempo disponível se torna uma benção.
Como você avalia o mercado de trabalho para os bailarinos?
Ana Botafogo - A vida de bailarino é bastante complicada, principalmente porque não há campo de trabalho suficiente para absorver a quantidade de profissionais competentes que temos no país. Imagine então os bailarinos em potencial! Hoje a situação é muito melhor do que há 20 anos - o próprio corpo de dança em que atuo aumentou o número de componentes de 15 para 115 bailarinos - mas ainda é difícil. Até hoje, existem apenas 6 companhias oficiais de "ballet" clássico. Várias companhias privadas de dança contemporânea foram fundadas, mas poucas são reconhecidas, como é o caso do tradicional Ballet Stagium, Grupo Corpo, Cisne Negro e da moderna Débora Kolcker
O que é preciso para ser um bom bailarino?
Ana Botafogo - Muito estudo, dedicação, disciplina, perseverança - porque em muitos momentos o trabalho é repetitivo - e ter muita determinação para vencer. Resumindo, muito suor, às vezes lágrimas e muito trabalho. Nem nas férias é possível parar. Eu diminuo a carga horária, mas é impossível parar. Por causa de tanta dificuldade, tem muita gente que entra, às vezes até mesmo para uma companhia oficial, e desiste.
E dá para viver da dança?
Ana Botafogo - É muito duro, mas é possível. Embora poucas pessoas consigam viver dignamente da dança. Mas há outras possibilidades como dar aula de dança e coreografar espetáculos. Nesses casos, pode ser bem interessante cursar uma faculdade de dança, para adquirir embasamento teórico e boas noções sobre o corpo humano.
Você já tem tudo o que quer? É uma mulher de sucesso?
Ana Botafogo - Ainda não me considero uma mulher de sucesso. Acredito que tenho uma carreira bem sucedida e reconhecida. Mas não tenho essa sensação nem a pretensão de acreditar que já realizei tudo o que podia e queria. Ainda falta, sempre falta. Continuo estudando e investindo em mim. Acho que o bailarino nunca pára de investir nele. E comigo vai ser assim até o dia em que eu parar de dançar.
Quais são seus projetos?
Ana Botafogo - No momento estou ensaiando "A Megera Domada", que está com a estréia prevista para o dia 17 de maio próximo. Era um sonho fazer esse espetáculo porque é bastante diferente de tudo o que já fiz. Além disso, pretendo viajar por todo o Brasil com o espetáculo "Três Momentos do Amor". Esse espetáculo foi concebido por mim e pela pianista Lilian Barreto. Já fizemos 10 apresentações em Brasília e fomos muito bem recebidas pelo público. São seis músicos no palco, eu e dois bailarinos. É algo que me dá muito prazer e estou me esforçando para que realmente dê certo.