A vida de Bob Marciano

reportagem de Luciano Fortunato

O sol era vermelho no horizonte e estávamos nós, a contemplar sua luz por entre as montanhas e telhados, eu e ele, um dos artistas mais interessantes que já conheci, apesar de seu anonimato. Um som de funk carioca bem ao longe na vizinhança, junto ao som de passarinhos em seu quintal, querendo acasalar. Imagens, sons e a natureza em ação. É o que presenciávamos, de sua varanda onde tomávamos café coado em coador de pano, com caldo de cana no lugar de água, preparado por ele. Acabei passando a noite em sua casa e foram horas de boas descobertas sobre a história e o pensamento do multiartista. Nascido em Pernambuco, Roberto Saraiva Velloso da Silva Dias, 45 anos, adotou o nome artístico Bob Marciano, provavelmente, e ao que se diz, em homenagem a Bob Dylan e à canção Marcianos Invadem a Terra, de Renato Russo. Cantor, compositor e escritor, não tem qualquer formação teórica musical e tampouco toca algum instrumento de ouvido, sendo um dos precursores do movimento estético musical psico-soft-punk, tendo composto dezenas de músicas experimentais. Como escritor, tem sua obra literária disponível e à venda na Internet. Bob Marciano é neto de Homem da Silva Dias, grande, porém pouco reconhecido, trovador pernambucano, que além de artista era operário, filho de mãe ex-escrava e de pai descendente direto de família holandesa, que não lhe legou o sobrenome. O menino Roberto assistiu durante a infância o espetáculo de seu avô fumando cachimbo – que, por muitas vezes, o próprio neto acendia. Desta forma, Bob pode afirmar que fuma desde os seis anos de idade. Em entrevista, Bob relembrou a infância, assegurando sentir muita saudade de beijar as belas, finas e grandes mãos do avô, impregnadas de um cheiro de tabaco. A segunda filha de Homem da Silva Dias, Janaína, mãe de Bob, o educou segundo preceitos feministas e humanitários. Todos muito pobres, morando na periferia de Recife (meio urbana, meio rural). Essa é a origem de Bob Marciano. Sua mãe Janaína, que perdera sua mãezinha aos sete anos, sofreu quase tudo o que uma pessoa pode sofrer em uma vida. Infância miserável, sacrifícios psicológicos e físicos, servindo como babá improvisada e permanente dos filhos da madrasta opressora e lesiva, mulher ignorante ao extremo. Depois, operária como o pai – e contadora de histórias nas horas vagas –, Janaína, ainda adolescente, deixava quase todo seu salário para ajudar no sustento dos irmãos. Freqüentando pequenos bailes locais aos sábados embalados a acordeon e rabeca, apaixonou-se aos 17 anos, quando os seios começavam a crescer tardiamente – provavelmente conseqüência da sub-nutrição infantil. O rapaz chamava-se Jaime. As coisas deram errado depois que Jaime engravidou uma outra moça e teve que se casar com ela. Assim, a mãe de Bob permaneceu virgem até os 30 anos de idade. Foi quando Jaime separava-se de sua esposa, que o traía – assim ele, Jaime, contou. Enfim ela, Janaína, 13 anos depois, diante da oportunidade de concretizar seu amor por Jaime em união carnal, caiu nos braços do homem. Tinha acabado de fugir de casa, a fim de não envergonhar o pai e sua tradicional moral machista, coisa da qual não se podia abrir mão naquela época e lugar: ano de 1965, numa cidade nordestina católica. A operária era agora uma desempregada grávida, carregando nosso Bob em seu bucho. Seus primeiros dias de luz neste mundo foram numa pequena propriedade rural pertencente ao cunhado de seu pai Jaime, em cidade próxima a Recife. Muitas árvores, hortas, algumas vacas magras e galinhas, mula para puxar carroça, essas coisas. A visão é cinematográfica. As coisas, porém, não corriam bem e Janaína logo caiu fora levando o pequeno Roberto, e, depois de muitas tentativas, morando em casas diferentes naquela mesma cidade, acabou “providenciando”, em Recife, um padrasto para Bob, em substituição ao inconstante Jaime, que saíra pra procurar emprego em outra região e, sem notícias, demorava muito para voltar. Ela não pagou pra ver, preferindo não esperar sentada. Com o padrasto de Bob, as coisas não foram tão melhores: ela viveu em sua companhia 20 anos infernais. Bob diz não culpar a ele – nem a ela. “Eram pessoas muito diferentes, com um bom desequilíbrio de poder permeando a relação”, relata o artista. Ele diz, em sua autobiografia Flashback de Lama Viva, lembrar-se de poucos bons momentos envolvendo os dois juntos – mãe e padrasto –, como os passeios mensais, onde iam visitar a família de sua mãe. O inferno tinha, portanto, intervalos, para sua sorte. Mas mesmo os passeios na velha e surrada Rural (tipo de carro parecido com uma perua) eram bastante tensos. “Eles não se entendiam, quase nunca. A insubmissão de minha mãe não combinava com o machismo autoritário dele”. A união só teria durado tanto tempo por conta da dependência financeira por parte de Janaína. Até que um dia, doente e sem os devidos cuidados, ela não suportou mais a escravidão em que se encontrava, deixando tudo pra trás, não levando nem mesmo um lenço sequer. Ele, por sua vez, logo adoeceu e morreu. “Talvez, no fundo ele a ‘amasse’ – quer dizer, dependesse dela. Talvez mais do que ela dele, no fim das contas. Enfim, um trágico exemplo de união entre um homem e uma mulher incompatíveis. Minha hoje mãe está com 73 anos. Não me parece nada mal com suas cicatrizes, embora viva a reclamar da sorte. Ela poderia estar bem pior, ou nem mesmo estar aqui”, pondera Bob.

“Minha infância foi muito rica em experiências. Eu oscilava entre semi-autista e extrovertido. Infância rica em muitos aspectos, porém apenas sob algum ponto de vista, é bem verdade, já que havia muitas restrições”. Bob era um menino muito tímido e, ao mesmo tempo um tanto aventureiro. Via muita televisão, coisa pouco comum para um menino pobre na Recife dos anos 70. Ficava várias horas do dia parado num canto, apenas pensando, pensando e pensando, o que preocupava demais sua mãe. Por outro lado, tinha muita bicicleta, banho de rio, bola na rua ou em campo de chão com pequenas áreas de grama. Experiências sexuais naturais de menino do interior, exceto aquelas conhecidas experiências com bichos, das quais ele só ouvia falar, sem ter testemunhado um ato desse a olhos próprios, embora soubesse ser algo comum até para meninos ricos, filhos de fazendeiros. A coisa é mais corriqueira do que as pessoas das capitais do sul e sudeste imaginam. Saiba-se que personalidades respeitadas como Pelé e até Jorge Amado declararam ter sido o sexo com animais (vacas, cabras) uma prática comum para eles, durante a infância. A primeira paixão de Marciano foi aos seis anos, Mariflora – uma menina, claro. Primeiro beijo também aos seis. Recordações de umas coisas estranhamente genitais aos cinco anos envolvendo pessoas mais velhas, o que, nas palavras do próprio Bob: “não me feriu física ou psicologicamente – não enxergo traumas naquilo nem me ressinto. Na verdade eu gostei bastante da experiência. Não me senti ferido nem agredido, embora eu saiba que foi uma agressão e um desrespeito, para os padrões morais de hoje. Na Grécia antiga, entretanto, teria sido algo até mesmo recomendável”. Em detalhes contidos no livro Flashback de Lama Viva, Bob, aos 5 anos, recebeu sexo oral de um primo 12 anos mais velho. Assim como foi obrigado a colocar seu pequeno pênis nas bocas e vaginas de 3 primas, numa única “orgia”. O acontecimento teria lhe provocado um misto de medo e prazer, e ele teria sonhado por muitos anos, reincidentemente, com este episódio. Sua primeira namoradinha normal foi aos 12, por incentivo de uns colegas de turma. Esta faleceu precocemente, antes de completar 40 anos. A primeira transa normal de Bob foi aos 14 com uma (outra vez) prima por parte de pai, que tinha 18: “eu era de uma boa estatura e aparência e me comportava mais ou menos como um rapaz, o que me dava alguma autoridade para certos assuntos”, gaba-se Bob. A partir daí o que veio foi uma busca desenfreada por sexo, algo que atrapalhou muito os estudos do menino acostumado a se destacar dos demais em todas as turmas em que havia estado. Acabou perdendo dois bons anos de escola, só pra ter mais tempo de buscar aventuras, experimentação, noites e paixões. Aliás, ele não pensava em quase nada além de garotas, música e filmes – além de álcool e derivados. Ainda assim tinha receio de viciar-se em maconha, usando-a com medo e uma moderação notável, mesmo surpreendente para um jovem daquela idade. Um grande amor pelo cinema acompanhou sua vida – assistia a muitos filmes na TV e freqüentava na infância os cinemas de Recife, onde a censura etária, em prática, não funcionava, e acabava vendo todo tipo de filme, até mesmo os impróprios. Nutriu sempre profundo amor pela música. Desde sua infância, havia muita música em sua casa, por conta de seu irmão emprestado que tinha uns 10 anos a mais que ele. O irmão sempre estava cantando, ou com o som ligado. “Devo ter cantado em todos os dias da minha vida. Eu já amanhecia cantando. Ate hoje eu canto todos os dias, nem que seja só um pouquinho”. Aos 16, indo para os 17, foi convidado para uma banda de rock, Patrulha Ecológica. Foi ali que ele diz ter perdido metade da grande timidez que alega ter. “Eu precisava enfrentar aquilo. Eu não tinha opção. Eu tinha que cantar, e pronto. Foi um parto e também um alívio”. Depois disso envolveu-se sempre com música – nas bandas Sociedade da Caverna, Os Telenautas, Xuxinha Escabufada, e Osso Mole – sem, contudo, ter obtido sucesso comercial, apenas momentos de extremo prazer, além de muitos aborrecimentos. “Não conquistei nada...”, diz o cantor e compositor, “...nos termos em que admite-se usualmente como conquista”. “A música até me ensinou algumas coisas. Só não me ensinou a ganhar dinheiro”, brinca o artista que tem uma considerável dívida com um banco. Hoje se pode classificar como músico alguém que, como Bob Marciano, não lê partitura e praticamente nem toca de ouvido: herança do movimento punk. Uma coisa que sempre pautou sua vida foi a curiosidade. Muito desta foi saciada – e também infinitamente alimentada – por livros, jornais, revistas e filmes.

Sua relação com Deus sempre foi muito confusa. Seu padrasto – um homem muito inteligente e taciturno com a família, com quem jamais teve uma boa conversa – era quase-ateu, mas acabou confirmando uma “decepcionante” crença em Deus, por conta de anos de pressão da família, e também pela força do dia em aconteceu o “milagre” de ter abandonado o cigarro. Bob sempre, desde menino, testou a existência de Deus e nunca obteve uma confirmação satisfatória. Queria muito ter fé, mas não conseguia, verdadeiramente, embora tenha feito muitas orações a Ele durante a vida. Decepcionou-se, por fim, com a Bíblia – o “livro mais rico e louco” que conheceu. Buscou outras respostas, em outros livros. Não encontrou, contudo, resposta satisfatória dentro da religião. Influenciado pela literatura, pelo cinema e muito pela música, além de suas próprias observações e “trabalhos de campo”, aos 27 anos ele já podia afirmar sem hesitar: “sou um ateu”. Contudo, respeitou sempre todas as crenças, pois sabe que nada neste mundo pode ser tão sólido, positivo ou peremptório. Resume seu sentimento religioso da seguinte maneira: “sou ateu, mas acredito em um monte de coisa, portanto tenho obrigação moral de respeitar quem crê em algo”.

Depois de duas importantes e marcantes namoradas, uma quando ele tinha 18 anos – que o impressionava por engolir seu sêmen, algo que ele encarava como prova de amor –, e outra quando na idade de 21 anos, moça fina e letrada, filha de um diplomata, casou-se Bob, após essas experiências, finalmente, aos 24 anos, com Ana, professora de religião, com quem vive até hoje. Ana foi seu porto seguro. “Sempre vi Ana como uma neo-hippie com os melhores instintos maternais que já presenciei. Ana é acolhedora, acho que é isso que nos mantém fortes e unidos. Ela é a criatura mais complexa, interessante e amável que eu jamais conheci”. Sua esposa Ana havia tido uma experiência anterior com casamento. Aos 31 anos, uniu-se a Bob. Tinha um filho com 5 anos, Willian, a quem Bob ensinou a ser uma pessoa reflexiva. Willian, contudo não seguiu os passos do padrasto artista e funcionário público, tornando-se Hare-Krishna. Aos 26 anos Bob foi pai de Violeta. “Minha filha Violeta nasceu no meio de lutas de um casal pobre penando para sobreviver, exatamente como vem sendo desde o começo até hoje, mas isso não tira a beleza da vida”. O casal com os filhos já morou em umas 20 casas diferentes em 7 ou 8 cidades, incluindo Recife, São Paulo, Rio, Lima (Peru) e Santiago (Chile), vivendo hoje em Recife. Pouco, se comparado às pretensões frustradas de Bob, que gostaria de conhecer o mundo inteiro – não como mero turista. Sua atual casa, própria, na qual vive há cerca de seis anos, é bem pequena. É minúscula, na verdade. Um pequeno e encantador esconderijo com dois quartos de dormir. A sala é mínima, porém aconchegante. Na cozinha há um sofá – o que é pouco comum –, para conversarem com os amigos enquanto cozinham. Tem uma varanda bonitinha, com uma boa rede. “É uma casa muito engraçada”, admite o artista, citando o conhecido poema infantil de Vinicuis. Mas é pitoresca: tem mais quadros nas paredes do que elas poderiam suportar. Alguns pintados pelo próprio Bob, já outros são coisas como fotos de artistas, coisas do tipo pop art, ou algo parecido. Desta casa – que é um tipo de herança de família – Bob não será despejado. Acha.

Sobre coisas da vida, Marciano explana longamente: “casa, filhos, casamento: definitivamente não são coisas fáceis. Pelo menos quando se dispõe de poucos recursos. Meu casamento é um tremendo exercício: alguns prazeres, muitas lutas, inseguranças de toda sorte em relação ao futuro – nosso e dos filhos. Talvez seja assim para quase todas as pessoas casadas. Sinto amor. E sinto que amor e responsabilidade são a mesma coisa. E um amor proletário não é coisa simples. As próprias restrições do direito de ir e vir do proletariado influenciam na sua forma de amar e viver o amor. A vida dos ricos aventureiros é melhor e mais fácil, obviamente. Deixemos a hipocrisia à parte: dinheiro e liberdade são palavras que caminham juntas. Mas, afinal, quem pode ser um rico aventureiro, desbravador, descobridor? Em geral, um pequeníssimo grupo de privilegiados herdeiros – consideradas as raras exceções a esta regra. Foi-se o tempo em que se podia enriquecer trabalhando. Na verdade, em poucos momentos e lugares na história isso se mostrou algo natural. Fico chateado quando ouço gente se gabar de ter prosperado com seu trabalho e esforço, esquecendo-se de mencionar a sorte que teve em ter sido levado aos caminhos favoráveis. Ninguém consegue nada sozinho. Ninguém sequer ‘pensa’ sozinho. Tudo se faz em grupo. Até enriquecer – sobretudo enriquecer. Só que pra alguém enriquecer, um grupo de pessoas não ricas trabalhou e pagou por isso. E aquela velha e incômoda sensação de que a maior parte da grana deste mundo está nas mãos de uma minoria de imbecis... Parece que o melhor caminho para enriquecer é a imbecilidade e a leviandade”, conclui indignado.

Bob Marciano divide a carreira artística “não remunerada”, com seu trabalho como funcionário público: escriturário, Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. “O salário é uma piada”, como diz. Antes, teve empregos variados na juventude: servente de pedreiro, balconista de loja de material de construção, barman, estofador, “decorador” de velórios e “maquiador” de defuntos... Até mesmo operário de indústria ele foi, seguindo o que houvera sido sua mãe, seu avô, seu pai escorregadio, seu padrasto, tios: é alguém da classe operária, enfim. Agora, acaba de se formar em Filosofia. Gosta muito da idéia de lecionar, além de usar seus novos conhecimentos na literatura. Diz ver-se, verdadeiramente, como um professor. “Desde pequeno eu me entendi como um professor, e isso é muito engraçado. Os meninos faziam uma rodinha pra me ouvir depois da pelada”, recorda os tempos de menino falador. Recentes estágios durante o curso de Filosofia, parecem ter confirmado essa vocação professoral. Obviamente, em se tratando de alguém como Bob, há outras coisas que ele gostaria de ter sido. Sua geografia e, sobretudo sua classe social, ele não divida que foram determinantes para muitas de suas frustrações. Algumas opções profissionais imaginadas por Bob foram: jogador de futebol, arquiteto, astrônomo, jornalista, cineasta, e até mesmo pastor protestante. “Futebol eu logo percebi que não dava, pois sempre fui ruim de bola. Arquitetura era para ricos. O mesmo com cinema, claro”. Uma interessante experiência com cinema ele, no entanto, acabou tendo, quando um curta co-produzido por ele, onde inclusive atuou, foi exibido na TV e até mesmo selecionado para um festival de filmes brasileiros em Nova York, tendo sido exibido ao ar livre no Central Park, juntamente com outros 4 curta-metragens e 15 longas nacionais. O filme é intitulado Frango de Macumba.

Sua tumultuada cabeça é a cabeça de um homem que busca durante todo o tempo o equilíbrio. Bob diz precisar de equilíbrio, para ele e para os seus, que costumam esperar isso de dele. Muita gente se refere a ele como “um cara muito tranqüilo”. Muitos acham isso, o que ele considera positivo. E aceita a responsabilidade que advém disso. Não de considera, no entanto, calmo ou tranqüilo – muito longe disso. Equilibrado, sim, poder ser um bom adjetivo para ele. No fundo, ele não sabe bem se é um cara pacato precisando de aventuras e sensações novas ou se é um furacão que precisa ser acalmado. Bob filosofa com preocupação: “para se viver sobre a corda bamba acima de um precipício é preciso mesmo muito equilíbrio. Um dia fiz uma parábola sobre mim e contei a uma pessoa: ‘um palhaço com uma potente mola, dentro de uma caixa muito bem fechada; o palhaço faz muitos furos na caixa para ver o que está acontecendo no mundo externo, e, maravilhado com o que vê, vive a esperar o momento que a tampa vai se abrir; mas ela não se abre, e isso o frustra’. Eu sou o palhaço. E a pessoa então me falou, verdadeiramente comovida: ‘mas que visão triste...’. Havia sido apenas mais uma pequena ilustração poética das minhas frustrações. Mas estou vivo. E, pensando bem, sou e posso bem mais que um palhaço numa caixa. E, no fim das contas, o que é a Terra inteira senão uma grande prisão? Fronteiras instransponíveis pra todo lado... Quem é livre? O que é ser livre? Liberdade política, liberdade para amar... Vá alguém entender sobre liberdade... Às vezes sinto pena de mim. Às vezes não. Pena das pessoas eu sinto sempre. Mesmo assim acho a vida boa. Aceito bem as surpresas dela. Na verdade, anseio por novidades. Quero ser um homem bom. Talvez eu seja. Apenas talvez. Não quero ferir pessoas, isso é certo pra mim. Quero todos bem ao meu redor, mais ainda os que me amam. Tenho pequenos projetos. Tenho muita força: um grande poder pouco visível para olhos desatentos. Tenho força até mesmo para, às vezes, me fingir de fraco, o que é uma arte para poucos. Sou poderoso. Tenho minhas boas mãos. Tenho minhas boas pernas e bons ouvidos. Tenho meu coração”.

* * *