LUIZ ALBERTO MACHADO

ELAS ENTREVISTAM ELE: 2 MULHERES ESFÍNGICAS E 1 HOMEM APAIXONADO – Reunidas, a atriz Mirita Nandi e a psicóloga Ana Bia Luz juntas entrevistaram e dissecaram a vida, a carne e a alma de Luiz Alberto Machado. Confira.

MIRITA & ANA BIA - Você é poeta, escritor, compositor, pesquisador, fala pra gente como se deu a sua descoberta pela poesia?

LAM – Desde menino que eu sempre fui muito presepeiro. E eu logo assim com uns 4 anos de idade, me dizia já namorado da minha tia que tomava conta de mim. Ela era bem mais velha que eu e nem sabia que eu dizia pra todo mundo que era namorado dela. Aí eu fazia de tudo, decorava músicas que tocavam na rádio, os desafios que eu via os cantadores glosarem na feira, essas coisas. Até que um dia eu tive a idéia de fazer umas quadrinhas para ela todo cheio de graça.

Depois a professora do primário também caiu nas minhas graças, me deixando ficar acometido por uma paixonite aguda daquelas de se aprontar de tudo para chamar atenção. Não bastava eu levar frutas, flores e coisas que eu encontrasse na rua não. Um dia achei um espelhinho e coloquei no pé para quando ela passasse na hora do ditado, eu flagrasse as inspirações, hehehehehehe. Verdade. Todo dia eu fazia uma quadrinha para ela sobre isso, pois as saias sempre foram as maiores seduções da minha vida.

Findaram essas quadrinhas publicadas no suplemento infantil Junior, do Diário de Pernambuco. Foi aí onde tudo começou. Mas eu não sou poeta, eu sou verdadeiramente um compositor de tons e versos, só isso.

MIRITA NANDI – Sua família teve influência na sua decisão pela arte?

LAM – Eu desde menino pequenino que achava muito curioso meu pai viver aboletado nos livros, no meio dum bocado de estantes. Eu mesmo me perguntava: - que segredo tem naqueles livros que meu pai só vive vasculhando eles, hem? Isso aguçou minha curiosidade.

Aí, eu que já era um peralta incorrigível, já mentia que só, inventava de tudo, não podia ouvir nada que eu estava com uma pergunta pronta para saber o que era e, quando não me satisfaziam a curiosidade, descobri nos livros não só histórias interessantíssimas como figuras que me deleitavam, a ponto de não querer largar mais os livros.

Foi quando eu descobri as bancas de revistas e a biblioteca pública. Meu pai abriu um conta-corrente sem limite na banca do Zal, d´eu comprar todas as coleções e livros.

Na biblioteca tive a graça de apadrinhado pela madrinha dos artistas palmares, a professora e bibliotecária Jessiva Sabino de Oliveira que me permitia levar até os livros proibidos de serem emprestados.

Fui crescendo e logo fui levado pelo meu pai para conversar com os amigos dele que eram poetas, escritores, intelectuais. Eu ficava atento a tudo e me dizendo: - Ainda converso com esses caras. E, por causa disso, eu vivia saculejando enciclopédias, almanaques, atlas, vade mécum, livros e publicações diversas sempre procurando saber a razão de todas as coisas existirem.

ANA BIA LUZ – Na sua infância, então, o que você mais gostava de fazer?

LAM – Ah, Ana Bia, eu era um presepeiro na expressão real da palavra. Eu gostava de brincar muito, de cantar, de inventar que tava tocando uma guitarra no bucho, de assoletrar versos e remedar motes e glosas, como eu já disse, eu gostava mesmo era de aparecer.

Eu vivia com o ouvido colado no rádio, os olhos pregados na televisão e presepando muito dentro de casa. Minha mãe não tinha sossego porque eu pegava a vassoura e derrubava todos os bisquis pendurados pela casa.

Quando minha mãe chegava com a feira, eu espragatava todas as frutas e verduras, sacudindo ou chutando tudo de ficar apregado nas paredes. Um horror. Tanto é que quando minha irmã Aninha nasceu, eu tive que ir viver com meus avós paternos porque senão ela não viveria nunca.

Na casa dos meus avós eu reinava absoluto, todo impune, vez em quando não conseguindo me livrar dumas lamboradas boas da minha avó.

Meu avô era doido por mim, mesmo quando eu aprontava na estrebaria, enfiando fiapo de vassoura na venta dos cavalos.

Eu só queria estar vestido de palito e gravata borboleta, mijando e cagando o tempo todo. Tanto que quando eu deixava o tolotinho no penico, depois botava na cabeça e saia mostrando para todo mundo: - Sodado, sou sodado, sou sodado. E a melecada toda escorrendo abaixo.

Desde bruguelo miúdo que inventava história, conversa muito, mentia que só, contava e recontava, cantava e dava show pros parentes, aderentes, comadres e achegados. Era só amostramento mesmo.

MIRITA & ANA BIA - Vimos que você está comemorando 26 anos de estrada, fala desde quando você escreve?

LAM – Ah, sim, eu escrevo desde menino. Desde que eu descobri uma forma de me amostrar e de reclamar das coisas que eu não podia enfrentar, eu comecei a escrever. Mas comecei a escrever porque lia muito, mentia demais, enrolava todo mundo. Para eu poder ter gás de manter o status de tudo que eu me amostrava, eu precisa ler, né? Aí tanto eu lia e, por ler muito, fui pegando o vício de escrever. Mas repito: tudo só para me amostrar.

Como sempre fui muito inquieto, foi na adolescência que peguei o vício de escrever, criar e compor músicas. Uma coisa foi levando a outra. Tanto é que escrevi minha primeira peça teatral com 16 anos de idade. A segunda peça teatral eu nem 18 ainda. E levado pelo incentivo do colégio, eu escrevia muito e saia compondo demais porque a gente toda semana tinha jograis, saraus, festivas, melodramas, o escambau.

Eu tinha uns 15 pra 16 anos quando conheci Fernandinho Melo, mais conhecido como Fernando Bigodinho, um violonista arretado e um guitarrista da porra. O melhor dele é que ele fazia cada música linda arretada. Era cada bossa-nova ineivada. A gente fã dos mesmos artistas: Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, aí a gente começou a compor umas músicas. Tinha vez da gente compor 3 ou 4 por dia. Era mesmo. Todo dia a gente se encontrava em frente da igreja presbiteriana da praça Maurity para mostrar as novidades, tocar violão, fumar maconha, tomar uma e bater papos. Era uma turma arretada, eu, Ozi dos Palmares, Zé Ripe, Marco Ripe, Angelo Meyer, Luis Gulu de França, Celio Carneirinho, Marquinhos Cantor, Mazinho, Fernandinho Melo, Mauricinho Melo Junior, uma patota enorme. Poetas, músicos, compositores, pintores, atores, dramaturgos, ou metidos a isso, né?

Todo dia, eu e Fernandinho trazíamos uma novidade da parceria musical. Eu me amostrava: todo dia umas 2 ou 3 músicas, mais uns poemas parnasianos com uns sonetos rebuscados que eu me espoletava a fazer. Era uma mangação e eu todo roliúde.

Todo mundo mangava de mim, cheio das palavras difíceis, metido cheio de nove horas, todo adiantado que só.

Daí música, literatura e teatro nunca foram tão presentes na vida.

MIRITA NANDI – O que você mais lia e ouvia nessa época?

LAM – Ah, Mirita, o que caísse na rede era peixe. Além da biblioteca do meu pai, das trocas de leituras com Mauricinho e Gulu, as disponibilidades dos livros da biblioteca pela Jessiva e a influência marcante do meu primo Afonso Paulins, oxe, eu lia de tudo.

Da biblioteca do meu pai, Machado de Assis – uma coleção de 31 volumes que ele me deu, a coleção completa de Graciliano Ramos, de Érico Veríssimo, muita literatura de cordel, muita boemia, Luiz Gonzaga, Zé da Luz, Direito e História do Brasil.

Das lorotadas com Mauricinho e Gulu, toda literatura clássica e Câmara Cascudo, Jorge Amado, Kafka, Dostoiévski, Tolstoi, Filosofia e muita MPB de ontem, anteontem, hoje e amanhã.

Da Jessiva, um mundão de gente: Emerson, Sade, Juan Ramon Jimenez, Lorca, Hermilo Borba Filho, Ascenso Ferreira, Osman Lins, Zé Condé, Drummond, Fernando Pessoa, o teatro de Oduvaldo Viana Filho, de Guarnieri, de Ariano Suassuna, de Dias Gomes, Clarice Lispector, Maiakovski, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e toda poesia do planeta.

De Afonso Paulins, esse desde menino que ele me influenciava, trazendo James Joyce, a musica clássica e erudita, Jorge Luiz Borges, o rock progressivo, os poetas Beat, o jazz e o free-jazz, Hermeto Pascoal, Guimarães Rosa, Mallarmé, Egberto Gismonti, Ezra Pound, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari, Stravinski, Einstein, John Cage, Rajnesh, Debussy, Villa-Lobos, Laurindo Almeida, Keith Jarret, Picasso, Yejudi Menuhin, Kitaro, José J. Veiga e tudo o mais.

Tudo isso sem falar dos meus amigos Juarez Correia, Tininho, o pessoal da Bagaço, Jaci Bezerra, Luiz Berto e todos que me influenciaram diretamente e me fazendo virar um xexéu feliz da vida.

ANA BIA – Vê-se que você é um sujeito precoce mesmo, que avaliação você faz da sua adolescência?

LAM – Uma loucura, Ana Bia!! Eu comecei a beber e a fumar aos 10 anos de idade quando cheio de pedir mesada pro pai, comecei a trabalhar no cartório para me sustentar e pagar as coisas que eu queria fazer.

Bebia e fumava mesmo. Lia muito, mentia demais e vivia pela zona do baixo meretrício catando as piniqueiras e catraias para satisfazer minha latente necessidade sexual. Sem as gentis mulheres jamais eu conseguiria ser o que sou.

Para vocês terem uma idéia, me casei aos 15 anos, e aos 13 já tinha papado a vítima. Aos 16 fui pai. Aliás, sou pai até hoje de uma linda mulher que é a única obra-prima que eu consegui fazer. Fui pai de um menino tão maloqueiro quanto eu, mas achou de ir embora justo no dia que Maradona destronou sozinho a seleção na copa de 86.

Sempre fui o aluno mais novo da classe, fui reprovado em todos os segundos: segundo ginasial, segundo cientifico. Mesmo assim, terminei o colegial com 17 e aos 18 já estava na faculdade, sendo monitor de Literatura Brasileira e professor nas escolas.

Nessa época eu fazia o curso de Letras, depois entrei pra Jornalismo e, por fim, Direito.

Agora me diga: o que pode um menino de 10 anos, casado aos 15, pai aos 16 e metido a macho virado na gota aos 17?

Só sei de uma coisa: errei que só a porra, apanhei, levei puxavanque da vida, fui carimbador que virou copista e nunca saiu de dedógrafo num cartório. Fui bancário de querer mexer com as estruturas da insensibilidade burocrática. Fui vendedor de automóveis, montei circo, virei camelô, radialista e tetéu sem papas na língua.

Taí um prato bonitinho para você que é psicóloga, né?

MIRITA NANDI – Você tem um trânsito entre o real impresso e o virtual, como você concilia isso?

LAM – Verdade. Eu escrevo descompromissadamente para muitos jornais, revistas e publicações impressas, bem como blogs, sites e portais da rede.

Meus artigos, crônicas, croniquetas e noveletas foram publicadas em vários veículos.

Atualizo meus blogs quase que diariamente, não só sendo diariamente porque tenho uma agenda corrida e carregada, mas sempre que posso atualizo diariamente mesmo.

Hoje, quando posso, envio um artigo para publicação em diversos jornais e publicações impressas, como a Gazeta de Alagoas que já publiquei artigos quase que semanalmente, ou no Diário de Pernambuco ou mesmo no Diário de Natal. Tenho muita coisa publicada por aí, basta conferir nos Links da minha home page.

O Guia de Poesia do Projeto SobreSites do Rio de Janeiro é que demoro um pouco pra atualizar devido o volume de informações que requer.

O Tataritarutatá, também, que é um site de humor que é renovado por causa da quase atualização diária do blog.

A gente vive assim: um pé na tradição e outro no futuro. É assim que concilio.

ANA BIA LUZ – Você é pesquisador, compositor, escritor, mais um bocado de outros afazeres que você se dana a fazer. Como você dar conta de tanta coisa?

LAM – Trabalho muito, Ana Bia. Muito mesmo. Você acertou em colocar em primeiro lugar que sou pesquisador. É só isso mesmo que eu sou, um pesquisador de verdade. O restante é só conseqüência da pesquisa. Não sou poeta, nem escritor, sou compositor de tons e versos, isso sim. Reúno tudo no Cantarau, ou seja, cantoria + sarau poético, onde apresento minhas canções e parcerias musicais com meus versos e estrimiliques poéticos. Dá tudo certo no final: o povo aplaude e eu adoro.

Também adoro fazer recreações infantis, nelas eu coloco pra fora a minha meninice ainda reinante, apesar dos meus quase 50 anos.

Palestras também é um dos meus prazeres preferidos. Nasci para ser professor, mas como ninguém é mais doido de me dar uma cadeira para lecionar, nem eu tenho mais tempo para isso, me limito aos debates nas palestras, congressos, seminários e outras eventuais ocasiões onde posso aparecer.

MIRITA & ANA BIA - Quais as influencias que você recebeu no seu processo de formação? Algum escritor em especial?

LAM – Indubitavelmente. A primeira imitação foi do meu pai que é um poeta boêmio e sonetista macho. Depois os amigos me influenciaram, depois meus artistas preferidos. Tudo isso construiu a minha personalidade de xexéu descarado, não posso negar.

Como Platão dizia que o poeta é um imitador da natureza e Fernando Pessoa chamou os poetas de fingidores, na verdade mesmo, sou um imitador de tudo que circunda a minha vida.

Vivo com todos os sentidos pregados em tudo que me ocorre e que passa por mim. Investigo tudo na vida, de onde eu vim, o que estou fazendo aqui, pra onde eu vou, por aí.

MIRITA NANDI – Quando você se definiu como pesquisador? O que levou você a se autodefinir como pesquisador?

LAM – Ah, Mirita, eu sempre fui mesmo pesquisador. Desde menino bruguelo que eu não podia ver nem ouvir nada que eu queira saber. Sempre fui nos livros procurar saber as coisas que me assediavam a curiosidade. E isso cresceu quando eu queria descobrir a razão do nome Palmares para a minha cidade. Ninguém nunca me explicava direito a respeito e tudo que me chegava era desencontrado. Aí falei com meu pai e ele me dispôs de livros que só, livros desde da chegada dos portugueses até então. Ai fui esmiuçando as inverdades históricas, do caso dos caetés, dos Quilombos, da guerra da Praieira, o que deu numa leitura de mais de quase 30 anos de pesquisa, envolvendo, mais ou menos nuns 3 a 4 mil livros consultados e estudados, uma bibliografia raçuda mesmo. Tem até um café pequeno bibliográfico que eu publiquei justificando o Festival de Cagadas Melando o Pais – FECAMEPA, lá no meu blog Pesquisa & Cia. É só dar uma lida nas croniquetas do FECAMEPA que você terá do volume bibliográfico remexido e bisbilhotado.

Assim também sou pesquisador para fazer músicas, letras, poemas, teatro, tudo. Pesquiso muito quando bate a idéia e a inspiração. Inspiração só pra ter o estalo, o resto é transpiração da muita: pesquisa e polimento estético e formal.

ANA BIA LUZ – E quando foi que você resolveu se voltar para o universo infantil?

LAM – Bem, Ana, como eu já falei, desde que a gente fundou a Bagaço no inicio dos anos 80, que o povo me peiticava para eu escrever literatura infantil. Relutei que só, não vacilei. Estudei muito, não queria ser responsável pelo entortamento das crianças. Enquanto estudava psicologia, pedagogia, psicopedagogia, literatura infantil, teatro infantil, musica infantil, tudo, eu transformava os livros de Elita Afonso Ferreira e de outros autores da Bagaço em peças teatrais infantis.

Até que um dia, depois de mais de 12 anos de pesquisa, consegui articular um texto infantil que achei meritório de publicação. Foi O Reino Encantado de Todas as Coisas, que foi publicado pela Bagaço em 1992.

Depois publiquei o Falange, Falanginha, Falangeta, em 1995, já no meu selo editorial próprio, as Edições Nascente, articulando a idéias dos dedos da mão com ética, cidadania, respeito às diferenças e meio ambiente.

Inspirado numa amizade entre 4 amigos que tive, escrevi o Lobisomem Zonzo, livro que logo se esgotou e transformei em peça de teatro infantil. Um sucesso.

Depois foi a vez do “O cravo e a rosa”, onde eu conto a história da arenga deles em poesia de cordel. Ficou arretado, eu acho. Esgotadíssimo, vou reeditá-lo muito em breve.

Veio então um que foi resultado das minhas pesquisas de mais de 30 anos, o “Alvoradinha: calango verde do mato bom”, a história de um curumim caeté desde antes da chegada dos portugueses até os dias atuais. Uma viagem no tempo, na cacunda de uma nuvem.

Depois juntei todos os personagens no livrinho “Turma do Brincarte” onde brinco mais do que faço literatura, hehehehehehehe.

Por fim, o “Frevo Brincarte”, também lançado no ano passado, onde eu junto meus personagens brincando com o frevo e com o espetáculo que é o nascer do dia.

MIRITA – E quando você se viu compositor de músicas?

LAM – Desde menino, Mirita, que eu inventava melodias e letras horrorosas para cantar ou imitar os cantores e artistas da minha predileção. Desde esse tempo que eu ficava bleblem no violão, cantando melodias e letras inventadas na hora, desconexas e imprestáveis, sem nem saber tocar violão nem juntar uma idéia com outra. Era uma mania medonha essa minha de querer fazer o que não sabia. E nessa onda aprendi a tocar violão espiando pros outros tocarem. Ninguém podia pegar na viola que eu ficava de mutuca, com os boticãos agarrados nos acordes. Até aprender sozinho como bater no violão. Foi aí que meu pai me mandou procurar Zito Arão, o melhor professor de violão que tinha na minha cidade. Fui lá. Quando cheguei ele me perguntou:

- Quer aprender a tocar violão é?

- Quero aprender a tocar, a compor e a escrever partitura! -, disse eu cheio da empáfia.

- Sabe tocar alguma música?

- Sei -, disse-lhe.

- Então toque ao pr´eu ver.

Aí peguei o violão e toquei “Construção” de Chico Buarque.

O Zito Arão ficou olhando e me disse:

- Pode ir pra casa, exercite muito que você sabe violão mais do que eu.

Oxe! Fiquei azoado com isso. E órfão de quem quisesse me ensinar as coisas. Foi o mesmo fato que aconteceu quando fui pra escola de datilografia. Eu era dedógrafo desde os 10 anos de idade e quando cheguei aos 16 precisava ajeitar esse vicio feio, né? O professor que era meu amigo até teve paciência, mas vendo que eu não me corrigia, mandou-me embora para não contaminar os outros alunos, hehehehehehe.

Pois foi assim com a música. Aos 14 eu estava me esgoelando as minhas tronchuras musicais num palco duma feira de música. E saí participando de festivais que só, nunca ganhei nada, nem podia. Eu peitava platéia e júri só com meu violão, sem banda nenhuma.

Para não dizer que não ganhei nada, ninguém nem sabe, mas eu promovi uma Feira de Música, em que 1 das minhas parcerias com Fernandinho Melo ocultada para o júri e a platéia, consignada como só dele, tirou segundo lugar. Nem no que eu mesmo promovia ganhava nada, era sempre o segundo de qualquer jeito, hehehehehehehehe.

Pra você ver, né? Se só tivesse 1, eu ainda era segundo, hehehehehehe.

Pois foi. A música que eu compus que mereça ser mencionada mesmo foram as parceiras com Fernando Melo. Depois compus “Aurora” e “Frutos” sozinho, isso na segunda metade dos anos 70, ao lado de umas parcerias com Angelo Meyer.

Depois saí musicando poemas alheios, colocando letra nas músicas dos outros, iniciando parcerias e compondo as minhas próprias músicas, até chegar “Cantador” que foi a última que eu compus, tendo ainda umas 300 engatilhadas para fechar.

CANTADOR

Letra & música de Luiz Alberto Machado

A vida passa em cada passo do caminho

Vou passarinho professando a minha fé

Vou bem cedinho pela estrada que se espalma

O Nordeste em minha alma

Nos catombos do trupe

Vou Severino percorrer légua tirana

Com toda aventura humana

No solado do meu pé.

Sou cantador

E carrego no canto

Minha vida no manto

Que reveste o valor

Pra onde eu for

Eu me valha do encanto

Pra chegar em qualquer canto

Com a verdade do amor.

Vou com meu canto em cada canto lado a lado

Vou com cuidado afinando o meu gogó

Sem ter espanto, todo só de luz armado

Tino aceso e aprumado

Evitando um quiprocó.

Vou confiante, entre o céu e a terra, a ponte

No destino do horizonte

Vou bater até no sol.

Sou cantador

E carrego no canto

Minha vida no manto

Que reveste o valor

Pra onde eu for

Eu me valha do encanto

Pra chegar em qualquer canto

Com a verdade do amor.

Digo bem alto e minha crença toma abrigo

Sem ter asilo na redoma do mundão

Sigo o sermão no rumo a rota do estradeiro

Assuntando o paradeiro

Na melhor entonação.

Passo nos peitos a ficar comendo orvalho

Se cantar é o meu trabalho

Deus me dê toda canção.

Sou cantador

E carrego no canto

Minha vida no manto

Que reveste o valor

Pra onde eu for

Eu me valha do encanto

Pra chegar em qualquer canto

Com a verdade do amor.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

ANA BIA LUZ – Fala agora, então, do Tataritaritatá: site, cordel, música, show, tudo!

LAM – O Tataritaritatá é um gesto de gratidão e uma homenagem ao Mauricio Melo e seus filhos Gilberto e Mauricinho, todos meus amigos e parceiros na vida.

O Mauricio foi o pai que apoiou e mais chegou junto da gente quando fazíamos nossas estrepolias e projetos.

Mauriciinho foi um dos meus primeiros parceiros do tempo da escola, estudamos juntos.

Gilberto veio depois, mais velho que eu, virou meu parceiro nos projetos da revista A Região e na fundação das Edições Bagaço.

Anos depois, resolvi fazer esta homenagem de gratidão. Criei o blog que virou sítio e depois show, cordel, livro, o escambau.

Saí reunindo todas as petas, loas e patranhas da minha vida e saí sapecando nas croniquetas, noveletas e causos que recheiam o projeto todo.

MIRITA & ANA BIA - Como você definiria a literatura para você?

LAM – Literatura é a minha condição de estar no mundo. É o resultado do meu olhar, da minha investigação.

Como sou ainda aprendiz e, apenas, um compositor de tons e versos, tenho estudado substancialmente a forma, maneira e conteúdo estético para expressar por meio das palavras, aquilo que quero realmente dizer.

MIRITA NANDI – Nas suas conversas, tanto com a gente como com o seu público, você reiteradamente fala de cidadania, meio ambiente e injustiças, temas que, inclusive, permeiam sua obra. Essas bandeiras são a sua crença no Brasil?

LAM – A vida é linda, mas é muito triste quando a gente constata que há um equivoco, ou um conjunto de equívocos que são mantidos como verdades absolutas para a grande maioria. Isso se dá em virtude de haver duas violências: a dos políticos, autoridades e gestores públicos e a outra que é o resultado desta primeira.

No Brasil só existe dois tipos de gente: aqueles que lambem os culhões dos que cometem a violência primeira, ou os que estão acomodados, batendo e rebatendo a segunda.

A injustiça, portanto, é a principal bandeira porque está dentro dela tudo o que se reivindica de geral. Então, para mim, não adianta fragmentar o problema, o que se deve mesmo é combater a injustiça em nome da dignidade humana e do exercício da cidadania.

ANA BIA LUZ – E essa violência de hoje? O Brasil tem jeito?

LAM – Com eu disso antes, o equívoco é enorme e só resulta naquilo que chamamos de chover no molhado, por mais paradoxal que se pareça, isso por ser o mais contraditório possível. O privilégio, o compadrio e as panelinhas são os que definem quem será contemplado, ou quem será excluído, loteando os prazeres e benesses. É claro que nisso não cabe muita gente, aí falta tudo: educação, saúde, segurança, tudo.

Se o Brasil tem jeito? Bem, eu tenho uma crença nas gerações futuras se a gente trabalhar bem para termos uma educação de qualidade. Se a gente conseguir pelo menos deixar uma educação pública de qualidade acontecendo, então será o primeiro e importante passo. Educando nossas crianças e conseguindo dispor de uma educação de qualidade para todos, aí a gente pode começar a sonhar com um Brasil melhor. Enquanto isso, vamos juntos na luta!

MIRITA NANDI – Gostaria que você falasse agora como foi criar o “Crônica de amor por ela”, tenho uma curiosidade para saber como foi que tudo começou e como está o projeto do livro, do show, do blog, fale tudo, por favor, sim?

LAM – O “Crônica de amor por ela” nasceu de um poema que escrevi em 1994 e publiquei numa das edições do meu extinto tablóide, Nascente Publicação Litero-Cultural, em 1996.

De lá pra cá venho sempre re-escrevendo e burilando o poema, até que um dia, em conversa com a minha poetamiga Mariza Lourenço, acho que em 2004 ou por aí, criei o blog “Ela nua é linda”, que virou meu bloguerótico, com a proposta de publicar diariamente poemas de amor pela mulher amada. Este blog virou Crônica de amor por ela que resultou num livro que está com 300 poemas, prosa poética, poemiudinhos e outras facetas poéticas. Reúne, além disso, letras de músicas que compus ao longo dos anos com teor voltado para o amor à mulher amada e ao erotismo, tratando do respeito mútuo, a entrega, a sexualidade e, evidentemente, as emoções que levam às paixões e loucuras do amor.

Enfim, o Crônica de amor por ela virou não só livro como show que pretendo reunir tudo num cd que estou estudando para aprontar.

ANA BIA – Essa não é a ultima pergunta nada, Mirita, a última será agora: poetinha, quais são seus projetos literários, musicais, enfim, quais os seus projetos pessoais e profissionais?

LAM – Oi, Ana, projetos, como sempre disse, tenho muitos. Graças à vida e alguns amigos, sempre consegui realizá-los.

Como eu não consigo fazer uma coisa só, mexo com muita coisa ao mesmo tempo e as coisas vão se aprontando naturalmente, sem forçar barra nem exigir precocidade.

Para você ter uma idéia, estou trabalhando um romance já há alguns anos, mas desconfio que não tenho ainda fôlego para esta modalidade literária.

Tenho o livro de croniquetas FECAMEPA, pronto. Um outro Tataritaritatá, também de croniquetas. Tenho uns de noveletas, como o “Kid Malvadeza e outras histórias” e “A fúria dos inocentes”. Também, um de poesia, “O trâmite da solidão””, um de contos eróticos, “Rol da paixão”, fora o “Crônica de amor por ela”. Pretendo fechar o cd de músicas “Tataritaritatá” e o infantil “Turma do Brincarte” com músicas e contações de aventuras e histórias.

É isso aí. Para finalizar quero agradecer a vocês, Mirita e Ana Bia, pelo sempre dedicado prestigio a mim conferido por vocês, pela amizade, carinho e pelas comunidades do Orkut.

Não deixe de conferir o site de Luiz Alberto Machado http://www.luizalbertomachado.com.br/

Entrevista realizada em 1 de agosto de 2007 pro blog da Mirita Nandi

http://blogdamirita.blogspot.com/

Mirita Nandi
Enviado por Mirita Nandi em 09/01/2011
Reeditado em 09/01/2011
Código do texto: T2718521