Tchello d'Barros entrevistado no jornal Alto Madeira e blog Lítero Cultural | Selmo Vasconcellos (RO)
Tchello d’Barros entrevistado para o jornal impresso Alto Madeira (RO) e blog Momento Lítero Cultural pelo editor Selmo Vasconcellos (Rondônia RO)
Junho 2010
SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever?
TCHELLO d’BARROS - Posso dizer que minhas principais atividades (entre uma e outra editoria ou curadoria) se resumem em poucas palavrinhas: Literatura, Artes Visuais e Viagens. Escrevo contos, crônicas, poemas, artigos e eventualmente ministro alguma oficina literária. Nas artes visuais me expresso nas linguagens de desenho, gravura, pintura, instalação, arte digital e um pouco de fotografia experimental. Essa produção é apresentada em exposições, publicações impressas, sites e de vez em quando colaborações com o povo da Moda ou da Publicidade. Para além dessas atividades criativas, sempre que posso estou com o pé-na-estrada, deambulando Brasil afora e por outros rincões também, seja em andanças de pesquisas culturais, peregrinações místicas ou viagens de aventura. Depois de morar em uma dúzia de cidades, por enquanto são vinte países visitados e no Brasil me falta conhecer os estados de Amapá, Acre e Roraima, o que pretendo sanar brevemente. Nessa sina de andejo pós-moderno, me vem agora à memória momentos como a trilha Inca de Machu Picchu, lembro também da navegação Manaus-Belém, dormindo em rede por 5 dias num navio-gaiola em pleno rio Amazonas e rememoro ainda as visitas às catedrais góticas na velha Europa. São experiências que acabam sempre influenciando algumas de minhas atividades no campo da criação, seja literária ou visual.
SV - Como surgiu seu interesse literário?
T. d’B - Acredito que tenha começado logo que aprendi a ler, pois lembro que meu pai lia bolsi-livros de faroeste e minha mãe lia fotonovelas, eu não via a hora de aprender a ler também! Tão logo aprendi, devorava montes de gibis de todos os tipos. Recordo que aos 11 anos fui por iniciativa própria fazer a carteirinha em uma biblioteca pública, quando residi na pequena e simpática cidade de Anita Garibaldi (SC), e de lá para cá continuo um leitor voraz, já que nossa curiosidade sobre o mundo, sobre o homem, sobre a vida, parece algo sem limites. Mas, curiosamente, a escola meio que me afastou da literatura, com as tradicionais aulas onde nos empurravam goela abaixo leituras e exercícios talvez inadequados e antiquados para os adolescentes. Mas parece que de tanto ler, chega uma hora em que a pessoa começa a escrever também e foi o que aconteceu comigo lá pelos idos de 1993, já em Blumenau (SC) quando comecei a publicar os primeiros poemas em jornais e concursos literários.
SV - Quantos e quais os seus livros publicados dentro e fora do País?
T. d’B - Na modalidade impressa, publiquei os livros de poemas “Palavrório” (1996), “Olho Nu” (1996), “Letramorfose” (1999), “Olho Zen - Haicais” (2000), “À Flor da Pele” (2003) e em 2006 publiquei uma série de Cordéis, já morando em Maceió (AL). Além disso, tenho textos variados em mais de 30 coletâneas e antologias (não participo de coletâneas onde os autores pagam para publicar) e numa centena de sites web afora. Além fronteiras, tive textos publicados num jornal da Alemanha, outro em Cabo Verde, numa antologia em Portugal e em breve parece que algumas publicações universitárias em nossa América do Sul. Mas a tendência é cada vez mais publicar em ambientes virtuais. Meus próximos três livros (de Contos, Crônicas, e Poemas) serão publicados antes na Internet e de forma gratuita, para que qualquer pessoa tenha acesso.
SV - Onde e quando você expôs seus ecléticos trabalhos visuais e fotográficos?
T. d’B - Bem, para não cansar os leitores com relatórios extensos, posso resumir que desde 1993venho expondo minha produção visual, na média de uma individual por ano e no paralelo participando de diversas mostras coletivas. Ao todo já somam participações em mais de 60 exposições, em galerias de arte, museus, centros culturais, universidades e espaços alternativos, sem f alar nas exposições virtuais realizadas por alguns sites. Limito-me a citar três momentos aqui: em 2003 fiz minha primeira exposição com uma série de pinturas em grandes formatos na FURB – Fundação Universidade Regional de Blumenau, ocasião onde também ilustrei uma revista de poesia. Outro momento sublime foi em 2006, quando expus numa mostra de individuais simultâneas, uma série de gravuras digitais na temática dos Labirintos, na Ebec Galeria de Artes, em Salvador (BA). E neste 2010, tive trabalhos em exposição em dois conceituados espaços culturais de Lisboa, na Fábrica Braço de Prata e na Galeria do Palácio Galveias. Recentemente tenho desenvolvido um projeto de itinerância para uma de minhas exposições, a “Convergências”, que apresenta minha produção em Poesia Visual. Por enquanto já foi apresentada em PB, AL, SC, RJ, ES, PA e já estão agendados espaços em outros Estados. A idéia é que passe por todos as capitais desse nosso País continental.
SV - Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesia?
T. d’B - Sempre tive uma visão romantizada e dionisíaca sobre a questão da inspiração ou das influências do momento e do espaço quanto à produção literária dos escritores em geral, fossem poetas ou prosadores. Mas depois que passei por uma série de experimentações, principalmente nas linguagens do Concretismo e afins, e também pesquisando sobre o processo de criação de diversos autores, cheguei à conclusão que tudo é principalmente uma questão muito mais de razão, disciplina e método. Com ou sem inspiração, dedico sempre um tempo para escrever, como exercício mesmo, ainda que só venha a aproveitar no futuro ou nunca. Além disso, ando sempre armado do kit caneta + bloquinho no bolso, para anotar os insights que aparecem quando menos se espera, idéias a serem desenvolvidas, trechos de diálogos, gírias, regionalismos, frases em placas, versos nonsense, pedaços de sonhos e outras palavrarias. Então, que me perdoem os mais românticos, mas hoje enxergo o conjunto de uma obra como resultado de muito trabalho, pesquisa, estudo e até mesmo algum sacrifício pessoal.
SV - Quais os escritores que você admira?
T. d’B - Começo respondendo com um sentimento de muita tristeza, pois no dia de hoje minha amiga escritora Izabel Barros (PE) me comunicou por telefone o falecimento de José Saramago, a quem eu me referia como meu autor predileto, entre os escritores vivos. Eu já lia sua obra bem antes da badalação do Prêmio Nobel e tive até mesmo o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Aceitar uma morte como essa é para mim algo bem difícil, pois sei que nosso mundo fica hoje um pouco menos crítico, um pouco menos inteligente. Por questões de espaço, é inviável citar aqui a infinidade de leituras que me aprazem, então, na prosa universal citarei apenas que minhas principais leituras se fixam na labiríntica obra de Jorge Luis Borges, enquanto que no Brasil o melhor romance que já li foi “Ninho de Cobras”, em edição autografada pelo impagável Lêdo Ivo, numa noite cultural no Teatro Deodoro, em Maceió. Na poesia universal vivo lendo e relendo a produção da poesia francesa do séc. XIX, mas Maiakówski ainda é o que mais me toca. No Brasil, as leituras em poesia são intermináveis e vão de Mário Quintana (RS) ao cordelista Leandro Gomes de Barros (PE). Mas admiração mesmo tenho pelos poetas declamadores, os que exercitam a poesia verbalizada, os que trazem o poema à oralidade da palavra, como o insubstituível Lindolf Bell (SC - im memoriam), Heralda Victor (SC), Artur Gomes (RJ), Jessier Quirino (PB) e Renato Gusmão (PA), entre tantos outros.
SV - Quais as figuras marcantes do universo das artes visuais que exerceram de certa forma influências em sua vida como artista visual?
T. d’B - Na pintura, ainda que os mestres do Renascimento tenham sido importantes, principalmente sobre questões técnicas e temáticas, citarei uma referência anterior, o pintor Hieronymus Bosch (que considero o precursor do Surrealismo), cuja obra não tem nenhuma interlocução com minha produção, no entanto aprendi com ele que na arte é importante se fazer uma leitura pessoal sobre tudo. Fascinado que sou pela geometria, não dá para não citar o gravurista M. C. Escher, por cuja vasta obra sou apreciador desde criança. Victor Wasarely, com sua geometria formal abstrata é outra referência importante e considero também necessário mencionar Andy Warhol, que para além das questões da Pop Art, penso que sua vida foi mais importante que sua obra, quero dizer, sua atitude diante da arte, sua postura perante o meio cultural foi mais significante e influencia muita gente até hoje. Na arte contemporânea, quero me referir a três artistas de trânsito internacional, mas que por coincidência são três brasileiros: Cildo Meireles, a quem vejo como uma espécie de Duchamp tupiniquim, pelas elaboradas criações conceituais; Beatriz Milhazes, cujas pinturas me proporcionam verdadeira alegria visual, pois parece nos lembrar que na arte contemporânea existe espaço também para a beleza; e Vik Muniz, a quem acompanho desde o início da carreira e cada nova produção me proporciona emoções estéticas num nível quântico e transcendental.
SV - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas?
T. d’B - Ruim com eles, pior sem eles. Poeta bom, poeta morto. É uma classezinha triste, tantos os “novos” em termos de idade, quanto aquela turma da meia idade, iniciantes que resolvem publicar seu livro depois de já ter plantado uma árvore. Os jovens são difíceis de aturar, querem publicar qualquer coisa a qualquer custo, querem ficar famosos da noite para o dia e muitos acham que serão o próximo Pound, o próximo Leminski. O problema está na pouca experiência de vida e vivência literária para que escrevam algo decente e suas temáticas são muitas vezes uma glorificação do próprio ego, querem falar de si, de seus desamores, como se fosse necessário o povo saber de suas paixonites pessoais. Mal desconfiam que os gregos já disseram tudo (vão ler Ovídio e Safo, para começar!) e que a função do poeta de hoje é falar das verdades de sempre mas de um jeito renovado, numa linguagem contemporânea. Mas o problema maior deles é uma tal de Estatística, essa moça não muito simpática que nos avisa sisuda que para cada 100 autores que publicam seu livrinho, apenas 1 – e olha lá! – se tornará um poeta de verdade, desses que serão uma contribuição efetiva para o idioma e para a literatura de nosso país. Já aqueles senhores e senhoras que estão vendo o tempo passar e querem deixar sua marca, um “livro”, muitas vezes se metem a versificar sem ter estudado nada dessa ciência literária chamada Poesia, sem ter uma boa quilometragem de leitura de grandes poetas, desconhecendo os cânones mínimos necessários a produção de um bom verso, muitos sequer sabem a diferença entre poema e poesia. Esses alimentam a literatice da vaidade, pagam uma gráfica qualquer para rodar seu livrinho e lá estão eles perfumados autografando em coquetéis, com seu nomezinho nas colunas sociais, já que crítica literária nesse país é algo quase extinto mesmo. Então, minha sugestão aos novos em geral é que leiam muito, estudem muito, pesquisem muito, escrevam muito e publiquem quase nada e repitam o ciclo por muito tempo, até suas letras brotarem com a força da terra bem cultivada, da semente bem adubada, até que sua escrita possa brotar com o viço e a originalidade que poderá fazer a diferença e merecer a leitura daqueles que verdadeiramente amam a Literatura.
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