Tchello d'Barros entrevistado em NaCasa em Revista | Railton Teixeira
Tchello d’Barros entrevistado pelo jornalista Railton Teixeira p/ a edição Nº 02 de NaCasa em Revista, editada por Renata Marques.
Maceió-AL dezembro 2010
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Com um talento nato e visível através de suas obras, Tchello d’Barros é um catarinense adotado por Maceió e que desenvolve diversos trabalhos de cunho cultural. Uma vez que Tchello também é viajante, poderia ter escolhido qualquer lugar do planeta, mas este cidadão do mundo quis este cantinho de Alagoas para mostrar a sua arte ao mundo. E nesta edição, NaCasa em Revista apresenta uma entrevista exclusiva com este que é Artista Visual, Escritor, Fotógrafo e exerce muitas outras funções nas artes de um modo em geral.
- NaCasa: Tchello d’Barros, você desenvolve um trabalho em diversas áreas culturais, mas em especial nas artes visuais, como tudo começou? Houve alguma inspiração que lhe motivou a ser um artista visual?
Tchello d’Barros: Desde criança que gostava muito de escrever e desenhar. Quando saí do serviço militar me tornei desenhista profissional em estúdios e agências e no paralelo fui estudando artes e literatura nos inúmeros cursos, workshops e oficinas que apareciam pela frente. Logo surgiram as primeiras exposições e publicações. Não creio que tenha havido uma inspiração em particular, apenas foi dada vazão a uma vocação natural. Penso que ter frequentado um curso de Letras numa faculdade e, após, ter feito um curso de História da Arte tenham ajudado, essa parte teórica sempre amplia a visão que podemos ter das artes de uma forma geral.
- Apenas para podermos distinguir, qual a diferença entre artes visuais e artes plásticas? Que características diferenciam uma da outra?
T.d’B.: Essa é uma discussão recente, porém necessária. Desde que os tradicionais marchands foram sendo substituídos pelos curadores, no sistema das artes visuais, novas formas de expressão se somaram àquelas tradicionais das artes plásticas (desenho, pintura, gravura, escultura etc.). Hoje temos nesse campo também modalidades como Instalação, Performance Art, Videoarte, Fotografia Conceitual, Web-art e tantas outras. Como o termo “artes plásticas” não abrangia essas outras modalidades, em âmbito mundial o termo a ser empregado passou a ser Artes Visuais (Visual Arts) por críticos, curadores, jornalistas de cultura, teóricos, acadêmicos, galeristas , colecionadores e pelos próprios artistas. Essa terminologia não abrange apenas as linguagens da chamada arte contemporânea, mas também as tradicionais, citadas anteriormente. Antes, um xilogravurista era um artista plástico, hoje é um artista visual, simples assim.
- E em particular a você, quais são as características principais em seu trabalho? Que linha você segue e quem são os artistas visuais que influenciam sua obra?
T.d’B.: Basicamente, em termos de modalidades e suportes, produzo desenhos, pinturas, infogravuras, estampas, fotografias, poesia visual e instalações. Quanto às linguagens e conceitos, o ser-humano é sempre o centro dos trabalhos, cujo arco temático vai da sexualidade à espiritualidade. Procuro evitar influências em minha obra, no entanto muitos artistas foram importantes no sentido de escolher um caminho pessoal. Da turma das antigas cito Hieronymus Bosch e Giotto; as gravuras do holandês M. C. Escher e a geometria de Victor Wasarely; o grupo da Pop Art, em especial Roy Liechtenstein, o subversivo Basquiat e o original Keith Haring; mais recentemente tenho acompanhado Frank Stella, Jeff Koons e o alternativo e misterioso Banksy. Entre os brasileiros impossível não citar Cildo Meirelles, Vik Muniz e beatriz Milhazes, meus preferidos.
- Sendo um catarinense que adotou Alagoas, conte o porquê de você escolher Maceió, onde se dedicou mais ao campo das artes visuais?
T.d’B.: Na verdade prefiro sempre pensar que Maceió me adotou, pois me vejo como um catarinense de nascimento, alagoano de coração e cidadão do mundo por vocação. Depois de deambular por uns vinte países, decidi voltar ao Brasil, jogar tudo pro ar e escolher um canto tranquilo para me dedicar ao estudo e produção das artes visuais. Andei por todos os Estados do Nordeste, mas me encantei mesmo foi com as praias alagoanas e o jeito simpático dos maceioenses, onde logo fiz novos amigos, desses assim para a vida toda. O filósofo Taine dizia que somos ‘um produto do meio em que vivemos’ e nesse sentido eu queria que essa energia do Nordeste de alguma forma impregnasse um pouco meu trabalho e também minha visão de mundo.
- Quantas exposições você hoje carrega em seu currículo? E quais foram realizadas em Alagoas?
T.d’B.: Fiz minha primeira individual em 1.993, na cidade de Blumenau (SC), onde eu residia na época e de lá para cá venho realizando a média de uma por ano, se bem que isso se ampliou com as recentes mostras fotográficas. Mas se incluirmos as exposições coletivas, meus trabalhos já contabilizam participação em mais de setenta exposições. Em 2010 uma série foi selecionada para o FILE Festival Internacional de Arte Eletrônica, em São Paulo, e também tive recentemente algumas criações participando de duas mostras coletivas em Portugal e uma na Espanha. Em Maceió já expus obras em espaços como Misa, Teatro Deodoro, Pinacoteca da Ufal, Espaço Cultural Sebrae, CBTU Estação de Trens, Teatro Linda Mascarenhas, Esamc, Casa da Arte, Galeria do Senac, Sesc, Centro de Convenções, Instituto da Visão e também em diversos espaços e eventos de decoração, como o conceituado Arte NaCasa.
- E por parte dos poderes públicos, há um incentivo que estimule os artistas a desenvolver seus trabalhos?
T.d’B.: Diria que existem boas intenções por parte de alguns profissionais que atuam em instituições culturais do governo em Maceió, gente que batalha muito, mesmo sem recursos, para fazer as coisas acontecerem. No entanto o retrato da atual cena desse segmento está longe da maturidade dos procedimentos institucionais que se vê em outras capitais do Nordeste, como a vizinha Recife, por exemplo, que atualmente já faz parte de um circuito internacional, recebendo exposições de qualidade com nomes de alta voltagem. Na prática, seria significativo que houvesse uma política pública mais ampla para o desenvolvimento das artes visuais, com editais de estímulo à produção, circulação e catalogação da produção atual dos artistas alagoanos. Além disso, está provado e comprovado em outros Estados que as coisas avançam quando a classe, unida, cobra suas reivindicações, apresenta sugestões e critica a omissão de quem é pago com nosso dinheiro de contribuintes para, na esfera pública, fazer o segmento se desenvolver. E Alagoas merece sair melhor na foto das artes visuais do Brasil, até porque o que não falta por aqui é talento.
- Em sua militância cultural em Alagoas, quais as principais atividades que foram desenvolvidas?
T.d’B.: Sempre estive envolvido com alguma causa, em ações de voluntariado ou militância cultural. Acho difícil a gente mudar o mundo, mas dá pra fazer pequenas contribuições ao nosso redor mais imediato. Em Maceió fui gestor de Literatura do APL Cultura em Jaraguá; palestrei em instituições sociais, universidades, ONGs; fui coordenador técnico do Fórum de Artes Visuais de Alagoas; ministrei oficinas literárias e de desenho; participei ativamente do Colegiado Setorial de Artes Visuais do MinC/Funarte e nas Conferências Setoriais em Brasília, contribuindo para o Plano Nacional das Artes Visuais; ajudei a realizar diversas palestras, oficinas, cursos e montagem de exposições; apoiei a vinda de curadores profissionais para conhecerem as obras dos talentos locais, além de indicar artistas para mostras fora do território alagoano; no paralelo ainda realizei uma ou outra curadoria e editoria. A gente sempre acha que os resultados poderiam ser melhores, mas muitas dessas sementinhas já estão dando bons frutos.
- Para além das artes visuais, você é também escritor, fotógrafo, cordelista, editor, curador e viajante. Como você distingue cada arte e como se dá esta mistura de ritmo?
T.d’B.: Vejo tudo como uma mandala policromática, com vários caminhos de entrada, mas tudo converge para um mesmo centro. O que importa é a poética e a abordagem que se dá para um determinado tema, todo o restante é questão de como traduzimos a criação para os diversos suportes, formas e técnicas. Na literatura tenho também essa produção em Prosa (Contos, Crônicas e Artigos) e Poesia (Poemínimos, Ideogramas, Quadras, Sonetos, Haicais, Cordéis, Versos Livres, etc). Normalmente me ocupo com algum projeto específico e me concentro nele, então tem épocas que me dedico à criação literária, mas tem períodos em que me envolvo apenas com a parte visual. Quanto às viagens, é quando vou em busca de novas inspirações, mas em geral depois as mesmas se desdobram em ações literárias ou visuais, pois foi Ralph Waldo Emerson quem disse que “quando viajarmos para encontrar a beleza, devemos já levá-la conosco, ou não à encontraremos”.
- E publicações, quantas você tem e quais são os gêneros?
T.d’B.: Até o momento publiquei os livros de poemas “Olho Nu”, “Palavrório”, “ Letramorfose”, “ Olho Zen” e “A Flor da Pele”, todos esgotados e em fase de negociação com editoras para reedição. E em Maceió publiquei os cordéis “A Feira do Passarinho de Maceió”, “O Justo Destino do Pistoleiro Justino”, “O Matuto Que se Espantou com as Mulheres do Recife” “O Mistério de Blém-Blém e os Fantasmas de Jaraguá” e “O Papagaio”, este último, uma transcriação em cenário nordestino, a partir do poema mais lido no mundo, “O Corvo”, de Poe. Além disso, tenho textos diversos publicados em cerca de quarenta coletâneas e antologias Brasil afora, além de publicações regulares em jornais, revistas e uma bartelada de sites, blogs e afins. Até me assusto quando digito meu próprio nome num site de buscas. Estou ainda com dois livros inéditos, um de contos e outro de crônicas. E no paralelo de tudo, coordeno a itinerância de minha exposição de Poesia Visual, a “Convergências”, que já passou por PB, AL, SC, RJ, ES e PA. Outros dez Estados já confirmaram a realização da mostra, a idéia é que passe por todas as capitais brasileiras.
- E como viajante, essas experiências contribuíram para o seu trabalho como artista visual?
T.d’B.: Bem, eu nunca viajo como turista, de uma forma convencional, geralmente são viagens onde mesclo pesquisa com aventura, longas mochilagens, meditações deambulantes, descobrindo nuances de culturas diferentes da nossa, como a aventura pelos Andes, que durou uns três meses. Essas peregrinações culturais me abastecem de vivências e experiências, seja no diálogo com outros povos, na contemplação de paisagens inusitadas, nas diferenças culturais e políticas, ou mesmo no simples ato de estar em movimento, como dizia Che Guevara: “viajamos apenas por viajar”! Depois isso acaba se transformando em inúmeras fotografias, crônicas, desenhos, anotações intermináveis, contatos, pesquisas complementares, coleções de mapas, cartões-postais, tíquetes, correspondências com os novos contatos e por aí vai. Nesse sentido, creio que de alguma forma sempre há um pouco dessa influência na produção artística, seja após uma visita numa catedral européia, seja após uma visita em Piranhas-AL, com direito a atravessar o Velho Chico e ir até a gruta onde morreram Lampião e Maria Bonita. É como afirmou Henrietta Brown: “Quando viajas, o tempo toma uma dimensão diferente e cada momento se torna uma experiência irrepetível”.
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