Thereza Rocha de Jesus, Concedido à professora Elaine Cristina Marcelina Gomes
Dar aula pra mim é um prazer e a Educação de Jovens e Adultos é de fato a forma de crescimento pessoal mais edificante. Quando vejo um senhor ou senhora que ainda não conhece as letras, me causa uma revolta e ai comecei a pegar o relato dos alunos para tentar entender o processo de ensino aprendizagem. Um belo dia tinha que apresentar um trabalho e já sabia da história da Dona Thereza, propus que ela contasse a sua história em público e ela topou, foi quando começamos a treinar e a cada dia colhia seus depoimentos e no dia da apresentação foi lindo, ela contou sua história sentada em uma mesa de escola, a platéia toda olhando, todos se emocionaram e aqui tem um pouco da história desta mulher que é analfabeta e sobrevive de catar papelão e de uma doçura, de uma grandeza espiritual que terão a oportunidade de avaliar.
DEPOIMENTO: De Thereza Rocha de Jesus, Concedido à professora Elaine Cristina Marcelina Gomes, no dia 28 de agosto de 2007 na Escola Municipal Ronald de Carvalho, localizada na estrada Vitor dumas,nº1696,Santa Cruz,Rio de Janeiro. Com o objetivo de colaborar com o projeto "Daqui pra frente tudo vai ser diferente" que será realizado entre as escolas da 10ªCRE.
Nascimento: Estado do Rio de Janeiro, em Parati, mas eu pensava que era Paty do Alferes. Vim de lá com cinco anos,com meu pai e meus irmãos,minha mãe ficou para cuidar da outra irmã que ia ganhar neném.Cheguei de Maria fumaça na Leopoldina,quando desci do trem levei um susto com o apito do trem,fiquei doente meses e minha irmã Idalina me levava numa portuguesa chamada Conceição, ela me rezava e me enrolava nas folhas de bananeira,meu corpo encheu de bolha De água,naquele tempo diziam que era ventre virado,por causa do susto.Mandaram carta para minha mãe,quando minha mãe chegou,eu estava quase boa e minha irmã já tinha ganhado um menino.
Adaptamos-nos ao lugar, ficava em Bangu, na serra de Bangu, perto do Pico da Pedra Branca, meu pai era empregado do seu Manoel Januário, dono da roça. Vivíamos juntos, nos alimentávamos juntos, vivíamos na casa de sapê e eles na casa grande. Saiamos todos juntos para roça e cada um com sua ferramenta para roçar e capinar descia para almoçar e descansava um pouco e voltava para a roça até as 5horas. Sempre cantando pelo caminho, poucos estudavam, porque não tinha tempo e não tinha quase professor naquela época.O trabalho era de 2ª a sábado,sábado era até o meio dia,depois da janta dançava e cantarolava,quem cantava muito era minha irmã junto com eles, meu primo tocava sanfona.
Música: "a minha caninha verde já chegou de Portugal, vamos todos minha gente, festejar o carnaval...", depois vinha a embolada que cada um dizia um desafio,um cálice de pinga de vez em quando,pra quem bebia,eu corria léguas,nesta época eu tinha quase 6 anos de idade.Nesta época minha mãe ganhou minha irmã Clarice,num parto difícil,tinha a parteira e pediu que chamasse o médico,seu Januário saiu com 2 cavalos, um para ele e outro para o médico. O médico fez o parto, a minha mãe gritou, esse grito não saiu da minha cabeça, a menina estava atravessada, nasceu e viveu normal até 7 meses,com 7 meses ela caiu da tarimba,ficou desacordada.
TARIMBA (era feito de folha de bananeira e forrado com lençol de saco o ABC (pano da fábrica Bangu).Um certo dia, minha mãe foi cuidar dos porcos e me pediu para eu olhar a menina,que estava dormindo,e eu continuei na mesa rabiscando um papel,pois desde essa época queria aprender a ler,meu sobrinho apanhava para poder aprender,tinha uma senhora que explicava,tinha que pagar para ela ir,para mim ninguém nunca se interessou,ele descia e ficava escondido no mato,com a merenda e o caderno,até o pessoal passar de volta e eu cheia de tristeza por não achar aquilo para mim.Quando minha mãe voltou do chiqueiro,perguntou:
__ negrinha foi ver a pequena? Eu saí correndo,quando cheguei lá, ela já estava no chão desacordada, eu fiquei assustada e perdi a voz, abaixava e levantava e não conseguia fazer nada, minha mãe me viu calada, me bateu foi quando minha voz voltou, eu gritei: __ ao invés da senhora me bater, cuida dela primeiro,que eu não vou fugir! ela abaixou pegou a menina, deu palmada,colocou na água fria,ela custou a despertar, aí ela começou a bater um braço e uma perna,deu meningite por causa do tombo.O remorso tomou conta de mim,me senti culpada e até hoje tenho essa mágoa, quando me pedem qualquer coisa eu faço logo,mesmo que não possa,me sacrifico para fazer.Mas era uma vida alegre,na roça,depois mudamos para o guandu do sena,o roçado acabou fomos para outro,nunca tivemos nada nosso.Com 11 anos entrei na Escola Getúlio Vargas em Bangu,cantavam"a,e,i,o,u e soltava um palavrão","escola rural entra burro e sai animal".Jogavam bola de papel na escola,xingavam de negrinha,aí saí se fiquei 2 meses foi muito.Com 14 anos quis entrar na fábrica Bangu,disseram que eu tinha que aprender meu nome,depois que aprendi em menos de uma semana,voltei lá, eles disseram que eu tinha que saber ler e escrever,eu já tinha conhecido as máquinas,como sempre tudo pra mim era negado.
MOBRAL - Eu tinha 40 anos mais ou menos, comecei junto com a minha mãe e as outras colegas, o governo da época que fez o MOBRAL, estudava num centro espírita que tinha na Rua Boiobi, onde eu morava,aprendi muita coisa do que sei hoje,em menos de um ano tirei i diploma para ir para noite,era supletivo,só que não fui pela falta de compreensão do meu marido.Só retornei a estudar na Igreja Metodista Ortodoxa a mais ou menos 3 anos atrás com a professora Anice, por 1 ano e depois ela casou parei a 2 anos atrás na "Casa do Caminho"(centro espírita de Allan Kardec),voltei a estudar com a professora Andréia (uma vez por semana). Dia 15 de fevereiro deste ano me matriculei na Escola Ronald de Carvalho, no PEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos),adoro estudar na escola meus netos estudaram nessa escola. Esse tempo que estou na escola consigo ler cartazes na rua, já lê o nome dos produtos, só falta ler as receitas do médico. Eu espero conseguir tudo na vida, e já disse aos meus filhos que quero chegar até ao computador. Tudo que eu tenho na vida é meu sonho e minhas idéias,preciso sair do sonho,só aprendendo e lutando enquanto Deus permitir tenho muito a agradecer.
MENSAGEM FINAL
A professora perguntou quem gostaria de dar um depoimento para fazermos um trabalho importante, para todos os alunos. Eu respondi: eu gostaria sim de contar minha história, pois eu sempre falei para o meu marido, que um dia eu vou contar tudo o que passei na vida, dos meus 16 anos em diante, vai fazer dois anos que ele morreu. Estou me sentindo viva, nascendo de novo para a vida estudando, praticamente fazendo tudo que desejei a vida toda e tenho um sonho de um dia escrever um livro, para ajudar outras pessoas como eu.Nunca senti raiva dele e nem de ninguém e de nada,espero que ele esteja em bom lugar e possa me ver aqui hoje,pois hoje posso estar aqui dividindo essa história com vocês e tudo teve que partir de mim,da minha força de vontade. Agradeço: a Deus, aos meus filhos,aos meus netos,a professora Marli do Mobral,a professora Anice da Igreja Metodista,a professora Andréia da Casa do Caminho(centro espírita Allan Kardec), a professora Elaine pelas aulas e por ter me chamado para contar minha história e a todos os outro professores e coordenação da Escola Ronald de Carvalho por tudo e principalmente por estar aqui,obrigada.