Rosa Dias (In memorian) (Entrevista Concedida a Elaine cristina Marcelina Gomes)

ROSA DIAS (MULHER, MÃE, DONA DE CASA)

A entrevista concedida por Rosa Dias à Elaine Cristina Marcelina Gomes, gravada e transcrita. Em sua residência, Pavuna, no Rio de Janeiro, em 10 de outubro de 2008. Entrevista com D. Rosa Dias, sobre sua vida e sobre a criação dos filhos na Vila Cruzeiro, e sua atuação como mãe e como mulher.

DONA ROSA DIAS, COMO A SENHORA CRIOU OITO FILHOS NA VILA CRUZEIRO?

Eu criei meus filhos na Vila Cruzeiro, como eu fui criada pelos meus pais, hoje não se pode dar uma tapa num filho e não se pode bater, eu criei apanhando e trabalhando pelo meu pai e minha mãe, principalmente pela minha mãe, então essa foi a criação que eu tive e foi assim que eu criei, essa é a minha filha mais velha, quem mais sofre, porque ela que me ajudou criar os outros, que vinha , que vinha, que vinha, mas ela tinha que estudar e trabalhar, nunca abri mão, eu sou analfabeta, vim aprender com os meus filhos, depois de velha, eu sendo analfabeta nunca abrimos mão, nem eu e nem meu marido, do estudo, nunca, então ela foi a primeira e quem mais sofreu, uma garota doente, não tinha dinheiro e nem boa alimentação, mas ela tinha que trabalhar e estudar, trabalhar em casa pra me ajudar e assim foi vindo os outros, o abaixo dela, Mauricio, era um garoto que não gostava de sair na rua para fazer nada. Às três horas da manhã eu já estava sentada perto do meu esposo que era alfaiate, terminando serviço de mão para ele, porque hoje não temesse tipo de costura, mas todas as calças chuleadas, e era eu que fazia, mesmo com todo serviço e era ele que me ajudava, então ele ia pro tanque, lavava roupa, esfregava, torcia, porque ele não gostava de rua, então hoje o Mauro que era peralta, levado, mas extremamente trabalhador ele ia para rua comprar linha para o pai, porque naquela época a linha era tudo de cor, tudo certinho, era ele que ia à rua comprar, eu falava, vai Mauro para Rua o papai ta lhe mandando ou então vai para o tanque lavar roupa. Então foi assim meus filhos criados, tenho uma filha em Recife, que é professora, ela tem dois trabalhos, trabalha no Estado e no Município, essa que ficou doente lá, que é uma benção de Deus, tenho outra a Mirinha que não quis ouvir meus conselhos, estudou foi professora, fez um concurso e não passou, levantou o narizinho e falou “nunca mais faço concurso mãe, vou fazer cabelo”, não deu certo com cabelo , hoje o que ela é? É merendeira, todo mundo sabe o que é merendeira, trabalha num CIEP com 600 alunos, ela limpa 60 quilos de carne por dia, essa não quis me obedecer, eu disse minha filha, você foi criada como os outros e educada como os outros e faz da sua vida o que você quiser, ela não fala, mas eu sei que ela morre de arrependimento, professora primaria formada, fez o primeiro concurso não passou, desanimou, ela já caiu dentro do caldeirão no colégio, é a merendeira que o diretor mais adora, porque é de uma limpeza ao extremo, ela limpa todos os banheiros da escola com a mão, então o diretor fica maravilhado com ela. Minha filha os meus filhos criaram com a aminha ignorância, apanhando, quando em pequeno alimentando mal, porque meu marido era alfaiate ganhava pouco e ninguém fazia fé num negro, que costurava muito bem, mas as pessoas não davam valor, eles perguntavam o preço da roupa, ele dava e não faziam com ele, ia levar para loja que ele costurava, uma vez um senhor foi à minha casa para fazer uma roupa com ele, mas não aceitou dar a roupa pra ele, porque era negro, então o que acontece, ele pegou a roupa elevou para costureira ficou lá sentado e quando ele viu quem chegou com a roupa foi meu marido ele disse “uai, é ele que fez a minha roupa? O homem elogiou o meu marido e disse é o melhor alfaiateiro que eu tenho aqui, ele só coloca manga para o Getulio Vargas, porque o meu marido já costurou até pro Getulio Vargas, só que ele não aparecia, porque o negro era escondido lá nos fundos e só ficava no balcão os brancos. Tenho um filho, o Mauro que vendeu jornal, biscoito, sardinha, água e mandei fazer uma balança igual um burro e mandei colocar um pau nas costas, com uma lata de um lado e uma lata do outro e ele vendendo água no morro, para ajudar a comida em casa com a perninha fininha, mal alimentado, sopro no coração, ele tem por causa disso, tenho outro e mais ele e o mais velho foram pro SENAI, e o dia que foi pro SENAI, eu fui levar e o meu filho, mas velho era grandão, o Mauricio, e o homem disse “a senhora teve que vim para trazer esse rapaz”, meu filho até hoje não anda sozinho, anda comigo e foi para o SENAI. Tem o terceiro dos homens, o Marcos, chegou pro pai e falou “papai eu quero estudar, não quero ir pra SENAI nenhum, eu quero me formar”, ai o pai falou você vai porque os outros irmãos já estão lá e estão se formando e já estão trabalhando, os dois já estavam trabalhando, você vai! Ai o Marcos, chegou em casa chorando dizendo “mãe o pai quer me obrigar a ir pro SENAI, mas eu não quero, eu quero estudar”, eu falei pra ele você quer estudar mesmo, ele falou, eu quero, eu sai, nunca tinha trabalhado fora, porque a casa era cheia de filhos, sai na invernada de olaria e peguei cinco bloco para lavar, quando cheguei em casa, falei com o meu marido, meu filho não precisa trabalhar, ele vai estudar, porque ele falou pra mim que quer estudar, me garantiu e você quer obrigar ele a ir pro SENAI, pra ser mecânico, ele não quer ser mecânico, ele pode ser mecânico, mas de outro tipo. Fui pra olaria peguei cinco blocos e tinha uma filha já doente, porque eu tenho uma filha meio perturbada, ela até saiu pra mim agora, aminha caçula, ela tinha quatro anos e mamava, ela mamava no peito, todos mamaram no peito graças a Deus, então eu pegava às 7 horas da manhã, e sete horas já estava tudo pronto eu saia e ia pra invernada de olaria e chegava duas horas da tarde, para lavar roupa, tinha que lavar roupa e fazer comida para oito filhos, eu chegava e tinha um caco de sofá na sala, eu chegava e caia no sofá, ela pegava no meu peito e dizia “você agora sai pra passear e ainda carrega o meu mímico”, que era o peito e ela mamava ali até eu dormir um sono e descansar, levantava dali e ia trabalhar. Eu levantava às três horas da manhã, primeiro, porque ele não aceitava que eu fosse e deixasse o serviço dele, porque ele só costurava e eu que acabava tudo e agora, modéstia a parte, eu sei pegar uma calça e fazer tudo, hoje não, aquela época tinha que casear, fazer mosca (é um arremate que era uma mosca no canto da calça), chulea, pregar botão, era tudo comigo, então ele não permita, ela ama esse pai de amor e não posso falar mal dele, mas eu sei o que eu passei.

ENTÃO A SENHORA JÁ ERA UMA MULHER REVOLUCIONÁRIA NAQUELA ÉPOCA?

Então, esse Marcos disse, quero estudar, foi estudar, chegava ao fim do mês eu ia a casa, nem sei que loja era, comprava uma bolsa de compra e ele ficava em casa costurando e eu chegava a casa e botava a bolsa perto dele, porque também sempre fui muito geniosa, muito geniosa, tinha um gênio terrível, chegava perto dele e dizia, trouxe a bolsa de compra, que o meu filho tinha que botar dentro de casa e quem ta botando sou eu e sou assim até hoje. Eu botava a bolsa de compra lá e depois que ele estudava, o que acontecia, eu não agüentava o latão de lixo de cinco prédio, dei uma ordem, Marcos você quer estudar e Marcelo, vocês vão lá quando chegar do colégio, tirar o lixo pra mim, pois todos dois iam, ia Marcelo e Marcos, blusinha branquinha de saco ,mas clarinha, tadinhos pegavam o latão de lixo e puxavam pra calçada, quando vinha pra casa comer, então foi assim que eles foram criados no Morro do Cruzeiro, e o Marcos o meu Marcos estudou, foi pra escola técnica e se formou. Ele tem a carteira de Sargento, mas não recebe dinheiro, nem nada da Marinha, só se formou, como na Marinha. Então o que aconteceu com o meu primeiro filho no dia da formatura dele, eu não tinha um vestido, não tinha um chinelo, o Marcelo descobriu que era o dia da formatura dele, não sei como, o meu filho arrumou dinheiro e apanhou um fusca emprestado com alguém, ele dirigia e me levou, eu fiquei de longe, não pude ser madrinha. Chamou lá uma dona pra ser madrinha dele, fiquei olhando ele se formar, a coisa mais linda no meio dos outros, só ele negro, quando terminou tudo, ele me viu e falou “mamãe”, ai o Marcelo me pegou e botou no carro e hoje ta sendo uma benção pra mim e foi uma benção naquele tempo, só não dei valor ao meu filho. Meu filho se formou, tem o documento de sargento da Marinha, não quis e disse “não quero farda, vou fazer outra coisa, vou pra Escola Técnica”, meu filho se torno Engenheiro da Escola técnica, o Marcos, ai ele fez prova pra engenharia e você sabe, fez a prova tem que esperar, como acontece agora, o que ele me pediu “mamãe deixa eu ir na roça ver sua irmã”, eu não to sabendo de nada, porque ele sempre faz surpresa, eu disse, vai meu filho, eu disse, como? Ele “eu vou”, sabe o que ele estava fazendo, ele ia pra prefeitura escondido de mim, ia ajudar os rapazes da prefeitura e arrumou dinheiro e foi ver minha irmã. Um belo dia eu estava na porta, bate aquele senhor baixinho e branco, na favela, é aqui que mora o marcos dias, eu falei, é sim senhor, fiquei com um medo no coração de ser polícia, essas coisas, falei meu Deus! Ele falou “o seu filho, passou pra light, como engenheiro”, nunca me esqueço disso, porque eu não tenho religião, só acredito em deus, em mais nada, não fale em religião comigo, só Deus e mais nada, então o que eu fiz, abri a mão e falei meu Deus, manda o meu filho de onde ele estiver, eu na te conto nada, naquele dia ele não apareceu, quando foi de manhã cedo vem ele subindo o Morro, com uma trouxinha nas costas, com a bolsa, uma bolsinha que não tinha nada, falei meu filho vai depressa na light, o que foi mamãe? Deixa eu te contar, você passou, ele quase caiu de alegria, me abraçou e foi era a única vaga, ele que tirou a vaga, bendito, tem 28 anos que o meu filho recebe o pagamento dele, eu sou a primeira, não tem mulher, não tem filho, não tem nada, o primeiro dinheiro é meu, é pouquinho, hoje ele me da uma parte, é uma base do salário mínimo, até hoje eu tenho vergonha, porque ele morou com uma dona, teve dois filhos, não deu certo, ta vivendo com outra agora que tem um filho de 13 anos, lindo. Eu tenho tanta vergonha quando ele me da o dinheiro, agora dou 30 para a filha que ele tem com a outra esposa e dou 20 pro pequenininho dele, que esta com treze anos, mas é uma coisa enorme, esse é o Marcos, 28 anos se eu tivesse juntado o salário que o meu filho me dá, poderia ter um bom dinheiro hoje, mas eu não guardo, ajudo em casa, tudo aqui comigo, nunca comprei roupa, nunca fiz nada, apenas fiz uma coisa, paguei meu INPS, um salário mínimo, sou aposentada por causa desse filho, que me dava o dinheiro e eu pagava minha aposentadoria, é a história do Marcos Dias, ele fez 50 anos agora, fez uma festa muito linda, comprou um carro novo e ta fazendo uma casa e me fez outra surpresa, ta fazendo prova agora sem eu saber e morando aqui comigo, em cima da minha casa, fez uma prova e passou pra Petrobrás, largou a light de 28 anos e foi morar na casa de praia que ele tinha, ta aqui agora, não esta satisfeito, derrubou e esta na quitinete, até acabar a casa dele, essa é a história do Marcos e a história abençoada de todos eles. Eu não sei se é por falta de alimentação ou por doença, minha filha fez prova, mas não passa, a mais velha, a Dora, à tempos fez prova pra UNIRIO, porque não podia pagar escola particular para ela, faculdade, ela passou para a UNIRIO e se formou em Arquivista, foi Arquivista do Fundão 30 anos, agora aposentou, pena que teve um pouco de afobação, não esperou os aumentos do lula, aposentou com pouco dinheiro, mas ta dando pra ela viver, graças a Deus. Tem o Maurício que é formado, é psicólogo, já teve aqui comigo e foi pra Brasília, não gostava do Bombeiro, mas foi daqui pra Brasília, a mulher é Advogada, la ele teve um problema, ela conseguiu aposentar ele e hoje ele é psicólogo em Brasília, o meu mais velho. O Mauro é a coisa mais rica do mundo, porque nunca pode me dar um tostão, porque quando tinha 18 anos fez filho numa garota e eu o fizele casar, foi abençoado porque ele adora essa mulher, não da um passo sem ela a 30 anos, só anda junto com a mulher, a trinta anos que ele é casado, ele da a vida por ela, não sei se ela da por ele, mas eu acho que da, porque ela também não sai sem ele, ela também só passeia com ele, vai aonde ela vai e ela vai aonde ele vai, é o meu Mauro, o meu peão da casa, ele nunca tem uma coisa pra me dar no fim do ano, mas ele quando entra aqui ele fala, mamãe todo mundo te deu presente, eu vou te dar o seu presente, ele me da muito beijo e muito abraço e é a coisa que mais me conforta, quando ele chega aqui, o rei da casa é ele, até os outros tem ciúme dele, porque não adianta me da sapato, vestido e outro me da isso e me da aquilo, ele é o rei da casa, teve um problema ai muito sério, perdeu um filho, você não sabe o desgosto pra mim e pra ele, o filho querido que ele tinha, não sei se traiu ele ou não, mas ele morreu com um tiro na nuca, ele só não morreu, porque o Marcelo é esse que eu falo bem e mau dele, mas o Marcelo pagou um curso pra ele, ele foi e com cinco meses, ele tão inteligente, mandou o currículo, foi chamado e ta trabalhando aí numa firma, só que ele de um tempo pra cá, perdeu a saúde, por causa do filho, ficou diabético, tem pressão alta, esses dias tava com pneumonia, vai vencer, porque eu compro assapeche, eu compro saião, faço sumo, ele levanta e faz o sumo, eu sei que ele esta se tratando, este é o Mauro. O Marquinho, o terceiro e o Marcelo, essa coisa linda que este ai, todo mundo gosta dele, mas eu falo muito mal dele e o Mauro falam que eu não gosto dele, o Mauro é um puxa saco, uma lambição com esse irmão, tremenda, são compadres. Ele estudou graças a Deus, tem estudo, eu falo com ele, lindo quando tava lá como deputado, cabelo cortado bonitinho, bem vestido e agora anda mal arrumado, deixou o cabelo crescer depois de velho, sabe que eu não gosto, não é falta de roupa não, o meu filho tem roupa graças a Deus, eu pago a passadeira dele e ele paga meus óculos, agente troca e a roupa dele é muito bem passada, blusão do meu filho é bem passado, e ela passa roupa, ela não brinca não. Ela passa a roupa da Dora, eu pago pra passar os blusões do Mauro e do Marcelo. Eu não precisava fazer nada mais pra ele, olha que coisa linda, a filha dele, só em criar já tava bom, mas ela esta formada graças a Deus, pega o retrato Marcela, pra mostrar a ela. Tudo isso foi criado na favela do Cruzeiro, eu não tenho nada pra falar da favela do Cruzeiro, agora ta dando tiro ta matando, mas o meu filho de 50 anos, fez uma festa e convidou todos os amigos que ele tem do Cruzeiro e todos aproveitaram, veio dois que bebiam e como bebia, meu filho os tratou bem e tratei-os bem.

DONA ROSA DIAS, A SENHORA TEM CONSCIÊNCIA DA IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO QUE DEU PRO SEUS FILHOS, DE CRIAR CIDADÃOS DIGNOS PRA ESSA SOCIEDADE?

O que eu tive foi Deus, porque eu batia, o Marcelo eu botava uma bolsa do lado e um pedaço de tábua dentro e ia buscar ele no morro, eu fui uma mãe dessas, eu sei que eu não fui boa mãe pros meus filhos, acho que eu não fui boa mãe, porque hoje diz que mãe não deve bater em filho, não deve xingar filho, quando eu me aborreço xingo a mim mesma, eu não vou falar o que eu falo com eles, criar filho foi isso foi só a mão de Deus, porque em primeiro lugar pra mim é Deus, não tem religião, é Deus. Nunca fui espírita, nunca fui católica, nunca fui nada e não proíbo os meus filhos de serem nada, eles podem ser o que for, mas eu não sou eu sou Deus, Jesus é meu pastor e acreditava muito nas coisas antigas, eu pegava os negrinhos e levava no tempo e mostrava a lua, dizia lua, lua toma meus filhos e me ajuda a criar, se for pra criar negro descente fica comigo e se não for, pode matar e levar, meu pedido era esse, meu pedido pra filho era esse “lua, lua me ajuda a criar, se for pra me dar gosto fica comigo, agora pra ser marginal, pra ser nego safado, aqui no morro pode levar”. Quando meu filho perdeu a eleição, você não sabe eu dei graças a Deus, todo mundo chorava, e eu rezava dando graças a Deus, de medo que eu tinha de um dia, o meu filho roubar, fazer o que essa canalhada toda faz hoje, só não consegui tirar ele da política, porque ele se mete nisso ainda. Meu filho encostou a cabeça no meu peito, como coisa que quisesse mama, e eu baixinho dando graças a Deus e vendo ele sofrendo ali. Hoje ele esta me compensando largou um apartamento na Penha e esta comigo aqui, me carrega pro médico, todo canto que eu vou ele me carrega agora, só sinto porque ele bebe, mas graças a Deus, nunca entrou cambaleando nessa casa, porque eu já falei, o dia que ele entrar cambaleando nessa casa, minha filha ele sabe que leva uma surra de Correa, ele pode beber, entrar firme, fingindo, mas por baixo do óculos eu to vendo, que nego não ta bom, mas me respeita e nunca cambaleou perto de mim, nunca chegou embriagado, arrumou uma filha agora que é a benção de Deus, que é a Zarah, ela é levada, ela é terrível de levada, mas carinhosa com ele, então eu gostei dela, porque ela acarinha ele, um dia desses ele chegou morto de dor na coluna, você precisa ver que gracinha, ela é magrinha, a perninha fina, ela botou a mão na cintura dele, juntou ele com as duas mãos e falou “vamos meu paizinho lindo, vamos”, dizem que ela derruba a casa, quando a mãe fala dele, os parentes, a avó e tudo, ela briga com todo mundo, meu pai me da carinho, bom ela é muito carinhosa com ele a Zarah, que coisa linda com ele.

SER MULHER NEGRA SIGNIFICA O QUE PARA A SENHORA, DONA ROSA?

Mulher negra pra mim não faz diferença da branca, pra mim basta essa negra ter caráter, ter juízo, ter vergonha, ser boa, ser decente e ser não for indecente eu não tenho nada com a vida de ninguém, tanto faz a branca como a negra, todas pra mim são a mesma coisa. Pra mim o negro é a mesma coisa, não tenho inveja de mulher branca, nem rica, nenhuma, porque hoje eu vou falar o prato que eu comi porque eu quis, adoro pé de galinha e me ensinaram pra minhas juntas, comi pé de galinha porque eu quis me ensinaram que é bom pro meu joelho, por causa do colágeno, que tem, então comi porque quis e não porque preciso, porque os meus filhos, não me deixariam hoje comer pé de galinha, se fosse à outros tempos era por necessidade, hoje não.

DONA ROSA DIAS A SENHORA TEM UM RECADO PARA AS MULHERES FORTES E GUERREIRAS, COMO ELAS DEVEM ATUAR NA VIDA?

Minha filha o que eu posso dizer pra essas mulheres, é ter o que eu não tive, primeiro lugar estudo, fui analfabeta, posso dizer que não sou hoje, porque aprendi alguma coisa com meus filhos, porque eu escrevo meu nome, eu já leio o jornal, todo dia o Marcelo compra o jornal, lê e me da, então eu tenho esse filho que faz isso comigo. Eu aconselho as mulheres negras, não tem nada que dizer eu sou negra, quando você chegou, eu não te chamei de negona, negona porque estou me tratando com um negro africano, que é um senhor negro africano, Médico e muito bom, que botou minha filha em pé, que curou minha filha, ele veio lá da África com uma história muito triste, curado de um câncer, que outro negro fez ele tratar com ervas, outro negro curou o câncer dele, ele esta com 50 anos, conheço ele de vista, mas minha filha diz que é o negro mais lindo que ela já viu, na vida dela, lindo por dentro e por fora, o negro não tem que ter vergonha de nada, negro tem que ter uma coisa bastante vergonha, e estudar, estudar e estudar, não ficar o dia todo na porta do botequim bebendo, tanto faz homem ou mulher, como os brancos que faz isso também eu não aconselho, só a negra não, a mulher branca também, estudar, eu não estudei, mas só que nesta parte de criação de filho, não preciso ter inveja de ninguém, de ninguém.

SE A SENHORA TIVESSE UMA RECEITA, COMO UMA RECEITA DE BOLO, MAS DE SUCESSO, COMO SER MULHER E MÃE, QUAL SERIA?

A receita que eu tenho é uma coisa, não cria filho fazendo dengo demais, faz o que ele precisa, de carinho, de amor, porque hoje se bater vai presa, não pode bater, mas minha filha, não esquece, de vez enquanto apanhar o chinelo, quando fizer muita graça e dar uma chinelada na bunda, porque não faz mal a ninguém, pé de galinha não mata pinto, não deixe o seu filho fazer com você o que voe deve fazer com ele, muito carinho e muito beijo, só, mas na hora da mal criação, de limite, e não fica dando só coisa de marca, não, de vez enquanto compra uma blusa bem vagabunda e da a ele, estou falando assim porque estou com uma mãe aqui do meu lado, que agente adora aqui em casa, eu tenho uma filha que é apaixonada por essa mãe, porque hoje ela é mãe, então estou falando diretamente pra ela, não faça dengo demais minha filha, porque amanhã você esta chorando, porque tudo isso que você vê acontecendo ai com filho, a maior parte cabe as mães, dengo demais, luxo demais, só coisa de marca e amanhã ela ta recebendo marca na cara, é no coração. É o recado que eu tenho pra dar, porque foi isso que eu não tive outra educação e essa que eu dei aos meus filhos e hoje eles fazem o que quiser com os filhos deles, porque os filhos deles não são meus, agora os meus eu garanto, são homens, são gente e tem coração, porque ninguém sabe que coração esse Marcelo tem, ele não consegue botar pra fora e mostrar pros outros.

QUANTOS ANOS A SENHORA TÊM?

Em 25 de novembro, eu faço 80 anos, sou hipertensa, estou tomando 28 comprimidos por dia, estou fazendo fisioterapia, graças a Deus o meu filho que esta aqui paga pra mim, é meu crioulo.

OBRIGADA PELA ENTREVISTA, POR SE EMOCIONAR, CADA VEZ QUE A SENHORA FALA DA SUA CRIA.

Eu já passei muito perrengue, agradeço ao Hospital Getulio Vargas, que todo mundo mete o malho, mas o Getulio Vargas salvou minha filha, salvou o Marcos que teve problema de pulmão, salvou minha filha dos rins, mas por quantos anos atrás, Marcelo sofreu um acidente, e o Getulio Vargas salvou o meu filho, então no meio disso tudo na favela do Cruzeiro ainda tem o Hospital Getulio Vargas, que eu tenho que agradecer, vou falar o nome de um médico que não deve viver mais, o Doutor Geber ele olhava pros meus filhos e dizia o que eles tinham na hora, a quantos anos atrás , não sei mais de 50 anos, Doutor Geber se ele viver, se ele ler este livro, ele vai ver, Doutor Geber que salvou meu filho.

DONA ROSA DIAS QUAL A SUA PROFISSÃO?

Eu nunca tive profissão, minha profissão foi lavar banheiro para patroa, os prédios da invernada de olaria em barra e a minha casa, eu quando vim da roça pro Rio, trabalhei num sanatório no Méier, cuidando de maluco, cuidando de gente doente, umas irmãs, umas freiras, muito ruins pra mim, foi quando eu o conheci, eu trabalhava no sanatório no Méier e dormia em cima de um banco e comia mingau de maisena de noite, era a comida que as irmãs de caridade me davam, por esse motivo que me levou a não ter religião, porque as irmãs de caridade faziam isso comigo, as irmãs de caridade do Méier, se tiver alguma viva vai ler, eu dormia num banco, por isso eu aceitei ser amigada com ele, porque eu já tinha sido casada na roça, não dei sorte fiquei casada só três anos, um homem que amei que dei muito amor e não me deu valor, então separou de mim ficou tuberculoso e morreu. O Jessé apareceu na minha vida oferecendo a mão, eu aceitei e estou com ele a 60 anos e foi com esse homem que eu tive 12 filhos, porque com o outro, que eu amei, que eu adorava, não tive nada, então a minha história de vida é essa, eu tenho 60 anos com esse homem, velho, mas eu tenho que aturar, porque quando eu precisei foi ele que me deu a mão, apesar deu brigar e falo besteira a doidado, é coisa minha de gênio, estou com ele a 60 anos, não é mole uma mulher viver com um homem a 60 anos, é uma vida, ele não é meu marido é meu amigo e pronto.

Elaine Marcelina
Enviado por Elaine Marcelina em 15/11/2010
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