Mãe Beata de Iemanjá (entrevista concedida a Elaine Cristina Marcelina Gomes)
MÃE BEATA DE IEMANJÁ (YALORIXÁ)
Existe uma coisa que eu tenho muito orgulho, uma é de ser negra, ser mãe de quatro filhos e ter milhões de filhos ao qual eu sinto a mesma dor, no qual eu sinto o meu peito aleitar para amamentá-los, ao qual no momento eu sou amante, sou mãe, sou Advogada, sou Médica, sou conselheira, sou Psicóloga, eu sou tudo na vida e outro orgulho é ser nordestina e o poder não ter me sucumbido, o poder, a vaidade não ter corroído a minha identidade e a minha humildade e não ter feito de Beatriz Moreira Costa e mãe Beata de Iemanjá e ter obrigado ela a tirar o pé do chão e não perder sua essência de negra e de mulher.
Cada palavra que dou com minha porta aberta, eu sei que me fortaleço. Eu sou semi-analfabeta, eu mesma me alfabetizei, eu mesma fiz todas as universidades do mundo, eu fiz todos os concursos e todas as escolas do mundo, de todas as ONG’s, eu mesmo fiz com o meu caminho, então eu não posso ter medo e eu digo se eu morrer por ser intrépida, por ser ousada, eu só quero que diga assim, a ultima coisa quando botarem o ultimo torrão de terra, digam estou botando o ultimo torrão de terra na Luter King Mulher. Existe uma coisa dentro de nós que sufoca tudo, é o livre arbítrio, você dizer assim eu sou, eu quero, às vezes as pessoas falam assim, Mãe Beata a senhora ta numa mesa não sei aonde e a senhora vai ter que falar isso assim, assim, assim, eu digo, eu vou ter que falar sobre isso, eu pego um papel e coloco na mesa e como foi na Petrobrás, pediram para eu falar de igualdade, eu vou começar logo atacando o poder, no Brasil se fala em igualdade? Os senhores no momento, a Petrobrás esta querendo construir uma verdadeira igualdade, qual a igualdade? Igualdade do asfalto com a igualdade do morro e da favela, se um dos senhores me disser o sinônimo de uma dessas três palavras, eu falarei em igualdade, e aí meti o pau. Igualdade de um ladrão e uma mulher que roubou uma margarina, porque estava com os filhos passando fome, que eu defendi, é uma coisa que eu digo em tudo quanto é País, porque eu boto mesmo pra quebrar, essa mulher porque estava com os quatro filhos com fome, passou num botequim e pegou, entenda eu não estou fazendo apologia ao crime, eu estou falando da desigualdade e da falta de respeito, está mulher negra e pobre, moradora de um bairro da periferia, esta mulher foi presa, levou um mês e 26 dias no xadrez, apanhou e foi estuprada, saiu e pegou quatro anos em semi-aberta, eu lhe pergunto e o homem que roubou as pedras preciosas e levou para fora do País, será que não é ladrão, quem é mais ladrão? Será que eu posso o chamar de ladrão, eu posso, Delfim Neto, Collor e outros ladrões da cueca, os ladrões da maleta, já não bastam o que eles tem no meio das pernas, roubam o dinheiro o INSS, esses são os verdadeiros ladrões, será que esta mulher ouve igualdade para ela?
Eu uma mulher negra semi-analfabeta, será porque que a minha fala é ouvida, eu não tenho medo de morrer, aonde tiver três negros reunidos para discutir os seus direitos, eu estarei lá, pé no chão, com fome, cabelo desgrenhado ou com pano na cabeça, com minhas contas, não deixo a minha identidade, pode ver meus braços, não devo nada a ninguém, se me convidar para um casamento, se eu quiser ir assim eu vou, não mandei me convidar, me convidaram porque quis e porque eu vou negar a minha identidade, se isso me faz bem, eu por meu pano na cabeça, eu com meu cabelo trançado, sou muito vaidosa, com minhas unhas feitas, se eu quiser chegar lá de pé no chão eu vou é a minha identidade, é o meu chão brasileiro, será que eles vão construir esta igualdade, com direito de ir e vir, a minha religião, o meu povo.
A minha filha trabalha no DEGASE, na Ilha do Governador, com mulheres, com adolescentes, vive em área de risco toda hora, tem mais negros, eu tenho uma lista enorme, só tem mais meninas negras, será que as brancas e as mulatas, como eles dizem não praticam crimes? Não são bandidas? A honra que eu mais tenho na vida é quando me chamam de negra, negro é identidade, é raiz, negro é liberdade, negro é saber, negro é consciência, negro é você enxergar com mais de dois olhos, negro é você fazer sua voz chegar, onde você quer, negro é você sentir o perfume que você quer. Eu não preciso que ninguém me construa, eu sou eu, Beata de Iemanjá, Yalorixa do Yme Io Lujaro, que não deixo a baixada fluminense por nada, não deixo a Rua Francisco, porque aqui eu acabei de criar meus filhos.
Uma frase que a senhora disse no lançamento do 1º Censo de Terreiros de Umbanda e Candomblé da Cidade Nova Iguaçu, que me trouxe até aqui, “Quem não conhece sua raiz, não chega ao topo”
Não chega ao topo, porque se você não conhece, se a árvore esta segura, você não vai subir nela, se não você pode cair, tem que saber examinar a raiz, se ela ta bem fincada, a construção de uma casa boa tem que começar pelo alicerce e é isso que nós negros temos que fazer e não esperar que ninguém venha construir não, porque ninguém vai construir pra gente, só nós que temos essa força e se eles puderem botar o pé na frente, pra quando você subir cair.
Que força rege Mãe Beata de Iemanjá?
A força dos orixás.
Suas palavras podem retirar as amarras de muitas mulheres, principalmente às negras e aquelas como eu que ainda não descobriram sua ancestralidade.
Por você ser católica, não te impede de lutar, até é uma maneira de a gente abocanhar eles e deixar eles de pés e mãos quebradas, eu também fui batizada, fui crismada, fiz 1ª comunhão, com dois anos fui colocada num colégio de freiras chamado Azilo, começa por ai, Azilo foi onde eu aprendi as primeiras coisas, o resto do meu aprendizado de leitura, eu aprendi em papel. Esse é meu filho Adailton, é minha riqueza, um pedaço de mim ele esta fazendo Sociologia.
Há pouco tempo um Senador me perguntou, falando sobre identidade, ai eu disse o meu nome é Beatriz pereira Costa, e o outro? Eu disse Mãe Beata de Iemanjá, porque depois que eu fui iniciada e que recebi o cargo de Yalorixa, começaram todo mundo nos meios sociais, onde trabalho na minha luta, falando Mãe Beata, Mãe Beata, não parou mais, no exterior, na Kombi ou na van, a pessoa pergunta vai aonde? Na casa de Mãe Nitinha ou de Mãe Beata, ai me perguntou à senhora deve algo a Nação brasileira, eu a Nação brasileira é que me deve, deve sim Mãe Beata a senhora recebeu um título de Comendadora, e a senhora tem o direito de assinar, eu olhei assim pra ele, eu posso te chamar de meu filho? O maior título que eu tenho é de ser negra, não tem Comendadora que abafe, se eu botar Comendadora Beatriz Moreira Costa, ninguém sabe, mas se eu botar lá Mãe Beata de Iemanjá, no inferno sabe, no mês passado o Marlon, foi para um Congresso não sei onde, num Estado desse ai e lá o Caboclo de um homem, disse que o caboclo dançou, dançou, dançou, tirou a conta do pescoço e jogou no pescoço de Marlon, ele disse que ficou tão contente, porque estava com aquela conta, mas ele disse assim não é sua não, é daquela mulher, nossa mãe, nossa amiga que luta pra gente, Mãe Beata de Iemanjá, me pergunte quem é que eu não sei, estou esperando Marlon, ele logo tirou a conta, entregou na CRIOULA, já me entregaram a conta e eu não sei quem esse caboclo, não sei em que Estado foi e a conta tai, será que a Comendadora beatriz Pereira Costa o caboclo ia reconhecer? A minha identidade é Mãe Beata de Iemanjá.
A senhora sabe da transformação que Mãe Beata de Iemanjá, causa nas pessoas?
Exatamente, tem mil e umas transformações, o ego, às vezes a pessoa pelo ego de seguir aquele título de Comendadora, eu podia achar que o sistema ia me dar mais, a mídia porque eu sou uma Yalorixa, uma negra Nordestina, mãe de 4 filhos, que foi empregada doméstica, fui cozinheira, fui lavadeira, costureira, manicura, cabeleireira, sou pintora, sei levantar uma casa, sei fazer casa de pau a pique, sei maloca fumo, eu sei lutar, plantar mandioca, eu sei cortar fumo, eu sei fazer farinha de mandioca, eu sei fazer azeite de dendê e da minha cultura tudo que é essencial, graças a Olorum, a Iemanjá e a Exu, aquele que nos leva de encontro a tudo, me deu esse direito, o 1º Título Berta Lux, no dia Internacional da mulher do ano passado, quase que me matam, com o que arrumaram lá em Brasília, com a Ministra Nicéia, com o Presidente, tinha mulheres de tudo quanto foi parte do mundo, mandaram me buscar, porque eu tinha que esta no dia 7 lá em Brasília, eu disse assim meu deus do Céu, como que eu vou pra Brasília? A Crioula, Mãe Beata a passagem já chegou, amanhã de manhã a senhora tem que viajar para Brasília, daqui a pouco a Ekedi liga, Mãe Beata a senhora tem que pegar o avião de seis horas, isso era quase quatro horas, menina eu só tive tempo de entrar no banheiro, tomar um banho vestir um vestido, chamei um rapaz aqui, foi Deus que eu cheguei lá, porque essa menina que trabalha comigo, ela é muito competente, ela tinha colocado uns vestidos melhor, enrolou pegou minhas coisas colocaram dentro de uma necessier e eu fui pra Brasília e quando cheguei lá tinha mulher de toda parte do mundo, cheguei ao salão nobre do Palácio, muitas mulheres, que nunca vi, mulher negra, mulher loira, mulher Albina, mulher deficiente, mulher doutora, mulher Senadora, estou lá no meio daquele aparato todo, vieram me receber, a Regina Dame, os organizadores do evento com aquela coisa comigo, porque Mãe Beata, me pegaram, ai eu fiquei lá, disseram a senhora tem que ficar aqui na frente, fiquei observando aquela coisa toda, ai veio a Dilma Russef, começou a falar comigo, depois Nicéia, a Ministra começou a falar também, eu estou vendo tudo focalizado em cima de mim , eu como negra, bom será que é porque eu estou no meio de tanta mulher branca, mas fiquei lá calada, daqui a pouco chegou o Presidente, ele começou a falar e todo mundo olhando pro meu lado, daí um pouco veio um a cantora negra cantar, uma menina linda todos tirando fotos para todos os lados, quando terminou todas as falas, Nicéia se levanta e diz assim “Hoje é dia Internacional da mulher e essa mulher representa todas as mães, todas as mulheres do universo brasileiro, nada no mundo, essa mulher já tem vários títulos” Eu estava assim sentada e o Ministro Temporão ao meu lado, e eu calada, continuou a Ministra “e esta mulher, eu sei da coisa que essa mulher mais ama, eu sei por experiência própria, é flores, principalmente rosas, esta mulher vai receber o prêmio maior dela neste momento, é palmas e o seu nome gritado bem alto e cinco rosas que representa a mulher” Eu comigo, eu gosto de rosas, Nicéia sabe disso, cinco na visão Yoruba quer dizer ..., representa a mulher, representa a arte, representa a fertilidade, representa a beleza a candura, a sagacidade da mulher, eu calada pensando, as madames assim junto de mim e eu pensando, será que esse negócio é comigo, e só tão olhando pra mim, ai ela voltou com um arranjo com cinco rosas chá enorme, a coisa mais linda do mundo e esta mulher vai ser homenageada por todas as mulheres e o presidente Lula, quando eu vi gritar, Mãe Beata de Iemanjá, eu tremi e eu já participei do 1º almoço, que ele veio aqui na Lapa para 400 talheres e ele fez questão de eu ser uma das convidadas de honra dele, ele veio aqui na baixada, ele vinha aqui pra casa, ai houve ai um negócio, levaram ele para a casa de Nitinha, mas eu fui lá em São José dos Campos, em Santo Amaro, já tive em vários lugares com ele, já falamos, mas eu nunca, meu maior sonho era ele me dá um beijo, eu não sei quem disse a ele isso, ai quando eu ouvi Mãe Beata de Iemanjá, minha filha eu procurei minhas pernas, e eu não achei, eu estava com a bolsa e a bolsa caiu no chão, vieram aquelas mulheres todas em cima de mim e ai ele me levantou veio de lá, me entregaram as rosas e ele disse assim “olha, nós já nos conhecemos demais, eu já lhe entreguei moção, mas tem uma coisa que me contaram, que a senhora disse que sempre esperaria toda vida isso, era eu lhe dar um beijo, a senhora não vai receber um só não, a senhora vai receber milhões de beijos”, mas ele me beijou tanto que eu não sabia se sorria ou se chorava, foi o maior prêmio que eu já recebi na minha vida, eu tenho uma coisa comigo, eu sou muito fiel, eu sou Império Serrano, se a bandeira do Império tiver, por exemplo com umas mulheres reunidas e a bandeira tiver suja, tiver rasgada, não importa eu sou Império, eu sou Fluminense, que ganhe, que perde, aconteça o que for eu sou Fluminense e eu sou PT, nunca no mundo eu vou deixar de ser PT e ser MNU e esta lá o quadro de 25 anos do MNU, eu tenho uma filha de santo que esta em Brasília a Maria, ela ia se mudar e não queria levar as coisas dela, ela disse “Mãe Beata como eu sei que a senhora é fanática pelo MNU, eu tenho um presente pra senhora, ai me trouxe aquele quadro que esta lá, eu nem sei se outras pessoas tem aquele quadro de 25 anos do MNU. O MNU foi fundado em 78, eu me filiei depois em 90 eu acho, que foi antes da ECO, a ECO foi em 92, eu acho que foi 14 de Setembro, eu me lembro, era Raimundo Santa Rosa, era Pedrina, se lembra da Pedrina que era do IPCN, ela tinha ido embora pra Manaus, grandes mulheres, Lélia Gonzáles. A Lélia Gonzáles quando eu morava em Copacabana, na Barata Ribeiro, 270, eu freqüentava muito aquela Escola de Samba, na Ladeira dos tabajaras, a Vila Rica, ai conheci Lélia lá um dia, ela Elsa Soares, aquela turma, eu ainda não estava muito engajada com esse negócio de movimento, ai passou, e uma vez eu fui convidada, não sei onde era que eu estava, lembrei no Renascença e lá estava Lélia e ela se lembrou de mim, nós começamos a bater papo, ela disse assim “Baiana você é tão danada, porque que não se inscreve também no MNU. Eu fui a um tributo a ela, estava a Rute Cardoso, Ângela Davis, uma grande feminista, ela foi me ver lá, no tributo eu fiz um poema pra ela, grande mulher são mulheres que eu tenho admiração. Graças a Olorum que eu estou recebendo alguma coisa enquanto estou viva, Clementina de Jesus, são mulheres que não poderiam ser esquecidas, Jovelina Pérola Negra, minha grande amiga, dias antes de morrer veio aqui em casa, sambou pra mim ai no barracão.
Diga uma frase para todas essas mulheres negras, fortes e valentes.
Para mim não existe nem o ontem nem o hoje, pra mim existe o eterno e eu sou eternidade.