Maria Aparecida (Entrevista concedida a Elaine Cristina marcelina Gomes)

MARIA APARECIDA (PT/RJ)

DONA APARECIDA QUANTOS ANOS A SENHORA TEM?

Setenta e oito anos.

COMO INICIOU SUA VIDA POLÍTICA?

Minha vida política na realidade se iniciou através igreja católica, com um grupo que se chamava e se chama Pastoral do Trabalhador, na Igreja Católica de São José Operário, em Realengo, refletindo em cima do evangelho e a necessidade de avançar e refletindo como Jesus viveu, só dentro de um lugar e orando, mas viveu durante sua passagem aqui na terra, foi percebendo tudo, foi o maior político, aliás pra mim, Jesus Cristo foi o maior político, é o meu guru naturalmente como político, aí eu percebi que não seria só rezar, que não seria só simplesmente, há meu Deus e pedir, não, eu estou aqui no mundo para ação, ele me colocou no mundo com inteligência, com coração, com sentimento. Foi a partir daí que fundamos a pastoral do Trabalhador, isso foi em setenta e poucos, eu estava com 33 anos, na Pastoral do Trabalhador começamos a discutir as questões do trabalhador, da opressão em que vivia os trabalhadores e no nosso grupo, tinha um trabalhador que vou citar aqui o nome dele, que não posso esquecer nunca, chamava-se Mercedes, que sofria toda a opressão do patrão e aos domingos quando nos encontrávamos, nós éramos a força pra ele e nós dizíamos não desista, porque naquela época eles gostavam de demitir e se a pessoa pedisse suas contas era melhor e agente, não, não peça, porque é isso que ele quer, dali nós fomos pegando livros e estudando e convidando pessoas então começou na realidade na pastoral do trabalhador este despertar da minha vida pro mundo político, não estou falando político partidário, estou falando pra vida e pro mundo político.

E NA CONSTRUÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, COMO NASCEU ISSO, COMO FOI NO RIO DE JANEIRO, ESSA NECESSIDADE DE SE ORGANIZAR UM PARTIDO DE ESQUERDA, NAQUELE MOMENTO, NESSE PAÍS, COMO FOI ISSO?

Justamente naquele momento em que nós começávamos a discutir, aconteceu a greve em São Paulo, onde os trabalhadores ficavam dentro da igreja, e nós daqui, vendi muitos bônus para o sustento daqueles trabalhadores e para agüentarem aquele momento, primeiro momento político forte em que eu vivi com total consciência, não só eu um grupo de pessoas, inclusive este grupo da Pastoral do Trabalhador da Igreja São José Operário, nós vendíamos bônus para sustentar a greve durante aquele período, que foi dali que nós viemos a ter conhecimento da figura de Luis Inácio Lula da Silva, que é o nosso atual Presidente e foi aí que começou nossa luta, daí surgiu à história de Lula lá em São Paulo, e nós no Rio começávamos a nos reunir, minha vida foi com Carlos, com Paulo e com Antônio, porque nós nos reuníamos na casa dele e depois na minha casa para discutirmos este Partido dos Trabalhadores, que já estava essa discussão forte lá em São Paulo, e nós tínhamos que filiar pessoas para que esse Partido existisse e nós andávamos de casa em casa filiando pessoas, onde nós nos reuníamos muito era nas Igrejas, a Igreja São Lourenço, a Igreja São José Operário, uma outra Igreja, enfim as Igrejas católicas, eu tenho que dizer sempre que a minha consciência política veio da Igreja.

NAQUELE PERÍODO ERA MUITO FORTE A ATUAÇÃO DA IGREJA E DO MOVIMENTO DE BAIRROS?

Naturalmente. Então foi dali que veio o que não morreu até hoje, eu fui uma das pessoas que filiei as pessoas, para que esse Partido fosse fundado e criado, dali então veio a primeira campanha que foi com Benedita da silva, Adilson Pires e foi nessas pessoas que nós votamos naquela época, nós nos reuníamos nas casas, eu morava em Realengo e eu me reunia nas casas das pessoas, pedia pras pessoas se reunir e discutir política e Partido e a diferença que até então nós, é meu sogro era de outro Partido que naquele momento era forte, mas ele não discutia a fundação desse Partido e nós começamos a discutir, a diferença do Partido dos Trabalhadores e como ele fora fundado e daí nós íamos muito a São Paulo, até então o Partido era só dos Trabalhadores e nós naquele momento, não considerávamos que Médico era trabalhador e que Engenheiro era um trabalhador e que Advogado e era uma briga forte, até que nós fomos amadurecendo e entendendo que todos são trabalhadores e que devíamos trazer essas pessoas para a discussão e para discutir dentro do Partido neste momento.

Em que cenário surge a organização das mulheres, o fortalecimento da luta das mulheres, como a senhora viveu isso, a senhora que veio de uma militância da Igreja e como mãe, como conseguiu conciliar tudo isso?

Nesta ocasião eu trabalhava como empregada doméstica, eu e a Nazi de Oliveira, a Zica e nós começamos a perceber que vindo do trabalho na Igreja, de politização na Igreja e no nosso bairro tinham muitas mulheres que trabalhavam em casa de família, e tinha aquela história de que empregada doméstica não recebia salário, não tinha direito a nada, e nós começamos a pensar, ué! O que é isso? Nós trabalhamos, nós cumprimos a carga horária, que eles querem até além, essa coisa toda e nós não temos direito e começamos a reunir empregadas domésticas pra discutir, no primeiro momento nós discutíamos a opressão da patroa e a comida que não vinha e dali foi crescendo a nossa consciência para discutir a questão maior, que era a questão trabalhista e daí começamos a ver e descobrir que existia uma associação de empregadas domésticas e daí procuramos a Odete Conceição, que naquela época era Presidente das em pregadas domésticas, e fomos, daqui a pouco nós já estávamos nós Sindicatos das empregadas domésticas e nós começamos a viajar em todo o Brasil, para as associações de empregadas domésticas que foram se formando e algumas já estavam formadas, e começamos a trabalhar as mulheres, porque o grupo maior de mulheres, chegamos ir a Recife, posso dizer tranquilamente que dependeu de mim como pessoa, porque estava no grupo, não eu, eu Aparecida, também contribui para que existisse o salário mínimo para empregadas domésticas, para que existisse as férias para empregadas domésticas isso foram vários seminários e o ultimo fora em Recife, onde batemos o martelo e entregamos naquele momento a Benedita da Silva, para que levasse a Brasília, estivemos em Brasília com o falecido Ulisses Guimarães, para que a empregada doméstica tivesse todos os direitos, que os outro trabalhadores tinham, teria que ser assim, até hoje por uma luta nossa, e começamos a perceber que não era só a empregada doméstica, que tinham as outras mulheres que não trabalhavam, mas que também sofriam opressão e viemos a descobrir que nossa maioria de oprimidas eram negras, e a coisa foi se ampliando de uma forma que nós começamos a discutir a questão racial, que nós começamos a discutir a questão de gênero e que até hoje discutimos a questão de gênero, a questão da violência contra a mulher, a questão do trabalho, a questão da geração de renda, enfim começamos a trabalhar tudo isso.

Nesta sociedade eu acho que a mulher avançou mais que o homem, pode ser o meu espírito feminino que tenha essa visão, porque nós mulheres não paramos de discutir as nossas questões e os homens ficaram um pouco parados lá no tempo, com a sua superioridade, que naturalmente é histórica, mas nós mulheres, eu acho que na política, embora ainda sejamos minoria na política, no parlamentarismo, mas somos a grande força política, se você for ao Partido dos Trabalhadores, nos núcleos, nos encontros, a mulher estão discutindo, haja vista, que já temos a Nicéia, que esta nos representando lá de uma forma brilhante. Quando eu estava na associação de empregadas domésticas, quando eu entrei era associação e depois tornou-se um Sindicato, naquela ocasião nós éramos convidadas para fazer palestra na UERJ, na PUC e em vários lugares e você imagina que naquela época, eu trabalhava como empregada doméstica, eu tinha cinco filhos, como tenho até hoje, só que naquela época eram menores, eu tinha um marido e eu cumpria todas essas tarefas, como até hoje eu cumpro, hoje eu sou dona de casa, meus filhos já estão criados, estou com uma filha agora operada, mas eu trabalho no Centro de Formação Profissional Padre Rafael, como voluntária, verdadeiramente, eu assumo a Igreja também, eu assumo a comunidade, estamos trabalhando aqui um Projeto de desenvolvimento local, você vê como agente consegue se dividir como mulher e tendo consciência da nossa responsabilidade na formação deste mundo, eu posso te dizer que nós já somos vitoriosos, após eleger, aquele trabalhador, aquele cara, aquele operário, isso você não pode esquecer, isso nunca, isto tem que estar em todos os lugares, após eleger aquele homem que diziam que era incompetente e que hoje nós vemos a transformação da América Latina, tem que se perceber e nós sabemos o respeito que se tem esse homem, o respeito que tem o Brasil lá fora e nós mulheres somos responsáveis por isso tudo. Aqui nós temos o núcleo que se chama Núcleo PT Campinho, onde nós discutimos as questões, onde nós fazemos análise de conjuntura do Brasil, dos Estados, como estamos e também fazer reivindicações, porque não basta só ter consciência e falar, há necessidade das ações e nós somos um grupo em ação, nós calçamos esse conjunto todo e por um grupo de mulheres que entrou para a associação de moradores, conseguimos o calçamento desse conjunto que não era calçado, nós conseguimos formar o grupo de mulheres trabalhadoras e hoje em dia nós temos um Centro Comunitário de Formação Profissional e nós devemos tudo isso a um grupo grande de mulheres, que após essa consciência sabe que tem que estar em ação, eu acho que isso tudo é maravilhoso e é uma vitória grande. Nós temos um candidato e que naturalmente eu não vou colocar o nome e nós estamos trabalhando a campanha dele, que na eleição passada ele fora bem votado e nessa agora nós queremos coloca-lo, que fora referendado, fomos nós que o colocamos como candidato e você imagina em que partido, nós de uma comunidade poderíamos referendar um candidato, uma comunidade pobre, trabalhadora e tudo, poderia referendar, os candidatos já vinham referendado pra gente e nós tínhamos que votar naquelas pessoas. Hoje em dia existe este Partido dos trabalhadores que não é dessa forma, qualquer núcleo pode referendar o seu candidato e isso é uma grande transformação para o mundo dos trabalhadores, você chegar na Assembléia Legislativa, você chegar na Câmara dos Vereadores, você vê uma negrada entrando lá que nunca se imaginou isso, aquele espaço não era pra nós, ele não foi construído pra nós, isto é uma grande vitória, que tem que se falar sempre e daqui não da pra retroceder, então isso é vitória, eu fico muito triste quando algumas pessoas ficam falando, mas o Brasil ta assim, e não percebe esse grande avanço que esta acontecendo neste momento.

A militância política, qual receita a senhora daria para a mulher que tem receio, é temerosa e como nasce essa vontade ser militante?

Após o partido dos trabalhadores tem um outro sentido, porque tem uma paixão, tem que ter paixão por transformação, o perigo nosso é aquele egoísmo de pensar assim, por exemplo, agora estamos na eleição e dizer eu vou votar no fulano, porque ele fez isso para o meu filho, esse é uma grande ilusão, porque eu tenho que votar em alguém que vá transformar minimamente o ambiente, se você não tem uma visão de política Nacional ou internacional, minimamente eu tenho que votar em alguém que mude o ambiente em que estamos vivendo, porque se melhorar esta região, consequentemente eu estou dentro dela e vai melhorar, se melhorar o Brasil, consequentemente quando o Brasil melhorar, você vai no mercado e não vai ver a miséria que se via antigamente, que as pessoas compravam um pedacinho de carne e devolviam, porque não podiam pagar, então isso é bom pra mim, porque eu também vou comprar o meu pedacinho de carne, então pra que você seja uma militante política, você tem que pensar, que se o Brasil melhorar, vai melhorar pra mim, agora se simplesmente porque o meu filho foi empregado eu votar naquele cara ou simplesmente votar naquele cara que é Médico, porque eu fiz exame na Clínica dele, eu vou votar num cara que quando for lá para o parlamento, ele não vai querer que o Hospital Público e nem os Postos de Saúde funcionem, porque eu vou estar todo ano alimentando a eleição deste camarada que não estará contribuindo com o serviço público, com a educação, se eu for votar em um professor, eu tenho que tomar cuidado, ele é professor de uma escola particular, ele é diretor de uma escola particular, vamos tomar cuidado, com uma visão bem clara, porque ele nunca vai batalhar pela escola pública, um Médico que tem clínica, ele nunca vai batalhar pelo serviço público e todos os anos ele vem na nossa comunidade e chega aqui para levar o voto, porque fez o exame do teu filho, na tua família dez pessoas vão votar pelo exame do teu filho, mas tu não vai perceber que você não vai precisar, só daquele exame, tu vai precisar de muitos outros, de tratamento diário e que o serviço público, não vai estar bom, porque você é responsável por isso, porque votou naquele cara simplesmente, por causa do seu filho, mas eu não tenho um filho só, eu tenho uma família, tenho parentes, tenho vizinhos, porque eu tenho tudo isto é que o serviço público precisa funcionar, desta forma que nos atenda. Pra que você se apaixone pela política, para ser militante, há necessidade deste papo, desta conversa, nós mulheres, trabalhamos muito esta questão, vamos nos reunir, vamos conversar, dificilmente a nossa conversa não rola por ai, começa apensar nestas coisas, nós fazemos aqui formação política, mas a nossa formação política, nossas reuniões são para discutir essas coisas que são claras, antigamente por exemplo, o Delfim Neto falava da política monetária, num linguajar que você não entendia porcaria nenhuma, hoje em dia você fala da política monetária de uma forma simples que agente possa entender, nós aqui convidamos uma pessoa para nos explicar o sentido da “bolsa”, agente ouve, a bolsa caiu, a bolsa subiu e pensa que diacho de bolsa é essa e veio uma pessoa aqui para nos explicar este mundo, como é que ele funciona e nós estamos interessados nisso, para entender que sentido faz aqueles homens todos enlouquecidos ali, o dólar cai, o dólar sobe e saber que importância tem na economia do País, e nós temos que estar antenados para isso e temos que formar grupos, devemos convidar alguém para nos explicar e aqui nós mulheres que estamos fazendo isso, não que os homens não venham. No nosso dia Internacional da mulher, nós convidamos mulheres e homens e isto é que nos apaixona, nós temos aqui nesta comunidade um bocado de pessoas apaixonadas, porque eu fico muito feliz, quando ouço, vamos reivindicar isso ou maquilo, porque nós já somos escolados, porque nós aprendemos isso, esta semana nós descemos para o CIED, nós estamos aqui com um curso para 220 jovens, que estão fazendo curso profissionalizante, só que nós tínhamos somente cinco computadores, disseram vai dar, e nós dissemos não, o grupo todo disse não, tem que ter computadores suficientes, para que os jovens realmente faça seu curso, e nós descemos com estes jovens lá pro CIEDS, para dizer isto, então grandes exercícios de cidadania nós praticamos diante de tudo isso, isso é paixão que nós esperamos que esses jovens tenham, eles já voltaram dizendo, D. Aparecida que bom, legal, então eles estão se apaixonando, então esta militância é paixão, ele é parte deste processo.

A senhora tem um recado para todas as mulheres, de força, de perseverança, de resistência de uma forma geral, se existe um recado, que recado a senhora daria?

O recado é que agente liberte-se do medo, o medo da mulher de ao participar, o marido não queira, o medo da mulher que ao participar de um congresso abandone seus filhos, o medo porque depois nossos filhos tem orgulho da gente, os maridos no inicio não gostam também, mas depois tem orgulho de suas mulheres, então agente tem que começar a perceber, que não existe ninguém mais importante do que você mesma, depois que você tiver consciência da sua importância, alguém pode ter também, mas se você não tiver essa consciência, da sua importância na sociedade, na igreja, na família, na educação como mulher, quando você despertar para essa sua importância você é um monstro, você não alcança o seu tamanho, isto é qualquer mulher, você vai ser respeitada, não tem essa questão da idade, porque eu já estou com idade, tem muitas mulheres que aos 60 anos, os maridos começam a dizer você não pode isso nesta idade, o filho diz pelo amor de Deus mãe não vai e nisso você vai, você é capaz de tudo e quando você não for capaz da tuas pernas, como diz bem a Alcione, entendeu, você tem o seu cérebro que comanda e comanda muito e comanda tudo, nunca deixe ele morrer, nunca deixe seu cérebro diminuído somente com a compra do mercado, com a comida para o filho, com o tanque para lavar roupa, entendeu, e sem mais informação nenhuma, procura se informar de tudo, procura ser grande em tudo, porque nós somos grande, porque nosso Deus nos criou assim, ele não nos criou pequenos, nós mulheres, nós temos uma história de massacre da própria história, de que você fica só ali, você tem o seu limite, ninguém tem limite, quem nos da o limite é Deus, homens e mulheres ninguém perde nada ao avançar, mulher nenhuma perde nada, a casa, a cozinha, os pratos, o marido e o filho e quatro paredes numa casa é muito pouco para um ser humano, agente precisa sair para o mundo, agente precisa descobrir o mundo e é isso que eu espero de todas as mulheres.

Elaine Marcelina
Enviado por Elaine Marcelina em 14/11/2010
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