ENTREVISTA NO FUTURO



Imaginei uma entrevista para dar daqui a alguns anos, quando eu estiver famoso, obviamente a uma bela jornalista. A fama atrai casos, amores, desamores, mulheres tardias, algumas ciumentas e certamente uma quantidade e variedade de mulheres lindas, mas que acabam deixando a gente....
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- Você é uma pessoa sozinha, nunca pensou em se casar?
- Não só pensei, como me casei. Passou o tempo, me separei. Foi bom enquanto foi bom. Hoje divido a minha vida comigo mesmo. Recentemente cheguei meio a que propor morar com a namorada, mas ela cortou no ato. Parece que até se ofendeu.

- Você chegou a propor e ela disse não?
- Não foi bem assim, ela falou que eu não estava colocando sentimento. As mulheres são muito estranhas... para se conviver então... atualmente contento-me em observá-las como obras de arte. Não é necessário estarem ao alcance das minhas mãos. Outro homem vai privar da companhia dela, vai ouvir as reclamações, discutir... tudo bem. Para mim, a paixão está muito mais calcada no vir a ser.

- Onde entra o sentimento, o estar apaixonado?
- Quando acontece, ótimo, sensacional – mas não tem nada a ver com decisões tipo irreversíveis. As coisas vêm, as coisas vão. Umas amadas se aborrecem tanto que acabam nos virando a cara. Você se dirige a ela e aquele rostinho lindo olha ostensivamente para o alto e...

- Se isto aconteceu com você, alguma você aprontou.
- É perturbador. A gente se sente desconfortável. Todos temos limitações. Esta deve ser uma limitação dela.

- Estamos falando de você. Não fuja do assunto. Alguma você aprontou.
- Se as coisas acontecem diferentes do que está nos livros, elas colocam boa dose de imaginação, e aí...

- Você quer dizer que ela se precipitou?
- Não, não digo nada enquanto não souber o que passou pela cabeça dela. Deve ter sido algo muito forte porque...

- Fale de você. Por que você não procura por ela?
- Desenterrar cadáveres? Não faz o meu gênero.

- E se ela lhe procurar?
- Também não faz o gênero dela. Creio me esgotei na visão dela. Completamos um ciclo. Se voltássemos, estaríamos nos repetindo.

- Como você se sente sabendo que uma namorada ou antiga namorada está lendo seus livros?
- Na medida que são feitas deduções criativas a meu respeito, é complicado... Aliás, as mulheres gostam de complicar. Houve uma que dizia que eu escrevia heresias. Eu brinco muito com as distorções que são divulgadas em relação à idéia de Deus, de Jesus (ou Jesuis?), de céu como última morada. Isto a incomodava.
- Você me parece muito frio. Nunca houve um relacionamento em que você e ela se gostassem de fato?
- Posso falar por mim e, no máximo, supor por elas.

- Então fale por você, não precisa supor por elas.
- Houve, sim. Principalmente quando adolescente, algumas vezes depois de adulto. Como já disse, as coisas vêm, as coisas vão, só que quando vão não retornam mais. A vida, como vida em si, é muito dinâmica e o sentimento de felicidade no amor é fruto de um processo, de uma caminhada, é um constante recomeçar. Você, por exemplo, não quer caminhar comigo?
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texto escrito em 1994 - do livro Prazeres a Mesa de Luiz Otávio
Karpot
Enviado por Karpot em 20/10/2010
Reeditado em 25/01/2015
Código do texto: T2568116
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