Os passeios da poetisa
Quem é essa moça de pele morena que ostenta um trabalho quase solitário nas comunidades carentes da Zona Sul Paulistana? Uma mulher nordestina, nascida numa cidadezinha cearense com o nome sugestivo de Milagres? Uma jovem que escreve sem pretensões muito definidas, gosta mesmo é de manter seu hábito e satisfazer suas predileções líricas e poéticas. Pratica seu gosto escrevendo para fanzines, livros e nos habituais e modernos blogs literários que permeiam a rede de escritores independentes.
A história dessa jovem escritora inicia-se muito antes do que se pode prever. Dificilmente alguém poderia imaginar que herdou no seu DNA, um viés literário materno. Ela diz que tudo começou quando sua mãe ainda na infância decidiu sem aprovação de sua avó que iria aprender a ler. A avó de Dinha temia que sua filha desejasse escrever cartas para seus futuros namorados, por isso não permitia que sua mãe lesse os romances que ela adorava.
Odiava cogitar a hipótese de que sua filha pudesse conquistar pretendentes com o novo dom. Mas com o passar do tempo adquiriu o domínio total das técnicas de escrita e leitura, sua mãe passa então a ler escondida embaixo das goiabeiras de Milagres e realizava o desejo de muitas outras pessoas que não sabiam ou não tiveram a oportunidade de aprender a ler como ela.
A poetisa desde muito jovem sempre leu sobre tudo, desde folhas soltas e pedaços de jornais velhos até propagandas diversas. E confidencia: “Adoro gente e livros”. Quando menina, registrava suas experiências num diário vivendo numa modesta casa com 12 pessoas, como era alvo de uma dúzia de curiosos familiares, ela criava maneiras de manter o sigilo do seu conteúdo já que sua privacidade era mínima, utilizava-se de inúmeras metáforas para tentar decifrar seus textos e preservar a confidencialidade dos seus registros. Resultado, poesia infantil. Hoje quando rele seus trabalhos iniciais, ela diz que aquilo tudo que escreveu na infância não era poesia. Mas a semente estava plantada.
Após passar por uma peleja danada e superar dificuldades comuns como a de qualquer menina de origem humilde, desprovida de recursos para aquisição de livros, transporte e alimentação adequada consegue se formar em Letras na USP e atualmente está cursando pós-graduação na UFRJ.
Dinha escreve para sua alma, não é para sua sobrevivência física. Talvez seja por isso que não se enxerga como escritora de profissão. Sua literatura sofre influência principalmente dos autores Fernando Pessoa, Murilo Mendes, Drummond, Bandeira e João Cabral de Mello Neto.
Pórem o despertar para o ínicio de sua escrita veio com a leitura do Fanzine de Alessandro Buzo, – escritor independente oriundo de outro celeiro de bons autores marginais, já citado na reportagem anterior – após a leitura do texto “Converse com o caos”. A poetisa reacende o lirismo iniciado na infância e a partir disso resolve publicar no princípio através de fanzines algumas de suas poesias, depois ao notar que havia acumulado um grande volume de variados trabalhos, reúne na deliciosa antologia: A passagem mas não a passeio, poemas que permaneciam engavetados, dos quais julgava interessante publicar aos demais leitores.
Dinha retrata através de suas poesias observações de dois mundos muito distintos. O primeiro é urbano, de classe média, onde sua convivência com o cotidiano da cidade abriga suas observações, o segundo olhar é voltado para a menina que cresce e junto com ela o bairro periférico do qual pertence e convive dia após dia, são os cenários, pessoas e personagens das suas passagens como sugeridas pelo título do livro.
Adocicados pelo lirismo da poetisa seus versos constroem imagens de protesto, angústia, amor e um feminismo agradável e moderado, que em muitas vezes surpreende os leitores com finais inesperados e podem até comover os desavisados mais sensíveis.
Enfim sua poesia é o que ela é e o que ela vive.