Entrevista com Lygia Fagundes Telles
"Solução melhor é não enlouquecer mais do que já enlouquecemos
Não tanto por virtude, mas por cálculo."
(Lygia Fagundes Telles)
Boa tarde, sou Núbia Poison e vim lhe entrevistar
Hum, gostei do seu nome... Sente-se minha jovem
... Por acaso é um pseudônimo?
Sim senhora e com ele me metamorfoseio!
Ah, o meu também... Nasci Lygia de Azevedo Fagundes
E me tornei Fagundes Telles, frequentando 'sebos' desde cedo.
A senhora crê que já nasceu escritora?
Penso que nasci com esse dom e assumi o ofício apaixonadamente
Mas nunca apostei nos números dessa roleta
É soberbo dizer: Tenho vocação!
Cumpri minha vontade, para não tornar-me obsoleta
Transbordando razão, segui o impulso e botei todas as fichas nas palavras, nos discursos.
Como a senhora lida com as novas tecnologias?
Desde o início, desconfiei do computador, do seu calor, de seus vírus e contratempos
Aquela máquina tem um poder sobrenatural
Temo que ele, direcione e deturpe meus pensamentos
Passei minha vida em frente a uma "Olivetti" e, com ela, perdi o medo inventando o horror
Há também o barulho peculiar da datilografia, o toque na haste que gira o papel; quando interagimos, seu som me diverte e o erro me desafia.
Nossa, quanto ao computador, vou pensar sobre isso...
Por vezes, a crítica especializada afirma que seus textos são obscuros...
... Difíceis de serem compreendidos
A senhora concorda com essa afirmação?
Sim e não... Não sou hermética; mas, também não quero ser compreendida...
Sou toda ouvidos, permaneço-me muda e bastante sóbria
Alheia às críticas e aos prêmios fui construindo minha obra.
Porém, quando a indignação me ataca
Emana-me a rinite, incha-me a face
E a sinusite se destaca
Meu vazio é protegido por uma película fina, tão fina...
... Como bolhas de sabão; elas são cegas e sem estrutura, frágeis e efêmeras
Tenho um amigo Físico que passou a vida estudando as bolhas de sabão...
Interessante... Mudando de assunto, que prato a senhora mais aprecia?
Adoro cerejas, frutas vermelhas! Ah, vamos nos virar e apreciar o pôr-do-sol?
Claro, Dona Lygia, o crepúsculo vespertino...
... É a metamorfose do dia, menina
Toda estação, quente ou fria tem seu ciclo e se finda
E nessa ciranda de pedra agir só por impulso pode ser letal
Isso me permite não viver uma existência banal
E todo dia, claro ou escuro também se acaba, por bem ou por mal.
A senhora acredita, então que, apenas o “concreto” prevalece na sua obra?
Penso que... Tento dar a dose certa para o absurdo
Uma sensação de quem doa lágrimas para um "exame da razão"
E também preciso correr riscos, gosto de desafios
Minha obra, desde a década de 40, traz ao mundo...
... Um conflito existencialista ficcional entre o real e o abstrato
Surrealismo e expressionismo abordados sob uma ótica política e social... Amores e desilusões, obviamente
E muitas experiências da alma com a solidão urbana, essa estranha solidão coletiva.
Qual a sua auto-definição como escritora?
Dificil explicar... Um misto de coragem e medo...
... Tenho coragem para escrever, contar minhas estórias
E também tenho medo em relação à trajetória das personagens
Elas, por vezes, não trilham por caminhos convencionais, criam vida própria e vivem seus destinos, seus desatinos...
***
Precisamos terminar agora, minha jovem...
... Devo sair para buscar um gato que acabei de ganhar
Cumpra-se a vontade, Dona Lygia, grata pelas palavras!
Pode fazer uma dedicatória no meu exemplar de “As meninas”?
Sim, claro... Aliás, esse livro tem uma personagem memorável: Ana Clara!
Amo essa narrativa, é uma obra-prima!
Muito obrigada pela dedicatória, a senhora é muito bonita e cordial, dona Lygia!
Acompanho-lhe até o portão, senhorita Poison
Vamos atravessar o jardim selvagem, primeiro...
... Quero lhe mostrar meu cacto vermelho.
*Homenagem a Lygia Fagundes Telles (São Paulo, 19/04/1923).
Ela é a terceira escritora brasileira imortalizada pela
Academia Brasileira de Letras
E vencedora em 2005 do Premio Camões.
*Entrevista concedida a Núbia Poison no casarão da família na Rua da Consolação.
*Núbia Poison, integrante virtual e roadie dos Retinas Queimadas é jornalista das publicações Retinas News.
*Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.