Técnicas para escrever biografias -Entrevistado: Guilherme Fiúza

Em 23 de abril de 2010, foi lançado o livro “Bussunda - A Vida do Casseta" (Objetiva, 408 páginas).

O humorista Bussunda encantou o público brasileiro enquanto era vivo e sua história, narrada com maestria por Guillerme Fiúza, está encantando os leitores. O livro Bussunda conta a história do humorista e também faz referência ao nascimento do programa de televisão Casseta & Planeta Urgente!

Entrevistamos Guilherme Fiúza por e-mail. Ele nasceu no Rio de Janeiro em 1965, é escritor e jornalista. Atua como repórter, articulista e editor. Ficou conhecido pelo grande público, pela biografia “Meu nome não é Johnny”, que foi levada ao cinema, dirigida por Mauro Lima.

Fiúza se declara admirador de Rubem Fonseca e, como ele, não procura dar lições de moral. Seu livro “Meu nome não é Johnny” não separa seus personagens em heróis e vilões. Quer dizer, a obra não encerra nenhuma lição de moral. Fiúza mergulhou na vida do traficante João Guilherme Estrella sem preconceitos, sendo fiel à sua profissão de jornalista, narrando os fatos.

Você passou da biografia do traficante João Guilherme Estrella, do Rio de Janeiro, para a biografia de Cláudio Besserman Vianna, Bussunda, 1962-2006, humorista de televisão muito querido pelo público. Surge uma dúvida, como escolhe os biografados?

Quando escrevi Meu nome não é Johnny estava, na verdade, procurando uma história de política... Quando decidi escrever sobre a vida do Bussunda, a editora tinha me oferecido uma história de polícia (provavelmente por causa do Johnny). Ou seja, não sigo critérios de escolha muito definíveis.

João Guilherme Estrella, ex-traficante, e Bussunda, humorista, fizeram escolhas ousadas. Eles viveram longe da estabilidade e da mediocridade. É por isso que você os considera dignos de uma biografia?

São vidas movimentadas, aventureiras, de personagens ousados e carismáticos. Isso é um componente importante, sem dúvida. Mas não é tudo. No caso do Bussunda, me atraía muito a forma como a inteligência dele transformava tudo em humor. No caso do João Estrella, o que me chamou a atenção primeiro foi o personagem deslocado do seu universo natural - um filho da classe média no mundo marginal.

A biografia clássica se inicia pelo início, ou seja, o autor narra o nascimento, primeiros anos, adolescência, até chegar à vida adulta. O que o levou a afastar-se dessa linha?

No jornalismo temos o treino de privilegiar o que é mais importante na história, acima da cronologia. Acho que vieram daí essas linhas narrativas que dançam no tempo, buscando não só o que aconteceu, mas por que aconteceu.

Guilherme, você considera seus livros “Meu nome não é Johnny” e “Bussunda – a vida do Casseta”, biografias não tradicionais? Como você organizou seu trabalho?

É, não são biografias tradicionais. Tenho menos um olhar de historiador do que de contador de casos. Às vezes acho as biografias parecidas com grandes relatórios sobre a vida de alguém. Procuro acima de tudo o espírito dos personagens, a linha de dramaticidade capaz de extrair o romance existente naquela sucessão de fatos reais.

Em sua opinião, qual é o fio condutor de uma boa biografia?

A emoção e a singularidade são pistas infalíveis.

Ao afastar-se dos padrões seguidos pelos autores convencionais, você sentiu medo da crítica especializada?

Acho que a crítica, em geral, não está presa a padrões. Ela não reagirá mal se perceber que o autor trabalhou honestamente, isto é, não prometeu uma coisa e entregou outra. Lembro de ter lido um livro-reportagem que começava com uma personalidade da República soltando um palavrão. Depois a narrativa seguia uma trilha quase acadêmica. A promessa de um bastidor picante era, portanto, enganosa.

Os leitores aplaudiram seu livro “Meu nome não é Johnny”, você espera ter o mesmo êxito com a biografia “Bussunda – a vida do Casseta”?

São histórias muito diferentes. Johnny vai ao fundo do poço e escapa por um triz, Bussunda chega ao topo e é colhido por uma tragédia. Mas as primeiras reações já indicam novamente uma liga forte entre leitores e personagem, mesmo da parte dos que não eram os maiores fãs do Bussunda.

Existe um projeto de levar a biografia Bussunda ao cinema?

Não existe esse projeto. Existem especulações, tentações. Acho essa transposição uma tarefa bem complexa.

Se tivesse que escrever a biografia de um escritor latino-americano, quem escolheria?

Rubem Fonseca.

Que conselhos pode dar para os novos escritores que desejam escrever biografias?

Acho que não tenho autoridade para tal. De qualquer forma, arriscaria dizer a eles que tão importante quanto a vida do biografado é o olhar do autor sobre ela.

Por último, uma pergunta indiscreta: Você é bonitão, alto, magro e elegante, já pensou em ser galã de novelas de televisão?

Prefiro não tirar o emprego do Reynaldo Gianecchini... (risos).

Vejamos um excerto do livro “Bussunda - A Vida do Casseta":

“A porta da sala de Roberto Marinho na TV Globo se abriu e de lá saiu um homem com uma tonelada nas costas. Uma tonelada de responsabilidade e risco. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho tinha recebido um aviso do chefe supremo. A mais nova atração da emissora, prestes a estrear, não poderia ir ao ar daquela forma.

O programa chamava-se Casseta & Planeta Urgente, e o doutor Roberto não gostara do que vira:

— Nós vamos ter problema. O público vai reclamar da grossura.

Esse humor é escatológico. Vamos dar uma maneirada nisso aí — determinou o presidente das Organizações Globo a Boni, o diretor de operações...”