Entrevista ao Voz do Marajó**
** Entrevista concedida, em 25/04/2010, ao jornalista Marcos Paulo G. Miranda do Site Voz do Marajó de Abaetetuba – Estado do Pará. Disponível em: http://www.vozdomarajo.com/destaque/destaque1.htm
O Voz do Marajó - pelo jornalista Marcos Paulo Miranda - traz ao leitor uma excelente entrevista com o ambientalista Giovanni Sallera Júnior, funcionário do Instituto Chico Mendes no Marajó. Natural de Itaúna-MG, com larga experiência na área ambiental desde 1999, trabalhando na proteção e fazendo pesquisas com tartarugas e tracajás na região da Ilha do Bananal no Estado do Tocantins. Ainda no Tocantins, graduou-se em Matemática, fazendo posteriormente Mestrado em Ciências do Ambiente, cursando Especialização em Direito Ambiental. Atuou como servidor público Estadual e Municipal na área de meio ambiente por cerca de 10 anos vindo depois trabalhar na Ilha de Marajó como funcionário do Instituto Chico Mendes. Atualmente dedica boa parte do seu tempo em pesquisas e colabora com trabalhos sociais. Já publicou inúmeros artigos científicos e dezenas de textos com temática ambiental em diversos jornais e revistas que circulam em municípios do Estado do Tocantins e atualmente vem colaborando também com jornais e sites do Pará.
A entrevista ao VM deu-se por e-mail e contamos com a grande disposição do entrevistado em divulgar os trabalhos do Instituto na região das Ilhas marajoaras. O VM colocou questões pertinentes como a construção da Hidrelétrica de Belo Monte e as atuais condições de vida dos ribeirinhos que vivem nas reservas extrativistas de Marajó, em especial a de Mapuá, no Município de Breves, onde o VM também colheu relatos de moradores.
ENTREVISTA CONCEDIDA EM 25.04.2010
1 - Quais são as principais atividades e funções do Instituto Chico Mendes ?
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) foi criado pela Medida Provisória nº 366, de 13 de junho de 2007, como órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.
O Instituto Chico Mendes é responsável por executar ações da “Política Nacional de Unidades de Conservação da Natureza”. Ele é também responsável pela execução das Políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais, pelo apoio ao extrativismo e às populações tradicionais, além do incentivo aos programas de pesquisa e proteção da biodiversidade.
2 - No caso específico do Marajó, quais as ações que o Instituto vem desenvolvendo, bem como as dificuldades enfrentadas na aplicabilidade das ações ?
O Instituto Chico Mendes na mesoregião do Marajó é responsável por cuidar de 07 (sete) Unidades de Conservação, que são: Reserva Marinha de Souré, Reserva Gurupá-Melgaço, Reserva Terra Grande-Pracuúba, Reserva Arioca Pruanã, Reserva Mapuá, Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá e Floresta Nacional de Caxiuanã.
O Instituto Chico Mendes tem que dar apoio para que as populações dessas reservas possam melhorar de vida, usando os recursos naturais de forma sustentável. Para isso, ele precisa fazer um monte de coisas, como por exemplo: ajudar a criar Associações dos moradores das reservas, fazer o Plano de Manejo, fiscalizar para que outras pessoas não invadam essas áreas, articular com a Prefeitura e outros órgãos para levar benefícios, passar informações sobre os trabalhos para o Ministério Publico e para a imprensa, entre outras coisas.
As dificuldades são muitas, começando pela própria necessidade que o órgão tem de se afirmar como uma instituição, tendo em vista que a sua própria criação se deu de forma polêmica e conturbada, pois o Instituto Chico Mendes surgiu por meio de uma divisão do IBAMA.
3 - O que motivou o Governo Federal a implantar Reservas Extrativistas (Resex) na região da ilha de Marajó ?
Nas últimas décadas tem crescido por todo país o número de Unidades de Conservação, que ficam sob responsabilidade das três esferas de governo, Federal, Estadual e Municipal.
Vale destacar, no entanto, que no início era priorizada a criação de “Unidades de Proteção Integral”, ou seja, aquelas Unidades que não permitem facilmente a presença do homem, que se preocupavam apenas com a preservação dos recursos naturais (flora, fauna, água etc.). Hoje a realidade é outra, e há uma preferência pela criação de “Unidades de Uso Sustentável”, que, conforme o próprio termo diz, podem e devem ser usadas pelas populações humanas que as habitam, como é o caso das Reservas Extrativistas.
Pode parecer estranho para alguns, mas na verdade as Reservas do Marajó foram criadas justamente para garantir o modo de vida tradicional das pessoas que vivem aqui na região. Muitos, até mesmo alguns servidores do meio ambiente, pensam o contrário, mas o objetivo dessas Reservas é consorciar o uso da floresta com as tradições da população marajoara.
4 – Como o Sr. vê a situação das populações circunscritas nas áreas dessas Reservas de Marajó, que atualmente estão passando por um duro processo de readaptação em sua nova relação com a floresta ?
Estamos passando por uma mudança de paradigmas, na qual o “homem” e a “natureza” precisam ser valorizados em igual peso. Isso deve ocorrer pelo consórcio do uso dos recursos naturais com o crescimento econômico e socialmente justo, o que chamamos de “desenvolvimento sustentável”.
É um processo difícil, pois implica na readaptação. Assim, todos precisam se ajustar, nós do meio ambiente, os lideres políticos, os empresários e a população em geral. E, confesso a você, que pelo que tenho visto essa busca por um novo modelo de desenvolvimento não é algo nada fácil para ninguém.
No caso específico da Resex Mapuá tenho visto inúmeros avanços. Hoje a Reserva já tem um Conselho Deliberativo, que já teve duas reuniões ordinárias, uma no ano passado e outra nesse ano. Além disso, recentemente foi assinado o “Contrato de Cessão de Direito Real de Uso” que dá um poder enorme para a AMOREMA (Associação dos Moradores da Reserva Mapuá) para assumir o “controle” da Reserva. Isso aconteceu há poucos dias, e foi uma grande conquista.
Ademais, vejo que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Breves e o Conselho Nacional de Populações Extrativistas, o famoso CNS, tem dado muito apoio aos moradores da Reserva.
5 - Quais as estratégias e/ou planos a serem desenvolvidas nas Reservas marajoaras (e o que já está sendo efetivamente realizado) para contornar, ou pelo menos atenuar, os efeitos sociais decorrentes do controle das atividades econômicas das populações tradicionais em detrimento da necessária preservação da nossa fauna e flora ?
O Instituto Chico Mendes foi criado em 2007, e agora todas as Reservas do Marajó possuem servidores exclusivos para cuidar dessas áreas. Antes, o IBAMA ficava sobrecarregado e não tinha pessoal suficiente. É verdade que ainda hoje o número de funcionários do Chico Mendes é pequeno, mas agora todas essas reservas possuem pelo menos um funcionário para cuidar exclusivamente do desenvolvimento dessas áreas, e além de funcionários já temos alguns recursos financeiros e materiais (barcos, computadores etc.), o que dá atualmente melhores condições de atender a população local, em comparação a realidade de alguns anos atrás.
No caso específico da Reserva Mapuá é possível ver um progresso maior do que em outras reservas do Marajó. Conforme dito antes, a Reserva Mapuá já tem um Conselho Deliberativo e, atualmente, está em elaboração o Plano de Manejo, que é o documento que dará o regramento geral para que a população possa usar os recursos da área de forma ordeira. Sem esse documento fica muito difícil regularizar o uso por parte da população e buscar mais melhorias. Espero que em breve esse Plano seja concluído, o que, a meu ver, trará um grande avanço.
6 - Tivemos informações de que moradores da Resex Mapuá, no Município de Breves, estão enfrentando muitas dificuldades, sendo que alguns reportaram casos de falta de alimentos, justificando que isso se deve à maneira exigida pelo Governo Federal sobre como devem obter seu sustento a partir da floresta. Assim, quais ações estão sendo tomadas para solucionar esse aparente choque econômico-cultural de transição na relação homem/floresta ?
Esse é um fato real. A população de Mapuá é muito carente e historicamente vive sem muitos benefícios. O que tenho visto recentemente mostra um cenário com algumas mudanças.
De um ano pra cá, o INCRA liberou vários créditos para os moradores da Reserva e, agora, estão sendo construídas cerca de 290 casas na Reserva Mapuá.
Nesse momento, a Prefeitura de Breves, por meio da Secretaria Municipal de Educação, está construindo a “Casa da Família Rural”, que será um local para levar benefícios para os moradores da Reserva.
Além disso, com apoio da ONG Alemã – JOAC/ Save the Children, em parceria com o CNS, o Sindicato Rural de Breves, entre outros colaboradores, será implantado em Mapuá o “Projeto Espaço Criança”. Isso será algo muito bom, e vale destacar que poucas Reservas no Pará têm recebido benefícios desse tipo.
A Prefeitura está reformando algumas escolas na região do Mapuá, do rio Aramã e em comunidades vizinhas. Está também enviando equipes para mutirões de documentos e tem dado uma atenção melhor para a saúde dos ribeirinhos.
Mas, ainda está longe do que a população precisa. É preciso fazer mais !!! Por isso, estamos no empenhando para articular junto a Prefeitura, Governo Estadual e Ministério Público para melhorar a vida desse povo.
No que depender de mim, pretendo dar o meu melhor para ajudar o pessoal de Mapuá, especificamente, e os marajoaras, em geral.
7 - Ainda sobre a Resex Mapuá, obtivemos dados de que a área que compõe a reserva inclui a área de propriedade da empresa Ecomapuá de propriedade do chinês Sr. Lap Chan, um grande investidor internacional no campo do mercado de captura de carbono. Segundo relatos de alguns moradores, logo que chegaram ao Mapuá, os funcionários dessa empresa teriam obrigado os moradores do braço do Canta-galo a saírem de suas terras sob ameaça física. O Sr. tem informações sobre como anda a atuação dessa empresa dentro da Resex Mapuá ?
É verdade que a empresa Ecomapuá já esteve lá na área, e até poucos dias atrás ela ainda tinha um site falando sobre sua presença na Resex Mapuá, mas felizmente esse problema não existe mais. Hoje, a área onde havia um viveiro de mudas da empresa está abandonada e só restam lembranças da presença dessa empresa lá na região.
A área da Reserva pertence ao Governo Federal e que tem a responsabilidade pela área é o Instituto Chico Mendes e a AMOREMA (Associação dos Moradores da Reserva Mapuá).
8 - Qual a sua opinião a respeito de um Governo que julga ser normal a destruição de uma área de floresta equivalente a 100.000 campos de futebol para construção da usina hidroelétrica de Belo Monte ?
Nas décadas de 60 e 70, o governo brasileiro era o grande responsável pela promoção do desenvolvimento de nosso país, o que proporcionou que fossem feitas inúmeras ações mirabolantes e obras grandiosas com esse objetivo. Então, no decorrer da busca do tão falado “progresso” muitos direitos de povos indígenas, comunidades ribeirinhas e moradores podres das cidades e da zona rural foram deixados de lado.
Para atenuar tais ações desregradas e irresponsáveis surgiram inúmeros Movimentos Sociais e dezenas de ONG’s e Associações que passaram a pressionar governantes e empresários para respeitarem seus direitos e também para garantir a proteção da natureza na implantação de obras e empreendimentos, tais como, rodovias, ferrovias, hidroelétricas etc.
Acredito que em nenhuma situação podemos ficar de braços cruzados, esperando as coisas acontecerem. É preciso cobrar medidas efetivas de proteção social e ambiental por parte dos órgãos estatais, especialmente daqueles fiscalizadores, como o IBAMA, o Ministério Público, o Instituto Chico Mendes e as Secretarias Estaduais de Meio Ambiente.
9 – O que dizer da aparente contradição do Governo Federal que apóia a construção de uma usina gigantesca como essa, e, ao mesmo tempo, não permite (por exemplo) que a região do Marajó explore o ramo madeireiro, que é seletivo e nem de longe causa destruição que está prestes a acontecer pela formação de um lago gigante no rio Xingu ?
Isso é no mínimo estranho, para não falar outras coisas. Acho que o fechamento das madeireiras como foi feito trouxe um prejuízo muito grande, especialmente para aquelas famílias que viviam a gerações com essa atividade. E, para piorar tudo, não há nenhuma demonstração do Governo de que esse quadro de abandono da população carente da mesoregião do Marajó não vai mudar em curto prazo, o que nos faz entristecer e até sentir um sentimento de revolta com essa situação.
10 – Relembro que num passado não muito distante vimos outras construções de usinas hidroelétricas que trouxeram inúmeros impactos sociais e ambientais, tornando-se referência de descaso e incompetência das autoridades, como o caso da usina de Tucuruí, aqui no Pará, e Balbina, no Estado do Amazonas. Assim, pergunto: não corremos o risco de ver o mesmo mal se repetir em Belo Monte ?
Bem lembrado !!! É verdade que esses são só alguns dos muitos exemplos negativos que não queremos que se repitam nunca mais. Para evitar que problemas passados voltem a ressurgir é preciso que a comunidade esteja engajada, unida para reivindicar seus direitos.
11 – Você acredita que nossa população está preparada para enfrentar todos os problemas sociais, econômicos e ambientais que poderão surgir a partir da instalação da usina hidroelétrica de Belo Monte ?
Nosso país não possui uma tradição democrática forte, pois vivemos recentemente um regime militar que proibia manifestações de protesto e reivindicações por meio de ONG’s e Movimentos Sociais.
Acredito que apesar determos pouco mais de duas décadas de liberdade democrática, é possível ver que surgiram muitos resultados positivos por meio da participação popular através de entidades da sociedade civil na construção de uma nação mais justa e mais preocupada com as questões sociais e ambientais.
Mesmos sabendo dos avanços, infelizmente tenho que admitir que nosso Estado, especialmente a população diretamente afetada pela usina de Belo Monte, não está totalmente em condição de enfrentar todos os problemas que vão surgir por causa dessa usina.
12 – O que é preciso fazer, então, para evitar que a população sofra, considerando que ela é a “parte mais fraca” nessa disputa que envolve tantos interesses políticos e econômicos ?
Todos precisam estar atentos para não aceitarem nada “goela abaixo.” É preciso se organizar e pressionar governantes, órgãos públicos e empresários para respeitarem seus direitos e também para garantir a proteção da natureza na implantação dessas obras e empreendimentos.
Nessa questão destaco o importante papel da mídia, como o “Voz do Marajó”, que tem desempenhado um papel relevante no levantamento dessas questões. Eu acredito que os jornalistas e demais profissionais de comunicação tem um papel fundamental na defesa dos direitos do cidadão !
** Entrevista concedida, em 25/04/2010, ao jornalista Marcos Paulo G. Miranda do Site Voz do Marajó de Abaetetuba – Estado do Pará. Disponível em: http://www.vozdomarajo.com/destaque/destaque1.htm
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Ilha de Marajó – PA, Abril de 2010.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
Curriculum Vitae: http://lattes.cnpq.br/9410800331827187
Maiores informações em: http://recantodasletras.com.br/autores/salerajunior