COVERSANDO COM O MEU AVÔ ZECA BEM
J. C.Oliveira (Tangerynus) – J. P. Tangerino (Zeca Bem)
- Hei vô o que é que o senhor acha de ter vindo morar aqui na capital de São Paulo justamente no bairro do Ipiranga onde D. Pedro I proclamou a Independência do Brasil.
- É Zé Carlos, como você sabe, tem os prós e os contras, certo!
- lembro-me de que quando nós morávamos no sitio, havia um farturão, tratando-se de alimentos, mas para ganhar alguns “mirréis” era muito difícil, e eu vivia fazendo cambiocó.
Hei vô o que é cambiocó?
É Zé Carlos, cambiocó, quer dizer fazer trocas, trocar algum objeto por outro, e assim por diante.
- Hei vô eu sei que significa troca, fazer rolo, mas porque cambiocó?
Sei lá Zé, essa era a maneira de prosear dos caboclos que moravam no bairro rural da famosa Fazendinha lá em Descalvado.
Zé, eu tinha lá no sitio algumas cabeças de gado, um cavalo bem arreado, e de vez em quando eu ia até o Porto Ferreira fazer compras na loja do Loureiro, que ficava na Rua 24 de Outubro bem próximo da Estação Ferroviária da Cia. Paulista.
Um dos problemas que nós tínhamos, era a questão de que o gado se dispersava, pois eu estava na lida, aliás, trabalhando na roça, esquecia de colocar as cangaias nos animais, e eles varavam pela cerca, iam comendo todo o capim que encontravam pela beira da estrada, até que vinham o pessoal do D.E.R. - Departamento de Estrada e Rodagem, e o que acontecia, era que eles levavam o meu pequeno gado, e toca-me ter que ir lá no departamento pagar uma taxa para obtê-los de volta, era uma trabalheira danada.
Quando nós queríamos tomar leite, leite puro de vaca, era só ir até o curral, pegar no ubre da vaca “mimosa”, apertar com os dedos e encher o latão de alumínio.
Eu tinha o costume de misturar leite com farinha de milho, botava uma pitada de goma de mascavo (rapadura) e mandar pro papo. Comer mingau de cambuquira nem se fala.
Eu tinha lá no mangueirão algumas leitoas, que vorta e meia viviam dando crias, lógico que não podia faltar os cachaços (porcos machos). De vez em quando abatíamos uma leitoa, portanto daquele torresminho gostoso,dos ovos das galinhas caipiras, que a sua avó Júlia fritava no fogão de lenha, só de lembrar dá água na boca, sua avó Julia, que Deus a tenha em bom lugar (*1904+20/10/1958).
Hei vô, estávamos proseando, um assunto e virou um assunto de comilança.
É Zé Carlos. Você conhece aquele ditado que diz: “você come pra viver, ou vive pra comer, e que saco vazio não para em pé”.
É Zé Carlos falar da capital vai ficar para outro dia.
Mas falando da Fazendinha, lembrei-me dos nossos vizinhos, gente boa como que. Era as famílias dos: Reducino, Reginaldo, Lima, Carlino, Alves, Tobias e nós Tangerinos que foram misturando uns com os outros, e acabamos sendo todos parentes.
Hei vô, o senhor lembra do preço do sitio, isto é, quanto o senhor pagou por ele, e por quanto vendeu.
É Zé, por quanto eu vendi isso já não recordo mais, o nosso dinheiro mudou tanto de nome, que foi: pataca, mirreis, cruzeiro, novo-cruzeiro e assim por diante. O que eu posso dizer é que o sitio pertencia ao meu pai, cujo nome era Manoel Pereira Tangerino+1886, não confundir com o meu irmão “Néco Tangerino” (velho carreiro, que transportava lenha no seu carro-de-bois), pois é, ambos tinham o mesmo nome. As terras inóspitas não tinham valor comercial era tudo capoeira e se não me engano a conversa que eu ouvia dizer, as terras foram adquiridas a título de “Sesmarias”, terras essas que eram concedidas “por mercê de sua Majestade, o Rei de Portugal”, através do Governador da Província, se eu não me engano as terras dessa região chegou a pertencer ao ilustre Bandeirante Amador Bueno da Veiga, (ano 1625) posteriormente foi sendo desmembrada até chegar nos dias atuais.
Que dizer então que isso se deu nos tempos do Império-Colonial, tempos do D. Pedro II.
Zé é só fazer as contas. Eu nasci no dia 13 de maio de 1894, a Maria Cândida Pereira Tangerino em *1880+1960, que se casou com Pedro Severino Soares, a Etelvina Leonina de Jesus, 1890+4/11/1938, que casou com o João Mendonça Salvador faleceu em 1938, a Emerenciana Iria Tangerino que se casou com Sebastião Tobias Hilário eu não lembro o dia em que ela nasceu, apenas sei que foi no ano de *1893/12/5/1936, e o meu pai Manoel Pereira Tangerino, faleceu um dia depois de ter nascido o Néco Tangerino, isto foi em 1886, e que faleceu 27/9/1968. O meu pai era de estatura baixa, talvês judeu-português de nascimento possivelmente de Alentejo, deve ter nascido por volta de 1816 mais ou menos, a moeda que circulava era a tal de Pataca, que, aliás, esse nome tem a ver com o formato das patas dos cavalos.
Hei vô, o senhor poderia me dizer porque a cidade de Descalvado tem esse nome?
Zé eu não sei o certo, mas ouvia dizer que, devido existir uma mata fechada e ter um grande morro, cuja denominação era Morro de Descalvado, que era uma referência para os moradores não se perderem, segundo os primeiros povoadores deste lugar, que foi freguesia de Araraquara, posteriormente foi incorporada ao município de Rio Claro.
É vô, uma coisa que tenho observado é a questão de ter lido vários livros que falam da proto-história de Descalvado, mas pouco se fala do bairro rural da Fazendinha, afinal de contas, o senhor nasceu em Descalvado ou em Porto Ferreira.
Vô Zeca Bem o senhor sabia que já existia uma família Tangerino em Descalvado no ano de 1788, Sra. Coelho Tangerino esposa do Manoel Coelho Tangerino!. Na época ainda era Belém do Descalvado.
Não isso pra mim é novidade! E não sei dizer se eram meus parentes, quem sabe pode até ser!.
Zé eu fui registrado em Descalvado, mas em razão da Fazendinha ficar na divisa com Porto Ferreira pouco se falava do nosso bairro.
É vô o senhor sabe quem foi o fundador do bairro Fazendinha?
Zé neto eu não tenho a menor idéia de quem fundou!
Zé neto, mudando de assunto acabei de lembrar de que nós juntávamos vários amigos e a viola comia sorta, e aí começa a Catira.
Falando de Catira, no fim do ano de 1974, eu viajei para o Porto, passei alguns dias com os meus sobrinhos, e teve lá uma festa, que eu não podia perder. Estavam presentes entre outros o meu sobrinho Doca Tangerino. Onofre Reginaldo, Zé Mineiro, Taquari e o Manezão. Cantamos e dançamos até o sol raiar, enfim foi muito bom se divertir, pois fazia muitos anos que isso não acontecia.
Voltei pra São Paulo, dias depois recebi a noticia de que o meu sobrinho Doca tinha falecido, isso foi no dia 16 de janeiro de 1975, lá em Porto Ferreira. Parece-me que ele passou mal, levaram para o hospital, e aplicaram uma injeção de penicilina e horas depois faleceu.
É vô, a injeção de penicilina foi inventada para salvar vidas, e neste caso foi ao contrario.
É Zé isso eu não entendo...
Hei vô Zeca Bem, quantos filhos o senhor teve com a avó Julia Alves Pereira. Eu casei com a sua avó no dia 6/11/1920 em Porto Ferreira – São Paulo.
Zé Carlos, nós tivemos um total de 11 filhos, que são: Ormindo, Leonildo, Valentim, Maria, Deolinda, Ana, Orlando, Benedito, Jandira, Tereza e o primeiro que já nasceu morto, isto em 21/11/1922.
E assim foi a nossa conversa, meses depois ele faleceu em São Paulo e foi sepultado no cemitério de Vila Alpina.
Meu avô era uma pessoa muito divertida e só nos deixou muita saudade...
Onde o senhor estiver que esteja com Deus...