MORANDINI FALA SOBRE A COW PARADE PARA A REVISTA CONTEMPORÂNEA

ENTREVISTA CONCEDIDA POR MORANDINI A REVISTA CONTEMPORÂNEA

Confira a matéria de capa sobre a COW PARADE - As vaquinhas estão de volta à cidade que não para em www.revistacontemporanea.wordpress.com

Criar imagens. Esta talvez seja a melhor definição para aquilo que Morandini vem fazendo há mais de duas décadas. Sem ligar para rótulos, ele se equilibra sobre uma faixa tênue, espécie de fronteira entre o design e a arte. Um pé lá e outro cá. Suas criações nascem para encher os olhos. É impossível ficar indiferente. Morandini acredita que provocar os sentidos é a coisa mais vital que um designer carrega na mala de truques. Questão de dar respostas aos fatores psicológicos envolvidos em toda a cadeia produtiva, incluindo aí a geração do consumo.

Seus desenhos são feitos para brilhar. Passar mensagens positivas. Atrair pelo olhar. Cativar. Seduzir. Explodir em cores e encher o mundo com formas altamente vibrantes.

Dar carona a empresas, produtos e marcas em viagens excitantes e insólitas.

Morandini passeia pelos mais variados campos do design buscando respostas lúdicas e perguntando sempre: divertir não seria um dos nossos mais sublimes atributos?

Quem: Morandini

Profissão: designer e artista visual

Formação: Publicidade, Jornalismo e cursos de Design

Nascimento: São Paulo (parto normal)

Data: 31 de janeiro de 1963

Signo: aquário

Estado civil: casado

Filhos: dois

Esportes: judô (desde 1973) e corrida de longa distância

Livro de cabeceira: Art is Work - Milton Glaser

Cor: amarelo alaranjado

Cidades: São Paulo, NY e Barcelona

Melhor momento do dia: manhã

Recicla papel: quase sempre

Doador de órgãos: sim

O que mais gosta de fazer: observar

Seu 'motto': renove!

Fundação do estúdio: 1º de outubro de 1985

(www.morandini.com.br/press)

RC - Você sempre enfatiza que seu processo de criação começa no papel. Você demorou muito a se render às novas tecnologias?

MORANDINI - Adoro tecnologia! Gosto de mexer, usar e aprender. Vivi o período de transição entre o manual e o digital. Não tive grandes traumas em fazer isso. A tecnologia abreviou e substituiu processos tornando tudo mais ágil e ampliando muito as possibilidades. Criar no papel significa, para mim, total liberdade. Você pode projetar e fazer anotações quando está viajando, antes de uma reunião, na cama... Você transforma um avião, um banco de praça ou uma sala de espera em estúdio. Basta um bloco de papel e um lápis. Além disso, no papel não existe aquela idéia de 'desenho acabado' que o ambiente digital passa. As coisas acontecem de forma mais solta e livre, com a vantagem do software não travar no meio do processo!

RC - Além do site Morandini você mantém um blog. Você se considera um blogueiro?

MORANDINI - O blog é uma tentativa de dividir com as pessoas aquilo que eu acho interessante. De vez em quando posto alguma novidade do estúdio também. Normalmente ele é atualizado com certa periodicidade mas não tenho o rigor de um blogueiro de verdade. Aquele espaço funciona mais como uma espécie de sala de estar, onde troco algumas figurinhas com os amigos e frequentadores. Comecei de forma totalmente descompromissada e o blog chegou a meio milhão de acessos recentemente. Para um blog segmentado é uma marca expressiva. Acho que o fato de não ter uma linha muito rígida e abordar as questões com leveza e bom humor faz com que as pessoas se sintam em casa.

RC - Você já afirmou: "Acho que comecei a rabiscar garatujas antes mesmo de falar." Que lembranças você tem do momento em que entendeu que era, verdadeiramente, um artista?

MORANDINI - Meu pai era um excelente artista amador. Ele morreu há muito tempo, antes de eu iniciar minha carreira, mas aprendi muito com ele. Além disso os materiais de arte sempre foram fartos em casa. Apesar de rabiscar 'desde sempre', só virei artista 'de verdade' bem mais tarde. Comecei a trabalhar como projetista, o que exige 100% de rigor técnico e zero de arte. Só bem mais tarde, através do meu próprio estúdio e praticando o design de cunho autoral é que pude dar vazão ao meu lado artista.

RC - (Esta não poderia faltar) O que são garatujas?

MORANDINI - Garatujas são os primeiros rabiscos de uma criança. São traços espontâneos, alegres e absolutamente livres. Acredito que toda pessoa sabe desenhar. Em certo momento da vida ela começa a ter certos pudores e nasce o medo de desenhar 'errado'. Costumo dizer que eu continuo desenhando como fazia quando era pequeno, apenas de uma maneira um pouco diferente... As garatujas são uma maneira que encontro de preservar a juventude no meu trabalho. É como se não quisesse que meu trabalho envelhecesse.

RC - "...outro dia me perguntaram se além de desenhar eu também trabalhava". Como você responderia a esta pergunta hoje, afirmaria que quem faz aquilo que ama não trabalha, se diverte?

MORANDINI - Sem dúvida! Ninguém pode afirmar que em determinada carreira fará ou não sucesso. Escolher aquilo que se ama, porém, já é garantia de que você não se frustrará por trabalhar naquilo que não gosta. Todo meu trabalho é dirigido ao mundo corporativo. Apesar de toda a responsabilidade envolvida na minha profissão eu sempre me divirto muito realizando meu trabalho.

RC - Você acabou de ser classificado - onde concorreu com gente do mundo todo - em primeiro lugar no concurso de design da medalha para o Youth Olympic Games a ser realizado em agosto de 2010 em Cingapura, está portanto entre os dez concorrentes ao prêmio que será julgado e entregue em agosto de 2010. Você se lembra de alguma rejeição que tenha sofrido anteriormente em concursos? Acredita que para se ter vitórias (como esta) é preciso persistência, coragem e autoconfiança?

MORANDINI - O primeiro lugar na primeira fase de votações do concurso do Comitê Olímpico Internacional foi uma surpresa para mim! Fiz minha inscrição no penúltimo dia mas apresentei um projeto absolutamente fiel ao que acredito ser o melhor para o evento. Não tentei fazer algo para agradar jurados ou conquistar votos, por isso a classificação me surpreendeu.

Hoje participo muito pouco de concursos. Entrei na disputa do COI porque desenhar algo para um evento do porte de uma Olimpíada era um sonho antigo meu. Obviamente, quando participava de mais concursos tive várias propostas recusadas. Apresentar projetos coerentes com sua filosofia de trabalho é, para mim, uma forma de diminuir uma eventual frustração. É como se falasse: 'não ganhei mas dei o meu melhor'.

RC - Você faz parte de um seleto grupo de artistas que expõe na Cow Parede - o maior evento de arte urbana do mundo. Como aconteceu o convite para expor em 2005?

MORANDINI - Um dia, ainda em 2004, recebi um e-mail do Ron Fox, diretor da Cowparade Holdings. Ele tinha visto meu trabalho na internet e me indicou para os organizadores da versão brasileira do evento, que seria realizado em 2005. Entrei como artista convidado naquela que foi a primeira edição da exposição realizada na América Latina.

RC - SAMPA sem Parar foi uma idéia sua ou o tema é designado pela organização do evento?

MORANDINI - Normalmente a Cowparade é aberta para artistas locais das cidades onde ela acontece. A organização deixa o artista totalmente livre para criar as obras. A SAMPA sem Parar! foi uma representação daquilo que sinto por São Paulo, cidade onde nasci e pela qual sou apaixonado. Como em todo caso de amor, quando você ama você amplia as qualidades e minimiza os defeitos. Sendo assim, procurei enaltecer as coisas boas da cidade através de um desenho positivo, vibrante e alegre. São Paulo não é cinza. Ela é repleta de cores. Questão apenas de treinar os olhos e abrir o coração.

RC - Ela surgiu antes de começar o processo de pintura ou foi pintada e a partir dai o tema foi sendo definido?

MORANDINI - Como a vaca de fibra é um objeto tridimensional, a distribuição do desenho na superfície é um pouco mais complicada. Os contornos não são uniformes como numa folha de papel, numa tela ou numa pintura mural. Sendo assim, definir o layout previamente é muito importante e facilita muito o trabalho final. O layout foi baseado em alguns esboços feitos há alguns anos em blocos de rascunho.

RC - Como é o processo? Você escolhe ou é escolhido?

MORANDINI - Alguns artistas são convidados pela organização e não passam pelo processo de seleção. Além disso o evento é aberto a qualquer pessoa que queira enviar seu projeto. Essas propostas passam por uma comissão julgadora que seleciona as que se encaixam melhor e vão ao encontro da filosofia da Cowparade.

RC - No seu Blog foi criado um diário da vaquinha "nascendo", o que nos passa a sensação de amor a sua arte (sua cria). O artista precisa exercitar o desprendimento e o desapego, na prática, o que você aprende com isto?

MORANDINI - Em qualquer trabalho, há sempre dois momentos para mim. O primeiro é a elaboração e execução do projeto. Essa etapa é extremamente prazerosa. Adoro criar e ver o projeto tomar corpo e virar realidade. O segundo momento é quando esse projeto vai cumprir sua função. Não importa se é um logotipo, uma ilustração ou uma vaquinha de fibra de vidro. Chega uma hora em que é preciso ganhar o mundo. Botar a cara pra fora e conhecer o público. Aí começa meu segundo momento de prazer, que é sentir essa interação, ouvir comentários, críticas e ver a reação das pessoas. No caso da Cowparade esse momento é único. Pessoas de várias idades, culturas, credos e classes sociais olham para a obra de forma escancarada. Esse olhar franco, direto, sem interfaces, é único. Não há julgamentos prévios. O contato é em primeiríssimo grau. Para um artista isso é muito gratificante!

CONTEMPORÂNEA - MENTE

Não saio de casa sem... Celular.

Três coisas sem as quais eu não vivo... Livros, lapiseira e papel.

Se eu fosse uma cor seria... Só uma? Que injustiça! Laranja.

Antes de dormir eu... Beijo minha mulher.

Se eu não fosse designer NÃO seria... Corretor de imóveis.

Ser contemporâneo é... Viver com os pés no hoje e com os olhos no amanhã.