Chris Herrmann (Dusseldorf/Alemanha) entrevista Tchello d’Barros (Maceió/Brasil)

Chris Herrmann (Dusseldorf/Alemanha) entrevista Tchello d’Barros (Maceió/Brasil) via e-mail. Dezembro 2009.

1) Chris Herrmann: "Nós precisamos da arte para não morrer de verdade." (Nietzsche) Você concorda com esta máxima filosófica? O quão necessária é a Arte para você, além do retorno financeiro?

Tchello d’Barros: Sempre é bom relembrar Nietzsche, até porque muito do que escreveu, continua atual, é como se tratasse de temas de hoje, sobretudo nas questões da arte. Talvez essa sentença dialogue com o pensamento de Artaud, que dizia que “é preciso mergulhar na morte, para começar a viver”, seria preciso “morrer” para o sistema, dedicar-se exclusivamente à sua missão cultural. O fato é que somos seres criativos por natureza, criar está em nossa essência, não é privilégio de artistas. No entanto, na atual sociedade competitiva e consumista, há que se priorizar tanta coisa, para sobreviver, que muita gente não reserva tempo para o lado lúdico da vida, para se dedicar a algum dom, alguma vocação artística. Aquele talento, geralmente revelado na adolescência, fica adormecido, sublimado pelas lides do cotidiano e metas de conquistas profissionais. Na arte, o retorno financeiro é importante, afinal os artistas são pessoas que pagam contas, igual a todo mundo. Mas não é a principal questão, é apenas uma desejável conseqüência. Em meu caso, posso resumir que a arte não é apenas um combustível para seguir adiante, mas uma instância que dá sentido a minha vida.

2) CH: A situação das Artes no Brasil tem mudado para melhor na(s) última(s) década(s)? Ainda há o que melhorar, e o quê?

T. d’B.: As Artes em geral, tem se desenvolvido muito aqui nos ‘tristes trópicos’, especialmente depois que saímos da dita ditadura. Houve muitos avanços em termos de legislação, direitos, e mesmo qualificação profissional por parte de gestores culturais e na dinâmica das instituições, sem falar da visibilidade que a arte brasileira em geral vem alcançando em âmbito internacional. Ainda assim estamos longe do ‘melhor dos mundos’. Há que se desatar o quiproquó da equivocada e atravancante Lei Rouanet; há que se implantar e consolidar o SNC Sistema Nacional de Cultura, com seus Fundos de Cultura, renúncia fiscal das empresas; as cidades e estados devem nomear seus Conselhos de Cultura c/ representantes da sociedade civil organizada e não apenas os cupinchas de prefeitos alienados e governadores megalomaníacos; há que se mudar a mentalidade do empresariado em geral, que precisa entender o quanto sua marca terá uma visibilidade positiva se associada a projetos culturais. E sobretudo, há que se desenvolver uma conscientização por parte da população em geral, de que a Cultura é seu patrimônio, que lhe confere identidade, que é um direito seu, que é justo cobrar políticas públicas de fomento e manutenção das artes em geral. O povo brasileiro é dono de uma das maiores diversidades culturais do planeta, uma riqueza sem paralelo, é até uma questão de se desenvolver a auto-estima desse povo tão híbrido e multifacetado, e que já está mostrando ao mundo o potencial de suas manifestações artísticas.

3) CH: Na sua opinião, o que um artista de hoje precisa ter em mente para aumentar suas chances de uma carreira bem-sucedida?

T. d’B.: Bem, já que não existe fórmula para isso, posso apenas comentar o que o senso comum já sabe. Parece que é necessário antes de tudo desejar isso, ter uma vontade ferrenha de que seu trabalho aconteça. Os obstáculos são enormes, é preciso colocar muito, mas muito amor mesmo naquilo que se faz, para que as idéias e sonhos se concretizem, é necessária uma dedicação e disciplina fora do comum para materializar um projeto artístico, é isso que se nota nos colegas bem sucedidos. Mas pessoalmente vejo ainda que as coisas vão além disso. É preciso se profissionalizar, permanecer ético em terrenos movediços, em certos momentos saber dizer não, estar conectado c/ os avanços tecnológicos de nosso tempo, dominar ferramentas para se comunicar com seu público. E creio que seja fundamental garantir a qualidade de seu trabalho, seja em qual linguagem artística for, e para além disso ainda, ter algum diferencial, ser original em questões formais ou conceituais. Possivelmente a combinações desses itens, devidamente adequados a cada caso, podem fazer a diferença para alguém que queira deixar sua marca no âmbito cultural.

4) CH: Como você recebe as críticas? Já aconteceu de você fazer alterações em algum trabalho (literário ou não) por conta de uma crítica recebida?

T. d’B.: Antes de responder, não custa mencionar que a palavra ‘crítica’ aqui no Brasil é carregada semanticamente de uma atmosfera desnecessariamente negativa. Há quem diga que a tradução ideal seria ‘análise’, ou ‘exame’ de uma obra. Trata-se na verdade de fazer uma mediação entre a intenção de um autor com as possíveis interpretações por parte do público. Em meu caso particular, confesso que recebo as críticas com alguma curiosidade, pois interessa-me saber o que pessoas inteligentes pensam de minha produção. Naturalmente que observo se tais pessoas têm autoridade, formação e em qual base conceitual fundamentam seus argumentos. E talvez caiba mencionar que, assim como os tradicionais veículos de comunicação reduziram drasticamente o espaço para a crítica, na revolução digital cresceu exponencialmente a picaretagem, o favorecimento, as panelinhas, e espaços onde lixo de todo naipe é apresentado como arte e assim as pessoas ficam um tanto receosas quanto aos conteúdos de valor duvidoso. Daí a cada vez mais importante atuação dos críticos, dos que tem sólida formação, para dar legitimidade e qualificar as propostas dos artistas. Sobre minha produção, não modifico trabalhos, independente de como são criticados, mas geralmente percebo aí um termômetro para as coisas que estão dando certo.

5) CH: Literatura, artes visuais e cênicas, moda... enfim, como diz o vídeo em sua homenagem, você é uma ´explosão de arte´! Em qual momento você percebeu que o ´pavio começou a queimar´? Você planejou percorrer por diferentes vertentes artísticas ou elas foram traçando o seu caminho?

T. d’B.: O vídeo Explosão de Arte, no Youtube, mostra algumas das facetas do que andei produzindo nos últimos quinze anos. Admiro artistas que se dedicam à apenas uma modalidade de expressão (cerâmica, trovas, marchinhas, por exemplo), mas este nunca será meu caso, tenho interesses múltiplos e acredito que seguirei assim. Para mim, o ‘pavio começar a queimar’ muito cedo, sempre me imaginei escrevendo e/ou lidando com artes visuais. Passei alguns anos no meio teatral, tive curtíssimas passagens por música, dança e vídeo, mas chegou uma hora em que tive que me decidir por atividades que dependem exclusivamente de mim. Optei sim por me exprimir em diversas linguagens, e as pessoas que têm escrito sobre meu trabalho tem notado que em tudo há um fio condutor, elementos de aproximação temática, formal ou conceitual. Depois de meia dúzia de livros solo publicados e participações em mais de sessenta exposições, entre individuais e coletivas, creio ter achado um caminho, embora eu intuo que o melhor ainda está por vir. O pavio segue queimando. Nesse percurso, creio ter produzido um currículo razoável e um portfólio honesto. Na próxima década penso em aprofundamento e aprimoramento, num conjunto de ações para consolidar esse trabalho. Quem vir ver, verá.

6) CH: Fale dos ´ismos´. Eles são imprescindíveis ou apenas servem como um ´guia prático do passado das artes´? Se você tivesse que usar um ´ismo´ para definir seu momento artístico atual, qual seria?

T. d’B.: Os ‘ismos’ da arte foram imprescindíveis em seu tempo, pois norteavam o pensamento, as idéias e principalmente as escolas estilísticas de seu tempo, aglutinando alguns dos talentos mais expressivos. Além disso, influenciavam a cultura em outros países e contaminavam, no bom sentido, muito da produção industrial em design, moda, arquitetura e diversos outros segmentos. Muito disso se deu principalmente na esfera das artes visuais, embora o Surrealismo, só pra citar um desses movimentos, teve desdobramentos na literatura, na pintura, no cinema e estimulou o desenvolvimento de áreas como a psicologia e a psicanálise. Hoje a chamada arte contemporânea aglutina incontáveis estilos, técnicas, suportes, conceitos e propostas, onde os tradicionais ‘ismos’ com suas cartilhas e manifestos já não tem mais espaço, temos no máximo os chamados Coletivos de artistas. Mesmo assim, os tais ‘ismos’ permanecem como um rico referencial da História da Arte, onde eventualmente alguns artistas fazem releituras ou atualizações desses movimentos. Recentemente produzi uma série de retratos, no estilo da Pop Art de Andy Warhol, como uma forma de homenagear esse revolucionário e polêmico artista, que ainda influencia muita gente, principalmente na atitude diante da arte. O conjunto do meu trabalho nunca pretendeu se enquadrar em rótulos, em ‘ismos’, escolas, pós-isso ou pós-aquilo, apenas sigo em frente, produzindo. Deixemos essa tarefa para futuros pesquisadores, jornalistas especializados, formadores de opinião, ou teóricos acadêmicos, caso o trabalho mereça alguma atenção nesse sentido.

7) CH: Onde se encontra o poema visual na cena artística brasileira atual? Você já vivenciou algum tipo de barreira, por exemplo, preconceito ou rejeição do que não seja bastante popular e de fácil assimilação?

T. d’B.: O poema visual na cena artística brasileira atual se encontra... bem escondido, eu diria! Isso porque não é uma modalidade de expressão muito conhecida, não tem apelo popular nem alcança as mídias com divulgação de massa, digamos assim. Só muito recentemente é que vem sendo aceito por parcelas bem restritas do meio acadêmico e muito timidamente já aparece aqui e acolá no currículo de ensino de alguns educandários onde a Literatura é levada a sério. Minha humílima contribuição tem sido dar palestras e oficinas sobre o tema, e também tenho uma exposição de Poesia Visual, intitulada ‘Convergências’, onde apresento uma seleção de meus principais poemas visuais. Por enquanto a mostra já itinerou por meia dúzia de estados, mas pretende andar um bocado ainda, antes de se transformar em livro. O que percebo é que essas ações pontuais ajudam a divulgar a Poesia Visual. A boa notícia é que a própria Internet tem sido o meio onde novos poetas visuais (semi-novos também!) têm apresentado sua produção, ainda embrionária, mas já permitindo muita troca e intercâmbio. O que me parece é que a Poesia Visual nunca será exatamente popular, mas isso mesmo também a torna especial, quase um segredo entre iniciados, um código entre poetas, um trigo raro na literatura de nosso tempo. Quanto à questão da assimilação, meu trabalho nunca sofreu preconceito ou rejeição, apenas uma vez cancelaram uma exposição já em plena montagem, só porque havia alguns desenhos de mulheres nuas, nada demais. Mas a produção em geral é bem aceita, mesmo as criações mais conceituais, embora evidentemente haja um certo distanciamento entre as camadas de público com menor formação cultural, pois estamos num país ‘em desenvolvimento’, onde as estatísticas apontam que menos de 10 % de nossa população já entrou num museu ou galeria de arte.

8) CH: A concisão sempre o acompanhou? Muitos de seus poemas mínimos dão a impressão de que histórias máximas (reais) sobre o autor estão sendo sutilmente reveladas. É isto mesmo?

T. d’B.: Por ‘razões que a (minha) própria razão desconhece’, sempre produzi obras em que a concisão, o rigor, o emprego de recursos mínimos, dessem conta de comunicar a proposta daquele trabalho, seja nos Poemínimos, nos Ideogramas Ocidentais, nos Labirintogramas e por aí vai. Nada contra obras que trafegam em outras vertentes, mas para mim, determinados excessos, tagarelices, verborragias e barroquismos apenas não são minha praia, simples assim. Já vivo num país exuberante, com um povo exuberante, plural, onde tudo é superdimensionado e no superlativo. Meus trabalhos nunca pretenderam negar essa realidade, mas gosto de escrever poemas breves, contos curtos, crônicas precisas. Um desenho, uma gravura, ou uma de minhas pinturas comunicam com poucas cores ou poucos elementos visuais. Não que seja uma regra rígida, mas um tipo de ecomomia conceitual. No fundo persigo uma coisa difícil de se fazer na arte, o simples fato de se comunicar com clareza. O desafio está em fazer isso com poucos recursos, com poucas informações, sejam plásticas ou semânticas. E não trato de temas biográficos, pessoais, qualquer vocábulo “eu” que apareça em meus escritos será sempre um narrador fictício. Mas há quem não acredite muito nisso...

9) CH: Conte sua trajetória com o haicai e o que essa experiência o acrescentou como artista e pessoa.

T. d’B.: Meu contato com o haicai e suas variações começou lá por 1.993, quando comecei a publicar meus primeiros poemas e expor meus primeiros quadros, ainda na germânica cidade catarinense de Blumenau, onde eu vivia nessa época. Lia haicaístas locais, de outros lugares e também de outras épocas, mas apenas pelo prazer de ler e conhecer cada vez mais dessa poesia de origem nipônica. Até que comecei a escrever também, quase sem querer, de brincadeirinha... Mas essa coisa pega a gente por dentro e na primeira noite escrevi logo uns 50 tercetos, depois fui vendo que não é só técnica, há que se pesquisar com seriedade e praticar muito também. Como quase tudo, é a prática aliada ao estudo que leva ao aprimoramento, à evolução. Na virada do milênio, publiquei o livro Olho Zen, minha coletânea de haicais. Nessa modalidade literária sou adepto do haicai tradicional, com kigô falando da natureza, métrica tradicional etc, embora aprecie muito ler os adeptos do haicai urbano, tropical, erótico e até os mais experimentais. Atualmente tenho escrito haicais em guardanapos, sem assinar, e deixo sempre sobre alguma mesa... Acredito que nenhum poeta sai incólume após passar pela experiência do haicai. É um aprendizado que permanece e amplia nossa visão de mundo, nosso jeito de estar nesse mundo, sobretudo diante da transitoriedade da vida e da inexorabilidade do tempo. Talvez por isso o haicai é muitas vezes associado à uma fotografia, constituída de palavras, mas que congela o tempo, ou registra um ato, um fato, presenciado pelo autor. Em meu caso, até meu trabalho em fotografia foi influenciado. Não fotografo como um fotógrafo convencional, mas como um haicaísta... Sou também autor de um haicai visual, o Haicai Para Os Sem-terra, onde se vê três fios de arame farpado, com 17 farpas, claro...

10) CH: Kerouac e Leminski foram duas grandes revelações do haikai ocidental. Sem dúvidas que eles estimularam o gosto de novos poetas por este tipo de poesia tradicional japonesa. Quais os ´haijins´ brasileiros de hoje que você recomendaria a leitura?

T. d’B.: Não há dúvidas de que Jack Kerouac e Paulo Leminski foram pessoas que captaram o ‘zeitgeist’ de seu tempo e lugar, o espírito de sua época, influenciaram muita gente e continuam fazendo escola. O haicai, enquanto novidade, já foi considerado um mero poema exótico, no entanto, na atualidade é inegável sua difusão cada vez maior, especialmente no ocidente. No Brasil, um país de todos e dos japoneses também, foi inevitável sua introdução, expansão e até mesmo as polêmicas inovações de estilo. Hoje, crescem nas universidades os TCCs, monografias e teses sobre essa arte onde Bashô segue sendo uma figura emblemática. Em nosso país, o que não falta são haicaístas de qualidade. Recomendar é um exagero que não ouso, mas cito alguns que já me deram prazer na leitura e muito ensinamento, como Helena Kolodi, Masuda Goga, Teruko Oda, Alice Ruiz, Leila Miccolis, Nempuku Sato, Paulo Franchetti é também uma referência, e ainda o extraordinário haicaísta catarinense Martinho Bruning (em memória), com mais de 10 livros publicados, mas injustamente esquecido. Dos haijins brazucas atuais, é impossível citar tanta gente, menciono apenas os que tem me surpreendido mais recentemente, como Benedita Azevedo, Chris Herrmann e os epifânicos haicais de Jiddu Saldanha. Mas prestem atenção nas dedicadas Isnelda Weise e Margit Didjurgeit, que em breve estarão lançando seus livros de haicais.

11) CH: Sartre defendia a tese de que a liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem. No caso da internet, como conviver com a ´avalanche artística´ onde a qualidade duvidosa e o plágio disfarçado (ou não) também são empurrados ao público como obra artística genuína? Há o que fazer?

T. d’B.: Eu não sou livre para fazer o que quero fazer, apenas para o que posso fazer e ainda devo escolher entre o que é necessário fazer. Sartre era um sujeito que sabia das coisas, e escrevia com propriedade sobre o existencialismo, embora muitos ainda hoje considerem uma sandice ele recusar o prêmio Nobel. Nessa questão aí da liberdade, parece nos lembrar o quanto somos limitados, e que toda liberdade é relativa. Não sei se O Ser e o Nada, sua principal obra, faria tanto sentido nesse mundo meio caótico do novo milênio, mas é inegável que essa questão da liberdade traz uma série de prós e contras, principalmente se o assunto for a qualidade do que é considerado arte e é despejada diariamente na Internet, sem critério, sem crítica, sem crivo, sem crime, sem nada. Cada um posta o que quiser e sempre haverá a turminha que aplaude. Quando o conteúdo é bom, os plágios acontecem, é outra praga nefanda. Mas o artista profissional é aquele que registra sua obra antes de publicar por aí, assim resguarda seus direitos autorais. O que fazer com tudo isso? Ser seletivo. Sobre o que ler/ver/ouvir. E para quem é artista, ser seletivo onde publicar. Na internet, o menos é mais, e sendo assim, pode ser muito mais.

12) CH: Você tem um público bem definido para cada tipo de manifestação artística ou se surpreende com frequência? Há algum caso curioso que queira contar ocorrido em alguma de suas exposições?

T. d’B.: Existem sim os públicos específicos, é até natural isso, mas as categorias e modalidades de expressão em que participo, vão meio que somando esses públicos. Já aconteceu de pessoas que curtem meu trabalho em gravura começarem a ler meus haicais. Ou o pessoal que lê minha prosa começar a curtir meu trabalho experimental em fotografia. Frequentemente ocorrem relatos assim, entram pela via do cordel, logo se deparam com a produção em desenho... Já a turma da moda é mais eclética, meio que gostam de tudo... Quanto às exposições, nunca aconteceu nada de tão extraordinário, até porque gosto das coisas muito bem organizadas, mas na década passada eu sempre dava um jeito de colocar atores para realizar alguma performance, geralmente com meus poemas, antes ou depois da abertura. Numa dessas, colocamos um ator nu todo coberto de lama, recitando poemas. Noutra um ator foi todo pintado de tinta metálica e ficou o tempo todo na posição de O Pensador, de Rodin, e muitos pensaram que era uma escultura. Outra vez, um ator entrou pela janela da exposição, como uma invasão, dizendo poemas a plenos pulmões. Certa vez uma atriz dizia poemas meus enquanto jogava pétalas de rosas no público. Eu mesmo, nos tempos de teatro, participei de diversas performances e intervenções, essas ações enriquecem um evento cultural, dão um ar de happening e geram interatividade entre diversas linguagens artísticas. Isso nos dá a deixa para concluir dizendo que apesar dos meios digitais de divulgação de uma produção artística, seguirei fazendo exposições físicas, e lançamentos de meus livros, pois acima de tudo, essas ações culturais promovem a coisa mais difícil nesses tempos cibernéticos: a antiga e insubstituível arte do encontro entre as pessoas.

13) CH: Como você vê a situação hoje, no Brasil principalmente, de se publicar livros impressos? Quais os prós e os contras?

T. d’B.: Vejo a situação com muito otimismo. Tenho frequentado bienais e eventos literários de porte e o que noto é um desenvolvimento do setor, começando pelas estatísticas que apontam que o brasileiro está lendo cada vez mais. Naturalmente que estamos longe da média de leitura de países desenvolvidos, mas é um fato que o povo aqui quer ler mais e publicar mais. Outro item é o desenvolvimento do que se chama de parque gráfico nacional, hoje algumas das melhores gráficas do planeta estão aqui, atendendo editores do mundo todo. E o papel já é certificado com selo de origem ambiental. Pode ser que não se deva comprar um livro pela capa, como se diz, mas os brasileiros produzem os livros mais bonitos, em termos de capa, projeto gráfico e matéria prima. Aqui, um livro é também um objeto estético. Mesmo agora com a invenção do Kindle (livro eletrônico) nosso fetiche por livros só vai crescer. Há também todo um esforço de políticas públicas no sentido de multiplicar bibliotecas, tornar o livro mais acessível, e fomentar a produção por parte de autores brasileiros. A Câmara do Livro e Leitura, coordenada pela Biblioteca Nacional é uma dessas ações. O Proler tem se consolidado. E, pululam pelas cidades do interior as chamadas academias municipais de letras, que estão aí imortalizando um monte de gente... A nota dissonante talvez seja a facilidade em se publicar um livro por aqui, basta chegar numa gráfica com uma graninha no bolso, e plim!... vira escritor da noite para o dia. Sem conselho editorial, sem estudo, sem critério, sem qualidade, muita gente apenas movida pela vaidade, publica seu livrinho para impressionar os amigos, os parentes e algum colunista social. Chique, né! Fora isso, viva a literatura brasileira contemporânea!

14) CH: O que é o belo para você?

T. d’B.: O fator beleza na arte sempre foi definido por um conjunto de conceitos complementares, como a harmonia visual, o equilíbrio cromático, composição da cena, aplicação da perspectiva e ponto-de-fuga, domínio do claro-escuro, perícia da representação da anatomia, abordagem do tema, etc. Até o início das vanguardas históricas do Séc. XX havia uma pergunta tácita que se poderia fazer diante de uma pintura: _Isto é belo? De certa forma a beleza é o que se poderia procurar em uma pintura, gravura, escultura, desenho, ou seja, nas formas tradicionais de expressão plástica. Com o advento das vanguardas, dos já citados ‘ismos’ e de toda a revolução de comportamentos que o século passado presenciou, é natural que as artes visuais não apenas se desenvolvessem, evoluíssem, mas que mudasse também a postura do observador diante de uma obra. A própria beleza passou a ser relativizada e em muitos casos o que se busca hoje em uma obra é uma emoção estética e até mesmo uma reflexão filosófica. A pergunta hoje seria: _ Isto é Arte? Esses estados de espírito podem ser encontrados, por exemplo, em obras cuja proposta seja de forte teor de protesto, um trabalho que, sem ser panfletário, seja altamente engajado. O trabalho em si não é “bonito”, mas desperta sentimentos de crítica ao assunto tratado e atitudes de mudança da realidade. Ou consideremos uma obra que desperte questionamentos quanto ao status quo vigente. Ou obras apresentadas em recursos tecnológicos sofisticados, mas conferindo forte significação em termos de identidade regional. Na contemporaneidade, talvez o belo seja apenas aquele tipo de objeto estético que enfeita paredes da burguesia alienada, combinando com a decoração. Mas arte mesmo, é aquela que transforma nossa visão do mundo, nossa relação com o homem e o modo como encaramos a vida. Evoé!

Tchello d Barros
Enviado por Tchello d Barros em 26/12/2009
Código do texto: T1996039
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