QUESTIONAMENTOS SOBRE O ROMANCE “O ECLIPSE DE SERGUEI” DE GILSON BORGES CORRÊA
Por que o nome do romance “O eclipse de Serguei”?
Serguei é um homem na faixa etária de 30 anos, cuja vida se resume numa luta constante entre o cotidiano medíocre e sua vida interior comandada por ações passadas. Trabalha num cartório e faz um turno numa biblioteca de um museu, mas parece não se sentir à vontade em lugar nenhum. Faz uma crítica feroz aos colegas, ao chefe, principalmente recheada de preconceitos, que embotam seus sentidos e pensamentos. O romance se chama “O eclipse de Serguei”, porque quando pequeno, tomado por uma curiosidade infantil, ele pretendia munido do maior interesse, assistir ao eclipse. Neste momento, porém, estava numa escada, observando uma aranha que colhia uma mosca em sua teia. Lá , costumava caçar os insetos e guardá-los num pote. Quando a empregada, uma mulher ignorante e perplexa com o fenômeno, corria para todos os lados acendendo velas, ele se desequilibrou e perdeu o eclipse. Neste mesmo dia, seu pai desaparecera para sempre de sua vida. Era um militante de esquerda, que fora delatado e preso. Foram duas perdas expressivas e com afirmara sua mãe, “Ele se foi com o eclipse, Serguei. Não tenha mais esperanças. Assim como você não viu o eclipse, nunca mais verá o seu pai. Nem a poeira de seus ossos!”. Resumindo: o eclipse é uma metáfora das frustrações e dos enganos que Serguei tivera na vida.
Em que momento ele se torna um skinhead?
Na verdade, Serguei sempre fora um skinhead, um neonazista, alicerçado numa ideologia que fortemente transmitida pela mãe, uma mulher que participara da marcha em repúdio ao comunismo, em 1964, enquanto o pai, ao contrário lutava contra a revolução militar que se transformaria na mais ferrenha e feroz ditadura. Serguei ficara com o conservadorismo da mãe, até porque um ódio inconsciente pelo pai, se alastrava em seu coração, por não entender o motivo de seu abandono. Para ele, o pai deveria ser um marginal, como sempre lhe fora apregoado pela mãe, pois jamais voltara à casa. Por conseguinte, transferia todo este ódio para os seres que representavam a escória tão criticada por sua mãe, em sua mocidade. Passou então a ampliar o limite de seu ódio aos negros, aos homossexuais, aos judeus, a todos que significavam o avesso dos conceitos de homens de bem, de acordo com os costumes, as crenças e a moral através da ótica que lhe fôra passada. A vida, porém, lhe pregara uma peça, pois a mulher que amava era uma judia. Com o passar do tempo, a pressão do grupo do cartório considerado inofensivo, aumentava gradualmente, forçando-o a assumir a postura de um homem “nobre”, que devia exercer a sua função de líder e tomar as atitudes que levassem ao extermínio da cultura cada vez mais libertária que se disseminava no país e no mundo. Por fim, ele fica completamente desorientado e se torna um verdadeiro skinhead, inclusive mudando a aparência.
Que personagens tem influência na vida do protagonista?
Incialmente, a mãe pela veemência das atitudes e principalmente pelas mensagens conservadoras e por outro lado, o pai, que através de sua ausência, o transformaram numa criança introvertida e num adulto demasiadamente crítico e desconfiado. Tinha consigo que sempre havia alguém desafiando-o ou querendo tomar partido de suas fraquezas. No cartório, o Sr. Oliveira, o chefe que influenciava em demasia as suas atitudes, até o momento em que passou também a desconfiar do seu interesse em transformá-lo num líder dentro do grupo. Anselmo, colega bajulador o irritava profundamente, mas não exercecia nenhuma influência aparente. Entretanto, quem mais causava desconforto em seus relacionamentos com o grupo era um estagiário, um rapaz íntegro, interessado no seu trabalho e em seus estudos, mas cuja etnia ia de encontro às idéias ultrapassadas e preconceituosas de Serguei. Por outro lado, o Gomes, um funcionário que se suicidara lhe lembrava comportamentos muito semelhantes ao seu, o que lhe deixava profundamente triste. Havia ainda, Dóris, a secretária, que sua aliada num projeto de eliminação da empregada, Zulmira, que praticamente o criara, mas que detestava por sua condição de ignorância, além da carga étnica, que não aceitava. Dóris, entretanto, fazia parte da Irmandande, o grande grupo que precisava de um “escolhido”, no caso, ele. Por isso, o traíra. Além dela, havia o funcionário do café, chamado Adolf Hitler, um homem estranho, que tinha um objetivo principal: transformar Serguei no líder da Irmandade. Todos obedeciam ao Venerável, um segredo de todos. Na sua vida pessoal e afetiva, havia Beatriz, a mulher que amava, a noiva que abandonara por descobrir através de um estudo de sua genealogia, que era de descendência judia. Ela seria a responsável pela revelação final, a descoberta que deveria guiá-lo a escolher um dos caminhos: aceitar que sua vida inteira havia sido uma farsa e retornar ao mundo real e sensato ou enveredar pelo caminho manipulado pelo grupo, transformando-se finalmente num skinhead. Ela seria, enfim, a sua salvação.
Há salvação para Serguei?
Talvez quando ele descubra, já seja tarde para decidir, entretanto, o segredos aos poucos são revelados e ele põe em cheque todo o grupo, mostrando quem é quem, suas fraquezas, mentiras, vilanias, falsidades. Enfim, mostra ao leitor que ele fora manipulado pelo grupo, mas dá o troco, transformando-se de caça em caçador e dando um exemplo de dignidade rara para um homem que perseguia outros homens,talvez tão fracos, tão frágeis e submissos quanto ele. Ou mais fortes, muito mais nobres. A mensagem se torna clara para o leitor, à medida em que se descobre os reais objetivos da Irmandade que faz parte do grupo do cartório e quem é o verdadeiro líder, o chamado Venerável. Quem sabe, em cada um de nós, existam preconceitos tão semelhantes ao de Serguei, preconceitos inconfessáveis, mas que tentamos lidar de modo a não nos comprometermos e seguir o senso comum, aquilo que é políticamente correto. Resta então uma esperança de repensarmos nossos conceitos, nossas intolerâncias com o outro, o outro tão próximo e tão semelhante. Talvez essa seja a salvação, de Serguei e nossa.
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