Livro de cabeceira

DC Cultura – Diário Catarinense

21 de novembro de 2009 | N° 8630

ENTREVISTA

AMILCAR NEVES

Livro de cabeceira

Para encerrar este bate-papo com o escritor catarinense Amilcar Neves, no questionário abaixo ele fala de suas preferências literárias:

DC Cultura – Qual o seu livro inesquecível?

Amilcar Neves – A Casa Verde, do Mario Vargas Llosa. Abriu-me as portas para a literatura dos vizinhos, aquela feita aqui na América Latina. Na minha edição do livro, veio junto um apêndice valiosíssimo para o leitor e, mais ainda, para o escritor: História Secreta de um Romance. O autor o chama de strip-tease. O romance em questão é o próprio A Casa Verde.

DC Cultura – Qual o seu trecho inesquecível?

Amilcar – A presença imponente da Floresta Amazônica, na verdade um personagem denso do romance, e a constatação de Vargas Llosa de que, no dia a dia, mesmo na floresta, as pessoas perdem rapidamente a lembrança de alguém que, durante um grande período, foi muito influente em suas vidas. Isto é bastante estranho para quem conheceu o sujeito, deixou-se impressionar por sua história e foi embora. É o caso de Fushía, personagem baseado no japonês Tushia, que embrenhou-se na selva peruana, tornando-se em pouco tempo um “corrupto senhor feudal, um herói macabro” – porém totalmente esquecido, apenas cinco anos após a sua morte, pelo povo da floresta que ele antes tiranizava e explorava.

DC Cultura – Qual o livro que mais o perturbou?

Amilcar – Dois: Escravos da Vida, pela idade que tinha quando o li, de Nicolai Nicolaiev. Conta a história de um casal jovem e apaixonado, cheio de planos, porém sem dinheiro, até que Jean consegue um emprego de excelente salário e seu milionário patrão vai visitar Babette em casa, angustiado porque teve um pesadelo: sonhou que a moça tinha o peito coberto por horríveis cicatrizes. Ela logo percebe o jogo e desabotoa a blusa, mostrando-lhe uns seios atraentes e perfeitos. A partir daí, o casal embarca em uma espiral de corrupção e crime. O livro é ruim. O outro é Feliz Ano Novo, do grande Rubem Fonseca. Apresentou-me à literatura brasileira contemporânea, feita da violência cotidiana. Muito tempo depois, relendo-o, descobri vestígios involuntários de Fonseca em alguns contos meus. O livro é ótimo.

DC Cultura – Qual o livro que você gostaria de ter escrito?

Amilcar – Não só ter escrito como, também, ter completado: Confissões do Impostor Felix Krull, do Thomas Mann, um dos maiores romancistas do século passado, filho de brasileira descendente de pai alemão e mãe de sangue português e indígena. Segundo Sérgio Buarque de Hollanda, o escritor alemão afirmava que essa sua porção brasileira lhe dava “certa clareza de estilo e um temperamento pouco germânico”.

DC Cultura – Qual o personagem que você gostaria de ter criado?

Amilcar – Essa é fácil: Dom Quixote. Em termos de venda: Jesus Cristo.

DC Cultura – Qual o maior livro da literatura brasileira?

Amilcar – Dos que conheço (e não são muitos...), Dom Casmurro, do velho bruxo Machado. Um mestre da dissimulação, no bom sentido (ambos, autor e personagem): até hoje se discute Capitu, e nunca chegaremos a uma conclusão sobre sua fidelidade.

DC Cultura – Qual o maior escritor da literatura brasileira?

Amilcar – Por suas virtudes de formador de legiões de leitores e incentivador indireto de muitos escritores, que passaram por sua obra entre a infância e a adolescência, Monteiro Lobato. Li três vezes todos os 17 volumes da sua coleção de literatura infantil. E virei escritor.

DC Cultura – Qual o livro você mais relê?

Amilcar – Pouca coisa. Ainda estou na fase de “primeiras leituras”. Mas revisito às vezes o Henry Miller da trilogia Sexus, Plexus e Nexus. Praticamente qualquer Miller é muito bom: parece que ele escreve com o próprio sangue e com o próprio sêmen.

DC Cultura – Qual o livro mais superestimado que você conhece?

Amilcar – Best-sellers em geral, a definição viva de superestimação, superpromoção, superdistribuição, superprodução. Uma vez li um desses e a coisa é muito ruim, inimaginavelmente ruim, tanto de enredo quanto de texto, personagens e respeito ao leitor. De título Imagem no Espelho, a autora atende pelo nome de Danielle Steel. Vende pra burro.

DC Cultura – Qual o livro mais subestimado que você conhece?

Amilcar – Todo o trabalho de dois dos nossos maiores ficcionistas, livros que podem ser lidos em qualquer lugar do planeta sem nos envergonhar, obras que precisam voltar às estantes na forma de coleções, em edições dignas da sua qualidade literária: os livros do Holdemar Menezes e do João Paulo Silveira de Souza.

DC Cultura – Qual livro merece ser adaptado para o cinema?

Amilcar – Os únicos que podem ser adaptados para o cinema são os do Paulo Coelho. Por falta de substância. E porque não são literatura.

DC Cultura – Qual livro foi adaptado para o cinema e o resultado foi frustrante?

Amilcar – Todos. Literatura e cinema são linguagens absolutamente diversas, uma trabalha com palavras, a outra, com imagens. Daí que se torna impossível transladar a riqueza do livro para o filme. E vice-versa. Diz o Penna Filho, cineasta, que um longa-metragem se faz, no máximo, de um conto; talvez de uma crônica. Não há filme que dê conta de um romance.

DC Cultura – Qual o livro que você daria de presente?

Amilcar – Especialmente para adolescentes, todos os livros com as aventuras de Sherlock Holmes, do Arthur Conan Doyle. Deveriam ser lidos na escola para desenvolver nos estudantes o raciocínio lógico dedutivo e o poder de observação. Além de criativos e bem escritos, servem à vida prática sem que a gente perceba essa serventia.

DC Cultura – Qual o livro que você gostaria de ganhar?

Amilcar – Talvez os 125 Contos de Guy de Maupassant, publicado pela Companhia das Letras. Aliás, a editora tem lançado nessa série (há um padrão de capa facilmente reconhecível) algumas importantes coletâneas de histórias curtas. Quem sabe o conto não estará voltando à moda?

DC Cultura – Qual o livro que você procura e nunca encontrou?

Amilcar – Los Lanzallamas, do Roberto Arlt. Nem em Buenos Aires o havia encontrado certa vez. Semana passada, esbarrei com ele na Feira do Livro de Porto Alegre, edição da Coleção Archivos. Junto veio Los Siete Locos, que já tinha lido em português. Encadernado em capa dura, custou R$ 10.

DC Cultura – Qual deve ser o maior mérito de um escritor?

Amilcar – Fazer com que o seu texto permaneça muito tempo na mente do leitor depois que ele fechou o livro. Fazer com que o leitor sinta a necessidade angustiante de retornar ao livro. Escrever sua obra de tal forma que a leitura seja um prazer continuado, independente da história em si que esteja contando. Provocar e desafiar o leitor.

DC Cultura – Cite um grande livro de um grande autor.

Amilcar – Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Márquez, e qualquer livro de contos do Julio Cortázar. Magistrais.

DC Cultura – Cite um grande livro de um autor pouco conhecido.

Amilcar – Mais pelo livro (que é grande) do que pelo autor (que não é pouco conhecido): O Deserto dos Tártaros, do Dino Buzzati. Como gastar a vida esperando algo acontecer que os outros, adventícios, é que vão testemunhar.

DC Cultura – Cite um livro de que você esperava gostar e que o decepcionou.

Amilcar – Cidades da Noite Escarlate, de William Burroughs. Lembro que foi me decepcionando, especialmente da metade para o final.

DC Cultura – Cite um livro de que você não esperava nada e o surpreendeu.

Amilcar – Nem é pelo autor, do qual gosto bastante no geral, mas que me parecia meio repetitivo a cada livro seu que eu lia. De repente, cai-me às mãos Pico na Veia, do Dalton Trevisan. Caramba! Vale a pena, é uma delícia. Aliás, delícia é ler. Sempre. Cem Anos de Solidão, do Gabriel García Márquez, e qualquer livro de contos do Julio Cortázar. Magistrais.

DC Cultura – Cite um grande livro de um autor pouco conhecido.

Amilcar – Mais pelo livro (que é grande) do que pelo autor (que não é pouco conhecido): O Deserto dos Tártaros, do Dino Buzzati. Como gastar a vida esperando algo acontecer que os outros, adventícios, é que vão testemunhar.

DC Cultura – Cite um livro de que você esperava gostar e que o decepcionou.

Amilcar – Cidades da Noite Escarlate, de William Burroughs. Lembro que foi me decepcionando, especialmente da metade para o final.

DC Cultura – Cite um livro de que você não esperava nada e o surpreendeu.

Amilcar – Nem é pelo autor, do qual gosto bastante no geral, mas que me parecia meio repetitivo a cada livro seu que eu lia. De repente, cai-me às mãos Pico na Veia, do Dalton Trevisan. Caramba! Vale a pena, é uma delícia. Aliás, delícia é ler. Sempre.

DORVA REZENDE

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 26/11/2009
Código do texto: T1944592
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