A VOZ DAS RUAS - ARCANJO ISABELITO SALUSTIANO
Foram mais de 80 horas de gravação. Demorou mais de dois meses a edição da entrevista. Ele falou coisas impublicáveis, cada expressão, cada palavra de baixo calão dirigida para o alto escalão... E ainda queria que tudo saísse do jeitinho que foi dito. O acordo não foi fácil. Em compensação nada foi fruto de ato secreto.
Ele não é famoso, mas vai que vira de uma hora para outra? Flash pra todo lado, microfones em profusão, aquela coletiva, ou aquela exclusiva. Nada disso comove nem demove o Arcanjo de seu anonimato feliz e provocador. Portanto resolveu dar essa entrevista apenas para seu pai. Para ficar em família, guardada junto com o álbum de fotografias para quando se for, servir de sobremesa filosófica para aqueles momentos de nostalgia da família reunida depois do almoço de um domingo qualquer.
- Arcanjo, meu filho, por que essa implicância com a modernidade?
- Tudo começou com os cachorros. A partir da observação da forma como as pessoas vêm tratando os cachorros ultimamente. Comecei a botar o pé atrás quando aquele ministro disse que o cachorro era um ser humano como qualquer outro. Esse pessoal que se declara defensor dos animais já pensou que, tirando os bichos de seu habitat, de seus costumes estão é lhes fazendo mal? Cachorro gosta de roupa desde quando? Gosta de dormir em cama, de escovar os dentes, de passar perfume? Ou isso é para agradar ao dono? Aquela pelagem que nasce com eles, é exatamente para se adaptarem às intempéries. Aí inventaram a tosa e as roupas para cães. Isso é defender animais? Ou satisfazer a vaidade insana dos sonhos? Quero dizer que adoro cachorros, viu?
- Como é essa sua mania de ver o outro lado das coisas?
- Qual deles? O obscuro ou o mal resolvido? O impublicável ou o indizível?
Há uma diferença entre o desconhecido e a desconfiança. O meu caso é o segundo. Filosofar a partir da desconfiança o resultado é mais confiável. Se bem que resultados em filosofia são sempre uma resposta só: o eterno retorno.
Por que essa filosofia das ruas?
- Olha, já teve a Velhinha de Taubaté (já ouviu falar?) Aquela que acreditava em todos os políticos. Já teve o deputado Justo Veríssimo (aquele que inspirou a expressão “Tô me lixando pro povo”). Já teve até o General, que ficara em coma seis anos e não acreditava nas notícias que recebia do Brasil quando recuperou a consciência ( aquele do “me tira o tubo”, lembra?). Já teve o bordão do Brasilino Roxo (“só se for na França”, declarando-se incrédulo com acontecimentos sinistros no Brasil). Então, o Arcanjo é uma soma disso tudo. Claro que com o ingrediente essencial das ruas, das casas e do mundo do trabalho, que é onde a virtualidade se manifesta de maneira palpável.
O que você acha da educação?
- Um grande negócio particular e um péssimo negócio para o público.
- E da violência?
- Um grande negócio para as empresas, um bom cabo eleitoral para o poder público, um horror para o público em poder da violência.
- E sobre o conhecimento, as informações que chegam aos borbotões para nós a todo instante?
- A tecnologia é uma coisa fantástica, olhando do alto da ambição humana de dominar a natureza e por conseqüência os semelhantes. Antes, para dominar um território novo era necessário deslocar milhares de homens num exército a pé, a cavalo, de navio e guerrear até escorrer a última gota de sangue do dominado. Aí, fomos evoluindo para as guerras aéreas, as bombas... Agora, basta um toque no teclado em qualquer computador potente de uma bolsa de valores poderosa e todo mundo sabe onde é o caminho do dinheiro. Todo mundo que eu digo é o mesmo todo mundo de sempre. Só vão deixando heranças para suas proles. O dinheiro é volátil mas o poder é concreto. Tem melhorado muito a humanidade em geral, desde que você esteja interessado em um negócio, em alguma “oportunidade imperdível” como dizem nos comerciais. Não há mais mistério em nada, nada mesmo.
Vou lhe dar o exemplo do desconhecido, do misterioso. Já transformaram até assombração e outras crenças no além em negócio rentável. Estão agora explorando o turismo em lugares que antes eram impenetráveis, cheios de mistérios que a nossa ignorância chamava de paranormais.. Aquele livro maravilhoso do Gilberto Freyre, “Assombrações do Recife Velho”, agora virou “case” para turismo na cidade. Ganham dinheiro com as histórias. Coitado do Freyre, deve estar revirando no túmulo! Pode ir lá para conferir, nem cemitério mete mais medo hoje em dia.