Escrever corretamente garante segurança na continuidade da assistência
(Entrevista concedida à Revista de Enfermagem - Ano 10, nº 82, setembro de 2009 e da qual sou colunista)
Quando alguém toma a decisão de seguir, como carreira profissional, a Enfermagem, já sabe que terá que conhecer e se aprofundar em assuntos da área chamada “Ciências Biológicas”. Mas dificilmente este candidato a futuro Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Enfermagem ou Enfermeiro leva em consideração que a comunicação, em especial, a comunicação escrita, também desempenhará um importante papel em suas atividades diárias. E a Enfermagem escreve muito. Registra os passos dados junto a cada um de seus pacientes. Embora a escrita esteja presente na vida de todos os profissionais, muito não se sentem confortáveis ao se expressar, através da palavra escrita, em especial nas obrigatórias – e fundamentais – anotações de Enfermagem. Sabem que é necessário escrever bem, mas se preocupam, por não saberem escrever adequadamente.
“Escrever bem não é, necessariamente, escrever bonito. É escrever de acordo com o que se quer dizer. E isso nem sempre acontece”. O alerta é dado pelo Professor de Língua Portuguesa Nelson Maia Schocair. Com 25 anos de atuação nas áreas de Revisão Gramatical, Instrução Linguística e Consultoria em Língua Portuguesa, Redação Oficial e Jurídica, o Professor, Imortal da Academia de Letras do Brasil e autor de quatro obras sobre a Língua Portuguesa, recomenda que, em relatórios, é muito importante esquecer o lado belo das palavras e trabalhar com o lado prático delas. “Saber usar a palavra dentro do contexto é fundamental”, garante Nelson Maia.
O Professor recomenda aos profissionais de Enfermagem que, quando não tiverem certeza sobre qual palavra usar, não escolher a mais rebuscada. Usar a mais simples. E Nelson Maia exemplifica:
“Imagine que, dentro de um determinado processo, queiramos indicar que desejamos ‘ratificar’ um acordo, por exemplo. Por que não escrever, simplesmente, ‘confirmar’? O que pode acontecer? Não se pesquisa, queremos escrever bonito, e usamos o ‘retificar’, ou seja, ‘corrigir’ o acordo. E todo um processo que já caminhava para sua finalização será reiniciado, como consequência do uso da palavra incorreta”.
Neste exemplo, novamente a confirmação de que não é necessário escrever bonito. É necessário escrever com precisão.
Uma vírgula
As dificuldades com a escrita, para as equipes de saúde podem representar muito mais do que mal-entendidos. Como cada anotação de enfermagem é acompanhada por todos os membros da equipe multiprofissional responsável pela assistência, um equívoco, um mau uso de palavras, podem gerar danos ao paciente. Mas existem também os erros de pontuação, que mal formulada, pode alterar totalmente o sentido de uma frase. Para Nelson Maia, o mau uso da vírgula é um caso clássico de modificação de mensagens. O Professor usa, como exemplo, uma frase que faz um comentário sobre pacientes que tomam pílulas anticoncepcionais com frequência:
“Se dizemos, numa frase, que ‘mulheres que tomam anticoncepcionais com frequência têm mais dificuldade de engravidar ao longo do tempo’, esta mesma frase pode estar com vírgulas ou sem vírgulas. Sem a vírgula, esta frase informa que as mulheres que tomam pílula com frequência, têm dificuldade de engravidar, deixando implícito que, aquelas que não tomam, não têm dificuldade essa dificuldade - mas isso, sabemos que não é verdade, pois existem mulheres que não tomam pílulas e encontram problemas em engravidar. Mas, por outro lado, se a intenção é frisar um ponto específico da frase, coloca-se o trecho entre vírgulas. No caso da frase anterior, ‘mulheres, que tomam anticoncepcionais com frequência , têm mais dificuldade de engravidar ao longo do tempo’, deixa claro que se quer dizer que todas as que consomem pílulas têm dificuldades para engravidar, mas não exclui a possibilidade de que as mulheres que não tomam, também tenham problemas para conseguir uma gravidez”.
Fechando o trecho da frase com vírgulas, trabalha-se o contexto específico contido entre as vírgulas. Se forem eliminadas as vírgulas, trabalham-se o conceito interno e o conceito externo da mensagem; com aquilo que está escrito e com o que a escrita deixa subentendido, sugerido. E, Dependendo de como se coloca esta pontuação, dentro do texto, numa informação de um prontuário, por exemplo, o profissional pode comprometer a saúde de um paciente. O restante da equipe pode não entender, exatamente, o que o profissional responsável por registrar a informação quis dizer.
Não escrever só para si, mas para a equipe
O trabalho na área da saúde acontece quase que exclusivamente em equipe. Tento este fato em mente, o profissional de enfermagem precisa se lembrar de que ele não é o único responsável pelo paciente. Deve sempre se lembrar de que faz parte de uma equipe e que, após o seu plantão, ele deixará aquele paciente para o colega do plantão seguinte, que vai dar continuidade à assistência. “Se o profissional não escreve bem, se ele não sabe se comunicar com a qualidade que deveria – frisando que não é necessário escrever bonito, mas, sim, com precisão – ele poderá deixar aquele paciente vulnerável a interpretações corretas e incorretas, devido a uma escrita mal formulada”, conclui o professor.
Nota da Redação: A partir da próxima edição da Revista Enfermagem, o Professor Nelson Maia Schocair contará com um coluna bimestral, com dicas práticas sobre como utilizar corretamente a Língua Portuguesa no dia a dia da enfermagem.
(Entrevista concedida à Revista de Enfermagem - Ano 10, nº 82, setembro de 2009 e da qual sou colunista)
Quando alguém toma a decisão de seguir, como carreira profissional, a Enfermagem, já sabe que terá que conhecer e se aprofundar em assuntos da área chamada “Ciências Biológicas”. Mas dificilmente este candidato a futuro Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Enfermagem ou Enfermeiro leva em consideração que a comunicação, em especial, a comunicação escrita, também desempenhará um importante papel em suas atividades diárias. E a Enfermagem escreve muito. Registra os passos dados junto a cada um de seus pacientes. Embora a escrita esteja presente na vida de todos os profissionais, muito não se sentem confortáveis ao se expressar, através da palavra escrita, em especial nas obrigatórias – e fundamentais – anotações de Enfermagem. Sabem que é necessário escrever bem, mas se preocupam, por não saberem escrever adequadamente.
“Escrever bem não é, necessariamente, escrever bonito. É escrever de acordo com o que se quer dizer. E isso nem sempre acontece”. O alerta é dado pelo Professor de Língua Portuguesa Nelson Maia Schocair. Com 25 anos de atuação nas áreas de Revisão Gramatical, Instrução Linguística e Consultoria em Língua Portuguesa, Redação Oficial e Jurídica, o Professor, Imortal da Academia de Letras do Brasil e autor de quatro obras sobre a Língua Portuguesa, recomenda que, em relatórios, é muito importante esquecer o lado belo das palavras e trabalhar com o lado prático delas. “Saber usar a palavra dentro do contexto é fundamental”, garante Nelson Maia.
O Professor recomenda aos profissionais de Enfermagem que, quando não tiverem certeza sobre qual palavra usar, não escolher a mais rebuscada. Usar a mais simples. E Nelson Maia exemplifica:
“Imagine que, dentro de um determinado processo, queiramos indicar que desejamos ‘ratificar’ um acordo, por exemplo. Por que não escrever, simplesmente, ‘confirmar’? O que pode acontecer? Não se pesquisa, queremos escrever bonito, e usamos o ‘retificar’, ou seja, ‘corrigir’ o acordo. E todo um processo que já caminhava para sua finalização será reiniciado, como consequência do uso da palavra incorreta”.
Neste exemplo, novamente a confirmação de que não é necessário escrever bonito. É necessário escrever com precisão.
Uma vírgula
As dificuldades com a escrita, para as equipes de saúde podem representar muito mais do que mal-entendidos. Como cada anotação de enfermagem é acompanhada por todos os membros da equipe multiprofissional responsável pela assistência, um equívoco, um mau uso de palavras, podem gerar danos ao paciente. Mas existem também os erros de pontuação, que mal formulada, pode alterar totalmente o sentido de uma frase. Para Nelson Maia, o mau uso da vírgula é um caso clássico de modificação de mensagens. O Professor usa, como exemplo, uma frase que faz um comentário sobre pacientes que tomam pílulas anticoncepcionais com frequência:
“Se dizemos, numa frase, que ‘mulheres que tomam anticoncepcionais com frequência têm mais dificuldade de engravidar ao longo do tempo’, esta mesma frase pode estar com vírgulas ou sem vírgulas. Sem a vírgula, esta frase informa que as mulheres que tomam pílula com frequência, têm dificuldade de engravidar, deixando implícito que, aquelas que não tomam, não têm dificuldade essa dificuldade - mas isso, sabemos que não é verdade, pois existem mulheres que não tomam pílulas e encontram problemas em engravidar. Mas, por outro lado, se a intenção é frisar um ponto específico da frase, coloca-se o trecho entre vírgulas. No caso da frase anterior, ‘mulheres, que tomam anticoncepcionais com frequência , têm mais dificuldade de engravidar ao longo do tempo’, deixa claro que se quer dizer que todas as que consomem pílulas têm dificuldades para engravidar, mas não exclui a possibilidade de que as mulheres que não tomam, também tenham problemas para conseguir uma gravidez”.
Fechando o trecho da frase com vírgulas, trabalha-se o contexto específico contido entre as vírgulas. Se forem eliminadas as vírgulas, trabalham-se o conceito interno e o conceito externo da mensagem; com aquilo que está escrito e com o que a escrita deixa subentendido, sugerido. E, Dependendo de como se coloca esta pontuação, dentro do texto, numa informação de um prontuário, por exemplo, o profissional pode comprometer a saúde de um paciente. O restante da equipe pode não entender, exatamente, o que o profissional responsável por registrar a informação quis dizer.
Não escrever só para si, mas para a equipe
O trabalho na área da saúde acontece quase que exclusivamente em equipe. Tento este fato em mente, o profissional de enfermagem precisa se lembrar de que ele não é o único responsável pelo paciente. Deve sempre se lembrar de que faz parte de uma equipe e que, após o seu plantão, ele deixará aquele paciente para o colega do plantão seguinte, que vai dar continuidade à assistência. “Se o profissional não escreve bem, se ele não sabe se comunicar com a qualidade que deveria – frisando que não é necessário escrever bonito, mas, sim, com precisão – ele poderá deixar aquele paciente vulnerável a interpretações corretas e incorretas, devido a uma escrita mal formulada”, conclui o professor.
Nota da Redação: A partir da próxima edição da Revista Enfermagem, o Professor Nelson Maia Schocair contará com um coluna bimestral, com dicas práticas sobre como utilizar corretamente a Língua Portuguesa no dia a dia da enfermagem.