“Bendito o que semeia livros”, é o lema de Valdeck Almeida


A produção da literatura baiana anda a passos lentos. Depois de João Ubaldo, Jorge Amado e Castro Alves, para citar alguns dos grandes escritores da Bahia, o que se tem no estado é produção independente, de autores que lutam uma batalha diária para colocar no mercado suas obras. Um desses batalhadores é Valdeck Almeida de Jesus, jequieense, 43 anos, que nos conta um pouco de sua vida nessa entrevista.
 
Nadja Pereira - Como é o mercado editorial baiano? Quais são os números do mercado editorial baiano?
 
Valdeck Almeida - Não posso te responder sobre o mercado editorial nem sobre os números. A minha experiência é frustrante. Não temos editoras que publique, divulguem, vendam. Não há investimento dos empresários do ramo em autores locais. O que se tem é livrarias que comercializam os grandes autores brasileiros que ‘vendem’. Dentre eles podemos citar Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Estes escritores, no entanto, não são publicados na Bahia. Todos os grandes escritores trabalham somente no eixo Rio-São Paulo, pois somente ali há empresas que planejam para o Brasil. As poucas gráficas – e não editoras, que existem na capital da Bahia apenas imprimem os livros e os entrega ao autor, que deve promovê-los, distribuí-los, vendê-los, fazer lançamento, divulgação etc. Não conheço uma só empresa baiana que trabalhe profissionalmente a cadeia literária. Há pequenos trabalhos como o da Via Literarum, de Itabuna, mas mesmo assim não acredito que ela consiga projeção nacional. Os livros baianos só chegam ao resto do Brasil se o próprio autor levá-los, ou debaixo do braço, ou encaminhá-los para críticos ou jornalistas do restante do país.
 
A questão da agilidade, num mundo competitivo como o atual, conta muito. Eu já enviei material para orçamento em gráficas de Salvador e esperei mais de seis meses por uma resposta, e outras vezes fiquei esperando eternamente. Quando envio livros a São Paulo ou Rio para um orçamento, as empresas de lá me encaminham o projeto pronto em dois ou três dias. Eu trato de correção de texto, de edição, capa, miolo etc e até publicação, divulgação e vendas através da internet. As distâncias dos grandes centros são diminuídas com tecnologia. O fato de estar perto, fisicamente, das empresas de Salvador não me auxilia em nada. Muito pelo contrário, as pessoas tratam do seu trabalho com desdém, como se fosse apenas “mais um cliente, ou menos um cliente”. Não há preocupação se você ficou ou não satisfeito com o resultado do trabalho, com raríssimas exceções.
 
Imprimir um monte de livros e levá-los para casa, sair de porta em porta tentando vendê-los é frustrante. O escritor precisa de um tempo muito grande para refletir, pesquisar, escrever, reescrever, editar, etc e não pode e nem deve sair vendendo livros (que é função das livrarias), nem fazendo entrega (que é função dos distribuidores).
Outra questão crucial do escritor baiano é a divulgação do seu trabalho. Não há critérios sérios para seleção e divulgação da literatura baiana. Aliás, não há divulgação alguma. O que acontece é que, quando um escritor, individualmente, por razões aleatórias, é alçado à mídia, aparecem os ‘empresários’ interessados em pegar carona na fama e nos prováveis lucros financeiros que advirão daí. Mas projetos da iniciativa privada ou dos gestores públicos, não há. Os livros de autores baianos não são adotados nas escolas públicas da prefeitura nem do estado, não se comenta o conteúdo dos livros nos vestibulares, ou seja, estão todos os poetas, escritores e cordelistas largados ao léu.
 
Vivemos num mundo capitalista em que os empresários querem lucros imediatos e não investem em projetos a longo prazo. Livro e literatura são projetos a longo prazo. Assim como teatro, música, e arte em geral.
 
Por não me sentir confortável e valorizado, nem mesmo como cliente, sem se falar em ‘arte’, que eu prefiro editar, publicar e divulgar meus trabalhos no sul do país.
 
Nadja Pereira - Qual a receptividade do público baiano com os autores locais?
 
Valdeck Almeida - O leitor só recebe aquilo que lhe é oferecido. A música baiana é bem recebida pelos baianos (talvez só pelos baianos). Mas o livro e os autores locais não são conhecidos. Pergunte a dez pessoas quais os maiores autores da Bahia. Acredito que a maioria vai responder “Jorge Amado”. Mas ele não é o único. Ele teve projeção devido a conjunturas, a circunstâncias. Outros há, e bons, mas só se conhece, na atualidade, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Até arrisco a dizer que o Ubaldo não é muito conhecido como ‘baiano’, mas como escritor do Brasil.
 
Os escritores Hugo Homem, Antônio Cedraz, Carlos Vilarinho, Aurélio Shommer, Léo Dragone, Roberto Leal, Fátima Trinchão, Carlos Conrado, Domingos Ailton, Luís Cotrim, Deodato Astrê, Ivonildo Calheira, Vanise Vergasta, Euclides da Luz, Carlos Alberto Barreto, José da Boa Morte, Carlos Ventura e tantos outros nunca são citados, procurados, elogiados. Por quê? Porque não interessa ao sistema, pois não estão ‘alinhados’ com as políticas de concentração de renda praticada no país, pois não apóiam o status quo.
 
Nadja Pereira - Qual o processo para publicar um livro e distribuí-lo no estado?
 
Valdeck Almeida - O processo é o mesmo em todo lugar. Primeiro tem que haver um texto digno de publicação. E na Bahia há muita gente boa escrevendo muita coisa de boa qualidade. Depois, esse texto precisa ser corrigido, ortográfica e gramaticalmente, adaptado, se for o caso. Em seguida, o livro precisa ser editorado, receber capa, ilustrações, prefácio, índice, contracapa, ser registrado na Biblioteca Nacional, conter uma ficha catalográfica e código ISBN, bem como fazer o depósito legal (envio de dois exemplares à Biblioteca Nacional – isso depois de publicado). Após as correções e aprovações do escritor e da editora, o livro vai para a gráfica, é impresso e:
 
a) Distribuído às livrarias;
b) Entregue ao escritor, que os leva pra casa e não sabe o que fazer com a montanha de papel amontoada na sala;
No caso de editoras sérias, há contratação de distribuidores, que coloca os livros em livrarias do país inteiro. No caso de ‘gráficas’, que na Bahia também tem muitas, não há distribuição.
 
Nadja Pereira - Qual a maior dificuldade? Encontrar bons e novos autores ou a distribuição?
 
Valdeck Almeida - A dificuldade maior é distribuir, divulgar, fazer publicidade, fazer o livro chegar às escolas, às mãos dos leitores. Autores bons a Bahia tem centenas ou milhares.
 
Nadja Pereira - A maior parte dos livros é vinda das editoras do Sudeste? Por quê? Maior produção?
 
Valdeck Almeida - Acredito que seja por maior produção e por existir ali muitas editoras que se interessam por publicar trabalhos sérios e divulgá-los.
 
Nadja Pereira - Qual a ligação com as universidades para descobrir novos talentos? 
 
Valdeck Almeida - As universidades baianas estão mais interessadas em apenas formar novos profissionais nas diversas áreas e há pouco investimento no fomento à cultura e à literatura. Talvez por falta de verba, talvez por má aplicação dos investimentos. Uma coisa é certa, a produção literária poderia ser incrementada se, pelo menos, as universidades estaduais e a federal se engajassem em projetos culturais de produção de textos literários, concursos literários, publicação, debate dos textos de autores locais, etc. A academia, infelizmente, se distancia da realidade, da vida cotidiana e fica discutindo ramos teóricos que nem sempre resultam em benefícios concretos à comunidade.
 
 
Nadja Pereira
nadjapereira@live.com
 

Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 29/08/2009
Reeditado em 29/08/2009
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