12/06/2009
No primeiro período, notei as seguintes debilidades de estilo:
1 - A autora uso o verbo ser três vezes (sugiro substituir pelo menos uma forma):
Sou asas
Sou doce ilusão!
São tantos pássaros
2 - Os lugares-comuns --- traiçoeiros clichês --- se fazem presentes:
Asas a ruflar
Doce ilusão!
3 – Faltou a preposição de no segmento abaixo:
Na mais fantástica odisséia (de) que já se teve notícias.
Vejam que a frase equivale a outra, de semelhante estrutura (apenas exemplo):
Na mais fantástica odisséia da qual já se teve notícias.
No segundo período, outra expressão tão consagrada que já cansou:
Alçar voo.
No terceiro período, cabe um artigo a na porção:
Em toda (a) minha ansiedade
No quarto período, de novo o uso cansativo de um mesmo verbo:
Percebo então carruagens
E sem perceber
E no sexto período, houve as seguintes falhas:
1 - Faltou uma preposição por no segmento abaixo:
Cordas douradas (por) que descem anjos
Ou, numa reescritura (opcional, puro exemplo) pode-se ter:
Cordas douradas pelas quais descem anjos (pelas = por + as)
2 – Acenderão é verbo pronominal. Assim, a frase fica: Mais luzes se acenderão.
***
Ressalto que o quarto e o quinto períodos se encontram numa dimensão de inexcedível valor artístico.
O sugestivo título só de leve toca as ondas do mar de evocações --- embora seja pertinente, já que faz sentido no e para o todo do texto.
Não se vislumbra, salvo engano, a realização de qualquer profecia.
O texto é narrativo, descritivo e dissertativo, quanto à classificação dos tipos de texto. Há predominância do tipo narrativo, evidenciado por verbos de ação:
Ouso juntar-me,
alçar vôo,
sento-me,
encolho-me,
percebo,
ouço,
chegam,
descanso meus músculos,
vejo,
descem,
desfilam...
Para o texto: A Profecia das Cordas Douradas
(excluído pela Lu)
06/06/2009
A inesperada substituição de cheio por obeso surpreende, confirmando a essência do estranhamento literário.
o guarda-roupa obeso de peças finas
Do mesmo modo, em
gavetas cheias de glamour e pó de arroz
esperava-se ler cheias de algo material, palpável e não de um conceito (glamour).
A expressão “pintando o sete” dá uma conotação de marotice, de sapequice e tanto --- embora exista o ato de pintar o sete. E/ou até por isto.
Assim, deslocando o sentido literal dos termos, você refaz o nosso percurso de leitura. Parabéns!
(comentário obviamente provisório)
Para o texto: Depois da Fama
(excluído pela Lu)
31/05/2009
O que parecia a singeleza despretensiosa de um haikai se apresenta como uma lição poética de vida. Como títulos enganam...
Maduro, ponderado, reflexivo, consciente do poder devastador do convívio social é seu poema.
E isto posto com uma economia verbal e um poder de síntese únicos.
Difícil esquecer sua literatura.
Para o texto: Efeito Mandrake
(excluído pela Lu)
31/05/2009
Estrutura-se o conto numa larga simbologia, expressa em elocuções como:
“túnel das pedras” [trechos da vida?]
“por do sol do dia último”
“Espiei através da fechadura dos anos”
“refração dos espelhos”
“enquanto a urna estivesse aberta”.
“Eles (os irmãos) separando-se em capítulos”
“Lilith guardou o corpo de Leon em uma urna sem tampa”
A história, tão criativa, se perde em indefinições, numa confusão de relatos desencontrados.
Isto atrapalha a sua apreciação estética, pois temos que lê-la bastantes vezes, para enfim entendê-la e nos decepcionar.
E por que nos decepcionamos? Porque o que pareciam mistérios fulgurantes, não passam de extensões verbais oriundas da incompetência e desleixo da escritora.
Faltaram frêmito, lógica, chamas vivas, releituras, reescrita.
Isto fora alguns solecismos.
Personagens mal construídos e com pouco a dizer em tão interessante história.
Apenas alerto que esses “relatos desencontrados” acima aludidos fazem parte da Literatura, desde os seus primórdios gregos e latinos. Corrigiria eu para “relatos entrecruzados”, que possibilitam uma narrativa complexa e fascinante. Guerra e Paz, de Leon Tolstoi, é talvez seu modelo maior.
Afrânio Coutinho se debruça sobre esse assunto em seu Notas de Teoria Literária, apontando-os como um bom recurso literário.
Logo, incentivo a jovem Lu Cavichioli a intensificar o seu uso.
Notas:
1 - Sobre ‘diálogos de um monólogo’, a Lúcia mandou um e-mail:
"Oi Professor, bom dia!
Gostei imenso da idéia em dramatizar os fragmentos desses diálogos. Fiquei aqui, imaginando alguém falando para o alto e além, gesticulando para o nada e deixando escorrer toda emoção contida nas linhas da saudade. Nossa, seria o máximo.
Ah, mas te escrevo também pra perguntar se gostaria de ler a série toda e claro, fazer sua análise substanciosa e nutritiva que alimenta minhas palavras que ainda não nasceram.
É uma série singular, algo como um devaneio de alguém (eu) ,que precisa urgente dar um jeito nessa "marvada" saudade. Rsrs
Se quiser ler me avise que envio o arquivo.
beijão e obrigada pelas aulas/comentários.
Lu C."
2 - Lu possui contos publicados em várias coletâneas cooperativas. E um livro solo: Re(cantos) de mim (antologia poética). All Print Editora, SP, 2008.
Para o texto: Travessia (conto)
(excluído pela Lu)
31/05/2009
O conto, por bom, possibilita várias abordagens. Dele hoje direi apenas que você humanizou a matilha (que a acolheu, defendeu, protegeu enquanto pôde e ainda se acercou, lastimosa, de você já moribunda).
E você pôs a humanidade cruel e indesejável na região que desde o início dos tempos lhe reserva o Fado: o fim do Universo.
Um dos mais tocantes e perfeitos contos que já li na Internet --- metáforas em cascatas, sensibilidade cristalizada em inequívocas palavras de ouro. Jóias e mais jóias. Confundem nossa cobiça. Conto relível para sempre.
Originalidade quase absoluta, sem vestígios visíveis de intertextualidade (o que não a desmereceria).
Narrativa convincente porque carregada de sentimentos e conceitos transformados em pura arte literária.
E disse eu o mínimo, por ora...
Para o texto: Lua de Lobos (conto)
(excluído pela Lu)
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O sono da bailarina (conto)
Do tempo
Lu dividiu bem as noções de narrador, tempo, espaço, ambiente, personagens e enredo.
Mesclou presente e passado (flashback) (*), num seccionamento inteligente, enriquecendo a narrativa, dando-lhe toques de nostalgia e profundidade. Essa mescla faz o narratário meditar, expandindo as fronteiras da compreensão da história.
A tensão, suspensa, é retomada ao final, quando se revela o motivo do pânico da família: a morte inesperada da avó bailarina.
Há dois clímax: no início da narrativa (primeiro período) e no seu final, quando se narra a tragédia completa.
A narradora-personagem dá destaque à avó, reservando-se uma participação discreta na trama. Comme il faut.
Conto autobiográfico, com predomínio lógico da subjetividade (“eu acho”, “eu sinto”...). Há nele cenas de pura dignidade, afeto sublime e uma graça bem simples e imaculada.
Do ponto de vista
O ponto de vista (ângulo, foco) agrega, portanto, um viés pessoal, singular. O foco narrativo permite que outras vozes, além das da narradora, se manifestem.
A narração em primeira pessoa permite uma visão particular dos fatos, enquanto que a terceira propicia uma visão panorâmica, porque aí o narrador é onisciente: tudo sabe, tudo vê, tudo conta.
Há dois ambientes básicos: o lar e o teatro. Afora a manhã neblinosa e a noite estrelada.
Do discurso
O discurso, esse é quase sempre direto, reproduzindo a fala da avó e marcando (indicando) falas de outros personagens.
A alguns verbos, que explicitam o modo de alguém se expressar, denominamos verbos de elocução: dizer, afirmar, perguntar, falar, comentar, gritar...
Amparam as vozes do discurso direto.
Da coerência e coesão
A coerência, tão presente, se consolida pela sucessão contínua e harmoniosa das ideias, externadas obviamente por vocábulos que constroem, que delimitam o texto. Cada fragmento esclarece e justifica o anterior. Isto ainda no campo das ideias, no âmbito do conteúdo.
Já a coesão, também aí poderosa, administra o império da palavra cavichiolina, enquanto elemento escrito, vinculante de ideias, visível a olho nu: verbos, nomes, pronomes, pontuação... Isto já no âmbito da forma.
Dos tipos textuais
Predominam -- ou, antes, amalgamam-se -- na estrutura do conto a descrição, a exposição e a narração.
Palavras semifinais
Este seu conto, verdadeira profissão de fé, cativa e enleva. O título, como um baile de quinze anos, de debutantes, é de uma leveza surpreendente e nos remete a um clima de alegria límpida como os cristais da festa, lembrada através da distância da saudade...
Inusitado: um crítico, predestinado a criticar, analisar, desmantelar, rasgar, deletar, recusar ou até exaltar livros, manifestando-se em gratidão por uma leitura.
Pois é o caso: agradeço à escritora por esta peça tão bordada no ar, tão em repouso sobre as névoas da evocação, tão ancorada em nossos portos eternos, semprais.
Chegando de longínqua (e agradabilíssima) viagem, peguei ao acaso o Livro de família, abrindo direto na sua colaboração.
--- Uma breve leitura - ponderei. - Só enquanto a água do café ferve. Sem surpresas, já que o li duas vezes...
Não foi breve. Nem superficial. Nem apática. Foi um contínuo nó na garganta – mercê da sua inteligente técnica narrativa, seleção de palavras e concisão espartana. Como se vê, a emoção jorrou não de mim, mas do conto.
Ao final as lágrimas, reprimidas a custo, rebentaram, como “rebentam em estrelas de ternura” (Cruz e Sousa).
Decidi não enxugá-las, sozinho nesta casa de seis cômodos vazios, sitiada de insistentes ventos murmurantes.
Pela primeira vez na vida. Daí a pouco, aí sim, diluíram-se nas quase tão límpidas águas do banho.
Fonte:
Livro de família (diversos autores).
72 p. All Print Editora, SP, 2008.
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(*) Flashback: Lembrança do passado; recordação repentina e involuntária. Retrospecto, narração de fatos anteriores.