ENTREVISTA COM NESTOR TANGERINI
ENTREVISTA COM NESTOR TANGERINI
(Jornal e jornalista não identificados)
Ocasionalmente, ou intencionalmente, não importa como, o fato é que nos encontramos com Tangerini e, sabedores da existência de sua nova revista, Ganhando tempo..., pedimos-lhe algumas referências a respeito desse seu último original. E assim falou Tangerini:
- Não começarei dizendo que a minha peça é boa, não por modéstia, e sim porque outro não pode ser o juízo que faço do meu trabalho: os pais que têm filhos feios é que sabem o quanto esses filhos são bonitos... Para que a minha revista agradasse, mas agradasse em cheio, só desejava uma cousa: que o público fosse o autor da minha peça... Eu deveria terminar as minhas palavras com esse final. Já vê que começo pelo fim, à maneira de certos sonetistas, que fazem as chaves primeiro... O amigo me compreende... Talvez não perceba aonde quero chegar... Mas não descreia de mim, nem da República Nova... Não pense que sou maluco... Pode ficar certo de que não estou muito, muito...
- O que, maluco?
- Não: certo... E eu mesmo sinto necessidade de não regular muito bem... Do contrário, todos me compreenderiam, o que seria lastimável...
- Então, a sua peça?...
- Sim, a minha peça é um produto deste meu modo de ser. É uma demonstração de que o equilíbrio original da criação depende do desequilíbrio do criador... Não quero dizer com isso que a peça seja inacessível ao público, embora com isso queira dizer que tem muita coisa nova, fora do comum, extravagante mesmo. É uma espécie de mulher, que não compreendemos bem, ou compreendemos mal, e, por isso mesmo, nos atrai e encanta, levando-nos a bolsa e, às vezes, a própria vida... Não se depreenda daí que Ganhando Tempo... vá matar alguém na cabeça... Ganhando Tempo..., no entanto, é um trabalho de chamar a assistência, não a Assistência Pública, mas o público-assistência, que se diverte, que folga, que gosta do Recreio... É uma peça que fará o público assisti-la duas vezes pelo menos, pois foi escrita para ser revista, revista que ninguém não viu... Digo isso... O público já está cansado de acreditar nas novidades do front de certos autores, originalíssimos autores, que seriam capazes de classificar de inédita a própria repetição do pecado original... Autores que lembram esses cavalheiros que usam isqueiros e chegam a casa com os bolsos cheios de fósforos... Excesso de distração... Deficiência de fósforo na cabeça e demasia de fósforo dos outros nas algibeiras... Certos autores que trituram o bagaço de cana das anedotas populares (cana que o povo cansou de chupar), tentando inutilmente arrancar-lhe algum caldo, não conseguindo nem mesmo aquela aguinha do dito popular... E ainda querem que o público compre o bilhete de entrada, que quase sempre é o bilhete azul que o afasta do teatro, fazendo-o azular, como diria o Raul, ou o Apporeli... Mas... Sabe? Eu bem tinha vontade, aqui neste ponto, de preveni-lo de que não pretendo desfazer dos outros; mas, depois do que disse, não seria engraçado que fizesse esta ressalva? Está claro que os outros não são todos... E estou convencido de que todos os outros pensam, e com muita razão, que são exceções à regra, ou contra-regra, já que estamos falando de Teatro... Há muita gente de valor por aí: o que não se encontra é o valor dessa gente...
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E, depois do café que tomamos com Tangerini, retiramo-nos, ouvindo-lhe as últimas palavras:
- Olhe: faça um resumo da minha entrevista, esprema-a, e se não sobrar coisa alguma, diga o que eu dizer não soube; faça-o lamentando não a ter podido publicar na íntegra por absoluta falta de espaço... Não se esqueça de falar que a peça é muito engraçada, mais engraçada que esta entrevista. Diga uma porção de mentiras... (*)
(*) O recorte em que foi publicado o texto acima estava em péssimo estado de conservação. Fizemos de tudo para salvá-lo. Parte dele, infelizmente, está perdido. Para sempre, talvez.
[Oscarito trabalhou na peça Ganhando tempo... ,
de Nestor Tangerini, em 1932]
Arquivo Família Tangerini:
nmtangerini@gmail.com, nmtangerini@yahoo.com.br