Vivendo de Restos... Para quem ainda se indgna

Ninguém parece notar sua presença, ninguém lhes dá importância, mas eles continuam ali, trabalhando de sol a sol, levando seus carrinhos pesados pela cidade, na esperança de que algum dia o preconceito seja apenas uma lembrança.

Ele tem nome de imperador e se orgulha de seu império, um carrinho branco meio desgastado com o tempo, de onde tira o seu sustento. Cesar Augusto Nunes é um catador que mora há muitos anos na Vila do Chocolatão, localizada bem no coração de Porto Alegre. O catador adora sua comunidade. ‘Aqui é tranqüilo, os moradores são como uma família’, conta. A vila ostenta esse nome curioso por se localizar ao lado do prédio da Receita Federal, uma construção reta, marrom com arquitetura que lembra uma barra de chocolate.

Como a maioria das pessoas que vivem na vila, Cesar veio do interior, com o sonho de melhorar de vida na cidade, mas acabou esbarrando na falta de estudo e no descaso.

Nunes trabalha de catador desde os 10 anos. Para ele, não é a falta de dinheiro e a vida humilde que o entristecem. O que deixa o catador consternado é a falta de consideração da população e principalmente o preconceito que sofre. ‘Uma vez fui proibido de entrar em um prédio onde eu recolhia lixo, apenas por ser morador do Chocolatão’, recorda.

A crise

Cesar conta que com a crise financeira as coisas pioraram um pouco. ‘Agora a gente só consegue ganhar uns 100 reais por semana com muito esforço’ relata. O material recolhido ficou mais barato. O jornal que antes era vendido a 15 centavos, passou a ser vendido a 2; as garrafas de plástico que antes eram vendidas a 80, agora custam apenas 30 centavos. O carrinho de mão custa 300 reais. Alugar um está fora de cogitação, pois o aluguel é muito caro. ‘Não vale a pena, eu teria que pagar 10 reais por dia e ganho uns 15 ou 20 reais, não daria para sobreviver assim’, explica.

Incêndios

O último grande incêndio que ocorreu no Chocolatão, foi no dia 26 de janeiro deste ano e acabou com aproximadamente 60 das 210 casas que existem no local. Os moradores ficaram indignados ao perceberem que a Policia Militar chegou antes dos bombeiros fortemente armada. O incêndio começou por causa de uma espiriteira que esquentou demais. Como não tem fogão, as pessoas cozinham nessas espiriteiras, que são muito perigosas.

Uma sucessão de erros

Segundo o catador, político é coisa rara de ser ver na comunidade. ‘Eles só vêm aqui em época de eleição trocar cesta básica por voto’, denuncia. Cesar acredita que os catadores poderiam ser incluindos em projetos de reciclagem.

Ele se entristece ao notar a falta de iniciativa da prefeitura e da população em geral e indica o caminho: ‘O que nós precisamos é de pessoas que saibam fazer artesanatos dispostas a dar oficinas para a comunidade, mas infelizmente ninguém está interessado em nos ajudar’, desabafa. 'Existe até um galpão (pequenas casinhas de madeira), destinado para as aulas', complementa.

Outro problema que essas pessoas enfrentam é a falta de saneamento básico.Os banheiros são coletivos, não há sistema de esgoto. A luz elétrica é toda gateada, o que torna muito mais fácil a ocorrência de incêndios, que quando ocorrem, se espalham rapidamente por toda a madeira das casinhas.

Não basteassem todas essas questões, os moradores do Chocolatão vivem na eminência de terem que se mudar. Se elas deixarem o local vão ter que recomeçar tudo de novo, já que perderam seus clientes vitalícios. ‘ Se eu sair daqui, como vou sobreviver?’, se desespera Cesar.‘O que eles querem é esconder a pobreza’, encerra.

*Reportagem publicada no site: www.clubeservidor.com.br, quem quiser saber mais acessa lá.