Tchello d'Barros entrevistado pelo Curso de Letras da Furb | Eduardo Riemer
Furb - Fundação Universitária Regional de Blumenau
Faculdade de Letras
06/11/2001
Entrevistador: Acadêmico Edoardo Riemer
Entrevistado: Escritor Tchello d'Barros
de La Paz/Bolívia, por e-mail.
1. Nome:
T.d'B.: Tchello d'Barros, dizem.
2. Onde / Quando nasceu:
T.d'B.: Brunópolis SC, 18-12-1967
3. Formação:
T.d'B.: 3º Incompleto (Letras) + 10 cursos de desenho e pintura
4. Sabemos que no Brasil a profissão de escritor é de certa forma pouco valorizada. Você somente escreve ou tem outra atividade?
T.d'B.: Na América do Sul em geral o escritor é pouco valorizado. Por paixão e necessidade trabalho como Designer, tendo criado mais de 10.000 desenhos para as indústrias têxteis de Blumenau e região.
5. Como foi a sua vida escolar?
T.d'B.: Tumultuada, brigava com os alunos e principalmente com os professores. Ainda assim era líder de classe e participava do chamado Centro Cívico. Tirava notas excelentes, estudei 13 anos e hoje só uso a escrita/leitura e as quatro operações básicas!
6. Você lia e escrevia bastante na época de escola? Era destaque no ambiente escolar?
T.d'B.: Lia muito gibis, aos montes. Isso enriquecia meu vocabulário e por isso era destaque nas redações das aulas de português. A professora lia minhas redações para a classe. Ficava sempre em primeiro lugar nos concursos de leitura, também. No ginásio, era uma espécie de orador da turma. Nessa época passei a ser rato de bibliotecas.
7. Como você via a escola quando estudante? Como a vê hoje?
T.d'B.: Nunca entendi as escolas quando estudante. Havia professores que até batiam nos alunos. Hoje penso (com boas exceções) que são um organismo do governo cuja função e reprimir e dominar o futuro cidadão, que ao atingir a maturidade se contentará com a política de pão e circo em que vivemos. Um povo burro é bem mais fácil de controlar. Sorte dos alunos que tem aquele professor abnegado, que veste a camisa e ensina mais do que prevê o programa de ensino.
8. Foi em algum momento da vida escolar que surgiu o interesse para a produção de textos literários?
T.d'B.: Ao contrario. Foi na vida escolar que comecei a detestar a literatura, especialmente poesia. Nos forçavam a decorar os textos enfadonhos de poetas arcaicos e as famigeradas interpretações de texto, com tempo exíguo para ler o livro, ou seja, tudo "goela-abaixo". A literatura entrou em minha vida quando conheci a obra de autores contemporâneos, que me fizeram ver o infinito dentro das palavras.
9. O que é ser escritor na cidade de Blumenau?
T.d'B.: É nadar contra a corrente pois a burguesia que tem poder aquisitivo para comprar livros, é vitima da mídia e sobretudo é uma sociedade consumista cuja plataforma é o sistema capitalista. Tenho muita pena de quem não lê nossos autores.
10. Seu trabalho é bastante divulgado ou restringe-se à nossa região?
T.d'B.: Meu trabalho é muito divulgado em vários pontos do Brasil, especialmente no eixo Rio-São Paulo e também em Portugal. Mais recentemente em Moçambique, onde também falam Português. A Internet tem sido o meio mais eficaz para isso e o retorno tem sido excelente. Minha obra e mais conhecida e mais lida fora de Blumenau.
11. Qual é o seu escritor favorito? Que influência ele teve sobre a sua obra?
T.d'B.: Na verdade são três os escritores que admiro. O argentino universal Jorge Luis Borges com seu gênero realismo-fantástico e seus insuperáveis ensaios. Creio que nenhum outro escritor mergulhou tão fundo na palavra literatura quanto ele. Dos vivos meu preferido é José Saramago, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente. Já lia sua obra bem antes da badalação do prêmio Nobel. Não creio que haja escritor vivo que o supere. E no Brasil, pela riqueza de linguagem, originalidade e vanguarda, o eterno Paulo Leminski. Com ele aprendi a amar as palavras. A parte isto nenhum tem uma influência direta em meu trabalho, a não ser a consciência de buscar superar-se sempre.
12. Qual sua primeira obra ou que você mais gostou de escrever? Quantos são ao todo?
T.d'B.: Um opúsculo chamado Olho Nu, publicado por uma editora de Florianópolis. Será relançado em breve numa versão ampliada. O que mais gostei de escrever foi Letramorfose, o terceiro, pois minha linguagem e estilo começou a definir-se, a chamada "voz do autor". O segundo foi interessante, Palavrório, pois eu mesmo editei. O quarto e mais recente é Olho Zen, uma coletânea de haicais, forma fixa de poema que muito aprecio. Participo ainda com textos em mais de 10 antologias no Brasil e Portugal.
13. Você procura relacionar o conteúdo de suas obras com fatos da atualidade? Se você fosse iniciar uma obra nova, utilizaria nela o contexto histórico atual?
T.d'B.: Esse conceito não é o objetivo porém acaba acontecendo naturalmente. O artista não deve ser um alienado e sim um olho vigilante das coisas de seu tempo.
14. Como surgiu a idéia para o seu último livro? Você fez alguma pesquisa?
T.d'B.:A idéia da coletânea de haicais Olho Zen surgiu de minha paixão por esta forma de poema.Uma pesquisa foi necessária para aprender a métrica e os conceitos do haicai. Ainda assim li as biografias dos principais expoentes, Bashô, Issa, Buson e troco informações via rede com haicaístas contemporâneos.
15. Qual o ritmo de sua produção? Tem pressa de terminar o livro que está trabalhando?
T.d'B.: Escrevo muito pouco, mas faço muitas anotações de idéias e insights. Vou deixando madurar. Quando bate um frenesi incontrolável, então começo a escrever, às vezes dias a fio e geralmente o livro todo sai nesse jorro. Não sei porque isso acontece.
16. Qual a importância da Sociedade Escritores de Blumenau? Há quanto tempo você está ingressado nela?
T.d'B.: Na condição de sócio-fundador (Abril de 1999) e atual presidente, creio que essa entidade veio para aglutinar a classe, abrir novas oportunidades aos literatos e para mostrar ao mundo que em Blumenau não tem só malha, cristal e chopp. Aqui tem literatura. O endereço de
correspondência é o da Fundação Cultural de Blumenau e o e site é www.seblumenau.org .
17. Como você vê a realização de um evento, reunião dos escritores no saguão da Furb, como este de hoje dentro do espaço da Universidade?
T.d'B.: Na posição de idealizador deste encontro, mesmo teclando daqui de La Paz, considero altamente positivo sobretudo pela aproximação de escritores da cidade com a comunidade acadêmica do curso de Letras. É de interesse dos autores blumenauenses estreitar esse relacionamento e formar parceria para futuros projetos literários.
18. Na sua opinião, como se pode incentivar, na escola, o gosto pela leitura e pela escrita?
T.d'B.: Com programas de incentivo e criação de concursos onde o aluno se sentirá motivado ou o efeito pode ser inverso.
19. Que conselho que você daria ao estudante de Letras que sente a vontade de escrever um livro?
T.d'B.: Deve antes de tudo, simplesmente escrevê-lo. Deve dar forma a sua inspiração. Trazer para o mundo material. Deve deixar jorrar a veia literária. A batalha para publicação é outro assunto.
20. Uma mensagem para os meus colegas de sala, futuros professores da Língua Portuguesa e Literatura Brasileira?
T.d'B.: Como todos sabem no Brasil se lê pouca literatura. Eis a responsabilidade da nova geração de professores. Quem fizer uma criança ou um jovem interessar-se pelo mundo das palavras estará ajudando a formar um brasileiro mais culto, mais crítico e mais expansivo.
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