Tchello d'Barros entrevistado no blog La Estrada | Jiddu Saldanha
La Estrada - Cyberjornal de Artes
18.11.2003 - Rio de Janeiro RJ
Tchello d'Barros é entrevistado pelo poeta, ator e mímico Jiddu Saldanha
Jiddu Saldanha – O que você está fazendo atualmente?
Tchello d'Barros: Estou finalizando meu site oficial, onde disponibilizarei minhas obras completas incluindo dois livros inéditos. Estou revisando as provas de meu quinto livro, também de poesia, "A Flor da Pele". Apresento semanalmente na TV Brasil Esperança - em Blumenau SC - o programa Pique-nique Cultural, onde levo escritores e poetas para recitar poemas e divulgar seus livros. Estou escrevendo também meu primeiro livro de viagens, onde relato em forma de crônicas minhas peregrinações por dezessete países. Tenho organizado eventos literários, bem como projetos culturais pra movimentar o marasmo massificante em que se tornou a realidade nesse novo milênio. Acabamos também de realizar o 2º Fórum Brasileiro de Literatura, onde integro a comissão organizadora com o apoio da Sociedade Escritores de Blumenau. Oportunamente ministro uma ou outra oficina de poesia.
JS - Blumenau, mostra, então, um vigor na área literária, apostando na festa da literatura já que, festejar, parece uma marca registrada da terra que tem uma das mais vigorosas festas de outubro no Brasil (Oktoberfest). Fale um pouco sobre a tua Blumenau. Há uma diferença entre a Blumenau real da prosperidade e da organização e a Blumenau mítica, aquela que faz um poeta como você produzir tanto?
T. d'B.: Penso que estamos falando sobre o que o Ferreira Gullar chama de Geografia Pessoal, aquele canto do mundo que escolhemos para viver. No meu caso foi uma opção pois poderia estar fazendo minhas peripécias artísticas num grande centro ou mesmo em algum dos países que tive a sorte de conhecer em minhas andanças. Mas aqui tem algo de mágico, e não me refiro apenas à beleza da cidade em si, com sua arquitetura germânica, jardins floridos - etimologicamente Blumenau significa "Campo de Flores" - ou por que é a cidade da Oktoberfest, onde em outubro meio milhão de pessoas chega aqui para a maior festa do chopp deste continente. Aqui é a cidade da cerveja, do cristal e da malha, cidade da moda também. Cidade de Vera Fisher e modelos como Mariana Weickert e Analice Nicolau. Na verdade desafio quem quer que seja (que me perdoem os amigos da cidade de Bento Gonçalves/RS!) a me provar que existe outro lugar no Brasil com tanta mulher bonita por metro quadrado, até exportamos modelos e manequins, embora eu particularmente prefiro que elas fiquem por aqui...Mas é também uma cidade cultural, com orquestras, festivais nacionais, grupos de teatro, dança, artistas plásticos de alto nível, e temos também a Sociedade Escritores de Blumenau, onde fui presidente por duas gestões e hoje realiza, em apoio a Fundação Cultural de Blumenau o Fórum Brasileiro de Literatura, que já está na fase de planejamento da 3ª edição. Neste último trouxemos Affonso Romano de Sant'anna, Mário Prata, minhas queridas amigas Leila Míccolis e Asta Vonzodas, bem como outros nomes significativos no contexto literário nacional. Existe esse lado da organização, da prosperidade, é uma cidade sem favelas, até a filha do Lula mora aqui. E concluo contando que aqui viveram dois grandes poetas, o Lindolf Bell, que nos anos 60 liderou no eixo Rio-Sampa o movimento Catequese Poética, e também o haicaísta Martinho Bruning, que foi amigo de Mário Quintana. Tive o privilégio de conhecê-los quando eram vivos, e tenho o privilégio de hoje viver aqui contribuindo para processo cultural desse pedacinho loiro do Brasil.
JS - Esta dolorosa afirmação sobre "o marasmo massificante deste novo milênio" vem de um poeta inquieto, preocupado com as grandes questões ou seria um lapso de pessimismo, em razão da atual crise brasileira, quer falar sobre isto?
T. d'B.: Bem, quem me conhece sabe sim que sou inquieto, pois não acredito em atitudes passivas diante da vida, muito menos diante da arte e suas diversas instâncias, mas creio que sou crítico sem ser pessimista. Acredito em interferência, em criar oportunidades, em abrir caminhos, seja lidando com empresários que não apostam na arte, seja brigando com políticos alienados, seja palestrando para estudantes. Pra mim, acabou-se a época boêmia de ficar em mesa de bar criticando o sistema, a burguesia, o governo, etc., resolvendo ali mesmo todos os problemas do mundo de forma muito intelectual e na manhã seguinte acordar de ressaca sem nem lembrar dos temas discutidos na noite anterior. Hoje acredito em profissionalismo, numa atuação como promotor cultural, seja coordenando eventos, desenvolvendo projetos, atuando na mídia ou buscando os recursos necessários para transformar a realidade. A massificação é o sintoma do processo de transculturização que nosso povo terceiro-mundista vem sofrendo com seqüelas econômicas - olha a Alca aí gente! - a garotada hoje sabe tudo de Halloween, mas nada de Curupira ou Saci Pererê. Imitam o RAP do Tio Sam e desconhecem a Bossa-Nova. Saem alucinados, ou "matrixados" das salas do cinemão americano e desconhecem os elementos fundamentais da riquíssima cultura brasileira manifestada nas mais diversas modalidades, até nosso idioma está com os dias contados. Essa falácia da crise brasileira é um papo desgastado que ouço desde sempre e que não sei se um dia essa novela termina - talvez termine no dia em que o brasileiro aprenda a votar - enquanto isso, nessa situação transtornadora, transformadora deve ser nossa atitude, seguindo em frente sem esperar que as coisas caiam do céu em nossas mãos. Artista que conhece seus direitos não passa fome.
JS - Fale um pouco de tua relação com a poesia e a arte em geral.
T. d'B.: É caótica. A poesia se infiltra em todos os meandros do labirinto da minha vida. Começa de manhã no banheiro e vai até de madrugada quando adormeço - a dor meço - lendo ou escrevendo e tem vezes que se prolonga no reino de Morfeu... No momento leio Joyce e releio Kafka. Gosto de escrever poemas breves, concisos, mas já escrevi sonetos, haicais, trovas, fiz poesia visual e pesquiso outras linguagens. Escrevi e publiquei alguns livros, ministrei oficinas, conheci grandes escritores, participo de Bienais do Livro, eventos literários no exterior e vivo fazendo palestras em escolas, numa atitude utópica e por vezes até quixotesca, no sentido de estimular os estudantes a lerem mais, valorizar o livro, essas coisas. Até criei um slogan para campanhas de leitura em escolas e bibliotecas: "Vá ler mais pra valer mais". Sou aluno especial do Curso de Letras da Furb e vivo criando eventos e projetos, ou seja, gosto de interferir no cotidiano com alguma performance ou manifesto, seja recitando poemas em saraus e tertúlias ou sobrevoando a cidade de avião, bombardeando-a com aviõezinhos de papel com poemas impressos, ou criando concursos literários e antologias. Quando tenho tempo desenho e pinto, de aquarelas até cenários para teatro. Fiz teatro e mímica por um bom tempo, participei de várias peças e performances, até escrevi algumas peças breves. Mas nas artes visuais minha próxima expo será sobre Mandalas, Labirintos e Yantras.
JS - Como surgiu esta motivação, esta idéia ímpar de espalhar sobre Blumenau, aviões de papel contendo poesia? Fale mais sobre esta idéia original e surpreendente.
T d'B.: A idéia de realizar o 1º Bombardeio Poético, surgiu na época em que eu fazia paraquedismo e num salto de fim de tarde, dentro de uma nuvem, decidi fazer um evento poético aéreo, alguma forma de botar poesia no ar, no céu mesmo. A primeira idéia era um avião puxar uma grande faixa com um poema, mas isso é meio batido e na época a França estava fazendo testes nucleares no atol de Mururoa. Então contratei um piloto e depois de muita burrocracia - tive até que pedir autorização do exército! - convidei os poetas Marcelo Steil e Dênnis Radünz e sobrevoamos Blumenau despejando aviõezinhos de papel com poemas no dia exato do cinqüentenário da bombas atômica de Hiroshima. O intento era bombardear poeticamente a cidade e o alvo era explodir o coração das pessoas. Ainda tenho alguns estilhaços de letras cravados no peito. Tem até umas reticências que entraram na corrente sangüínea. Ah, o 2º Bombardeio Poético está previsto para o centenário de 2.045 em Hiroshima mesmo. Depois, quando lancei meu terceiro livro, o "Letramorfose", na noite do evento trouxe o ator Nelson Curbani, que sabia fazer aquele trabalho de "estátua", e pedi pra ele fazer a escultura "O Pensador", do Rodin. Pois ele pesquisou a obra e pintou o corpo todo num tom plúmbeo e ficou imóvel por duas horas ao lado da mesa de autógrafos e algumas pessoas só perceberam que tinha gente ali quando notaram pêlos pelas pernas da tal escultura-réplica.Esse pensador deu o que pensar. Outra dessas foi numa exposição coletiva onde exibi uns quadros com labirintos e convidamos para uma performance o ator Antônio Leopolski. Ele cobriu o corpo todo de barro e segurando uma tocha dizia poemas na performance. Recentemente, no dia da poesia, convidamos poetas locais e saudamos o rio Itajaí-açu, que divide a cidade ao meio, com garrafas contendo poemas. Algumas já foram encontradas, outras desembocaram no Atlântico, em correntes marítimas que se direcionam para costa africana. O destino que faça suas surpresas.
JS - Você está lendo Kafka e Joyce. Fale de tuas leituras, quem você leu, quem fez a tua cabeça?
T. d'B.: Essas listas de preferências podem parecer receitas, mas vou mencionar an passant, alguns que gostei, como os clássicos em geral e depois li os franceses Verlaine, Rimbaud, Mallarmé, Baudelaire, Claudel e Eluard, continuo pesquisando os franceses, ando as voltas com a difícil leitura do "Manifesto Surrealista", do Bretton e ainda pretendo conferir Sartre e Proust. Depois conheci a obra de Maiakowsky, Tchekov e Tolstoi. Do oriente gostei dos textos do Bashô, Issa e Buson. E li Li Tai Po, pô. Apreciei os tchecos Suskind e Kafka, esse mesmo não dá pra não reler de vez em quando, parece que o cara escreve cada vez melhor. Depois li Petrarca, Dante e Boccacio. Então fui para Cervantes. Dos irlandeses gostei de Yats, Shaw e é claro, Joyce, que me ensinou que a função do poeta é ser um esteta da linguagem. Li Pessôa, Florbela e Camões, no original. Aí conheci a obra de e. e. cummings, Donne e Dylan Thomas, mas foi Poe que me arrebatou mesmo. Acabo de reler pela terceira vez sua "Filosofia da Composição". Outro que me deixou pasmo foi Octávio Paz, com seu "O Arco e a Lira" lição para poetas de província como eu. Não vou deixar de mencionar os gregos - que continuam me ensinado muito - Li Homero, Virgílio e vários filósofos, com Hesíodo aprendi a entender esse mundo ocidental em que vivo e me deixa apoplético. Recentemente li suas mitologias e aventuras de heróis gregos. Pretendo em breve ler Kavafis e Kazantizakis. Depois tem uma interminável plêiade de brasileiros e sul-americanos, mas como não tenho o interesse aqui de cansar os leitores, vou responder sua pergunta mencionando o insuperável Jorge Luís Borges - hoje desenho tigres com a ponta de um punhal no labirinto de espelhos em que ele me inseriu - e José Saramago, que me faz ver a vida com outros olhos sempre que leio seus livros. Na poesia, sabor refinado pra mim é Haroldo de Campos e Paulo Leminski. Esses caras me ensinaram a amar as palavras. Gosto dos poemas do Arnaldo Antunes, de Jairo Martins e dos poemas visuais do Clemente Padin. Termino mencionando que leio diariamente novos poetas, da geração internet, a maioria muito ruins, mas já descobri cerca de uns 20 que fazem valer à pena meus passeios virtuais. Vou mencionar hoje apenas dois, cujos textos têm me causado inebriante prazer estético: Sara Fazib e Al-Chaer, a internet se tornou um lugar melhor pra se viver depois da chegada de vocês!
JS - Mas há nas aquarelas, aquela leveza que a própria tinta propõe. O novo milênio conseguirá ferir a superfície do papel? Apagará os traços?
T. d'B.: Os artistas têm duas escolhas para fazer nesse novo milênio: Ser levados de roldão como um galho seco na Pororoca, ou surfar essa onda numa atitude de desafio, resistência e renovação. Vejo que a tendência é se valorizar a arte, o feito à mão - artesanato é tema de outra discussão, falo aqui de artesania - o tato, o toque, a caligrafia, enfim a presença física do artista. Nada contra as tecnologias, eu próprio há uns 10 anos fiz exposições de desenhos digitais, feitos à partir de modelo vivo, mas depois passando por processos de scanner, softwares e plotters, com coloridíssimos posters impactantes, não sei se outro artista fez isso antes no país. Hoje me surpreendo com os fractais. Recentemente vi uma série de fractais produzidos pelo poeta e artista plástico Ademir Bacca, um trabalho que me deu uma espécie de vertigem visual. Atualmente dou aulas de desenho e prefiro sempre ministrar as aulas de anatomia, com o toque do grafite na textura do papel. Hoje vivemos a trans-vanguarda, que veio depois da pós-vanguarda, que veio depois da pós-modernidade, etc. Estamos numa época de culto às celebridades e o centro da cultura no mundo é a moda e não a arte. Na arte vivemos a pluralidade das experimentações, das "instalações plástico-visuais", a obra em si está tendo mais relevo que o tema ao qual ela alude. Por isso está havendo uma volta para os clássicos, que são essenciais sem serem fáceis, um resgate do básico, que é elementar sem ser comum, um retorno ao simples, que é comunicativo sem ser simplório. Viva o experimentalismo, é assim que a arte evolui. Mas viva também a aquarela que me sensibiliza e o soneto bem escrito que me comove. A função da arte continua sendo causar reações, mediante as emoções estéticas sentidas por quem aprecia a obra, seja musical, teatral, pictórica ou literária. É nessa interação autor/leitor que se estabelece a simbiose do elemento que chamamos de arte. Digo isso pra me despedir citando o velho Borges quando diz que: "Na poesia o que vale mesmo é o sentimento. E o mesmo vale para a beleza e a felicidade".