Tchello d'Barros entrevistado na revista digital Villa Caeté | Eduardo Proffa
Revista Villa Caeté
Novembro/2008 - Maceió/AL
Tchello d’Barros é entrevistado por e-mail pelo poeta e editor Eduardo Proffa
01 – A Villa - Quem é Tchello d’Barros?
Tchello – Escritor, Artista Visual e Viajante. Catarinense de nascimento, alagoano por adoção e cidadão do mundo por vocação.
02 – A Villa – Em que áreas da arte você transita?
Tchello – Como ator, participei de uma dúzia de montagens, mas com o passar do tempo, fui ajustando o foco para uma produção em Literatura e Artes Visuais. Na Literatura, escrevo Poemas, Contos, Crônicas, Resenhas Críticas e Relatos de Viagem. Nas Artes Visuais, tenho produzido nas modalidades de Desenho, Pintura, Gravura, Arte Digital, Fotografia, Vídeo, Instalação, Performance e Intervenção Urbana, com umas quinze exposições individuais no currículo. Eventualmente ministro palestras e oficinas de Literatura e Desenho. Escrevo sobre a obra de alguns artistas e ocasionalmente realizo algumas publicações, na condição de editor independente. Nestes quinze anos de produção contínua, tenho em paralelo desenvolvido atividades de militância cultural, como exemplos recentes posso citar algumas atividades como voluntário: as ações do Fórum de Artes Visuais de Alagoas, onde fui um dos criadores e sou um dos coordenadores. Fui gestor de Literatura no APL Cultura AL. Sou membro suplente na Câmara Setorial de Artes Visuais – Minc/Funarte. Sou cônsul de Maceió na rede internacional Poetas del Mundo e delegado cultural de Alagoas pelo Portal CEN, de Portugal. Já realizei diversas curadorias de exposições, bem como atuei na coordenação de cursos, seminários e eventos de Artes Visuais. A parte isso tudo, a vida é boemia, filosofia, romance e vários carimbos no passaporte.
03 – A Villa – Você manipula muito bem imagens e palavras... Como é essa associação? Como dosar a quantidade correta?
Tchello – Uma palavra vale por mil imagens! Essa associação já foi um pouco caótica, mas hoje é um processo mais organizado, mais consciente. Mas rigor e equilíbrio são conceitos presentes tanto em minhas criações literárias quanto nas visuais. Minhas produções partem geralmente de um tema, de algum assunto que mexe comigo, que me provoca. A partir daí, procuro encontrar o melhor canal de expressão para tratar do assunto. Por vezes é pela via da escrita, mas em outras a imagem acaba sendo o caminho mais adequado. É claro que há também espaço para os chamados insights, quando a idéia já vem meio pronta, inesperadamente. E por vezes há um certo hibridismo de linguagens, então, desde sempre tenho praticado também a Poesia Visual, cuja produção conta hoje com a exposição “Convergências”, já apresentada em João Pessoa/PB, Maceió/AL e Blumenau/SC. No momento algumas reproduções participam da Sala de Poesia Visual na Bienal de Fortaleza/CE. O projeto conta com uma oficina de Poesia Visual e deve resultar em breve na publicação de um catálogo.
04 – A Villa – Inspiração ou transpiração? Comente.
Tchello – Todos os teóricos e mesmo cientistas que se debruçaram sobre a questão da inspiração e da criatividade concordam que esse ainda é um dos maiores mistérios da mente humana. Haja neurônio pra tanta sinapse! A única coisa em que são unânimes é que ela é diferente de pessoa para pessoa. E se estudarmos as biografias de grandes artistas e escritores, veremos que cada um desenvolveu um método próprio para produzir suas criações. No meu caso pessoal, a condição sine qua non para desenvolver o que quer que seja, passa por um rigoroso conhecimento técnico, teórico e mesmo histórico do que estou produzindo. Na virada do milênio, lancei um livro de poemas haicais. Para tanto, não bastou aprender a métrica do haicai, seus temas e conceitos. Foi necessário mergulhar nas origens dessa modalidade de poema, num estudo aprofundado da cultura japonesa, suas religiões, crenças, mitos e artes que dialogam com o haicai, bem como a biografia dos principais expoentes dessa arte. E depois, houve toda uma preocupação formal no sentido dessa produção respeitar os cânones do haicai. E assim é com minha produção em Cordéis, em Poesia Visual, Mandalas, Labirintos, etc.
05 – A Villa – Quantas e quais obras lançadas. Tem algum prêmio literário ou em outra ramificação artística?
Tchello – Publiquei os livros de poemas “Olho Nu” (1996), “Palavrório” (1996), “Letramorfose” (1999), “Olho Zen” (2000), “A Flor da Pele” (2003) e “Cordéis” (2005), já em terra alagoana. Prêmios: sim, alguns, no início da carreira, tanto em Teatro quanto em Literatura e Artes Visuais. No entanto, prefiro não mencionar aqui, não por modéstia, mas simplesmente porque optei por não mais participar de concursos e atividades culturais que envolvam competição e premiação. Isso é apenas uma opção pessoal. Acredito que a melhor premiação é quando uma obra de arte cumpre sua função estética.
06 – A Villa – Você é um artista tão moderno que se aventura em esportes radicais. Em que a adrenalina ajuda na sua composição?
Tchello – Talvez a adrenalina ajude a liberar a serotonina. Bem, já pratiquei atividades como Artes Marciais, Voleibol, Atletismo, Rafting, Bungee Jumping, Trilhas, Cavernas, Tirolesa, Parapente, Parasail, Paraquedismo e outras. Neste ano voei também de Asa Delta no Rio de Janeiro. As próximas atividades serão subir até a pedra da Gávea, no Rio, e um vôo de Balão em São Paulo. Honestamente, não sei até onde há influência na composição criativa, não sei até onde uma coisa entra na outra, embora há quem diga que somos a somatória de nossas experiências. São elas que formam nossa visão de mundo. E nossa visão de mundo em algum momento pode influenciar a criação artística. No momento, estou lembrando que lá nos idos de 1995 eu fazia o curso de Paraquedismo, e por conta desses momentos nas nuvens, realizei a intervenção urbana “Bombardeio Poético”, onde no dia do cinqüentenário das bombas atômicas, sobrevoei a cidade de Blumenau/SC, lançando de um avião monomotor, milhares de aviõezinhos de papel com meus poemas impressos.
07 – A Villa – Você tem uma estrutura muito informatizada, ao tempo que sua fonte literária é inesgotável. Como utilizar tecnologia sem perder o prazer de ler um bom livro?
Tchello – Minha primeira exposição aconteceu em 1993, ano em que escrevi também os primeiros textos literários. Mas desde esse início eu já utilizava tecnologias recentes para uma parte do meu trabalho. Em 1994 (quanto tempo, heim!) fiz uma das primeiras exposições no Brasil, de infogravuras (ou cybergrafias), com imagens a partir de modelo vivo, mas finalizadas em computação gráfica e impressas em plotters, com grandes dimensões. Mal chegou a internet, lá estava eu espalhando textos e imagens pela web afora, ofício que ainda hoje pratico em chats, blogs, sites e redes de relacionamento. No momento estou experimentando meu traço com caneta ótica em mesa digital. No entanto, todo o aparato tecnológico utilizo apenas como ferramenta, como um pincel melhorado, digamos, ou como canal de divulgação. A ferramenta não pode ser a protagonista, mas a coadjuvante de uma boa idéia, de um bom conceito, de uma boa poética. E, fetichista por livros, rato de sebos e livrarias, estou sempre ampliando minha biblioteca pessoal, pois penso que jamais vou deixar de ler livros. Livros de papel.
08 – A Villa - Há quanto tempo está em Alagoas? Como foi integrar-se a essa cultura díspar?
Tchello – Descendente de imigrantes europeus, embora já tivesse morado em 12 cidades no Sul, sempre houve o interesse em morar no Nordeste. Migrante, em 2004 me fixei em Maceió, por conta da beleza das praias, principalmente. Mas costumo dizer aos visitantes que correm o risco de ficar morando em Alagoas se provarem uma combinação fatal de três itens: o Caldinho de Sururu, o Doce de Quebra-Queixo e o beijo de uma alagoana...
Bem, não sei se estou muito integrado “a essa cultura díspar” – talvez entregado – pois não vejo ninguém muito integrado nessas bandas. Como imagem metafórica, vejo a cultura por aqui como um grande mosaico, onde as peças não estão bem encaixadas umas com as outras, cada uma quer formar um desenho diferente. Mesmo assim é um mosaico colorido, muito bonito. Além do mais, as poucas políticas públicas existentes privilegiam a cultura popular, no entanto, meu foco é muito mais na arte contemporânea, uma arte do meu tempo e que se desloca em direção ao futuro. E, como sabemos, arte contemporânea por aqui ainda é um bicho de sete cabeças para muita gente.
09 – A Villa – Você é um andarilho... Traçando um paralelo, como está nossa cultura caeté?
Tchello – A condição de “andarilho”, de viajante pós-moderno em plena era globalizada, e sempre com um enfoque nas questões culturais, naturalmente que permite o exercício inevitável das comparações. Depois de deambular por 20 países a gente se sente ainda mais brasileiro e quer acreditar que as coisas darão certo por aqui. Uma primeira constatação apenas acentua o que todos já sabem: a riqueza que é a diversidade cultural em Alagoas, essa terra de tantos talentos e tantas expressões artísticas. No entanto, toda essa diversidade e qualidade ainda não ocupou seu devido lugar em âmbito nacional e internacional por conta do atraso no desenvolvimento cultural. E nesse sentido refiro-me à já citada falta de políticas públicas, à falta de preparo e competência de gestores de boa parte das instituições culturais (salve-se aqui as honrosas exceções, claro), verdadeiros cabideiros de emprego e reféns de indicações políticas, panelinhas, conchavos e afins. Acredito que a implantação do Sistema Nacional de Cultura será o ocaso dos pusilânimes locais.
10 – A Villa – Quais dos projetos que você participa, ou participou, no Sul do país, poderiam ser aplicados em Alagoas?
Tchello – Maceió e Alagoas tem uma realidade tão específica, que não vejo como modelos “de fora” poderiam ser aplicados com êxito por aqui, pois antes de mais nada é preciso arrumar a casa, modernizar as instituições e qualificar e capacitar as equipes dessas instituições. No máximo, sem pretensão nenhuma, podemos citar uns exemplos: em Santa Catarina, criei o projeto do Congresso Brasileiro de Literatura, um festival de Prosa e Poesia, com palestras, lançamentos, declamações, oficinas, debates, feira do livro e publicações. Também em parceria com secretarias de educação desenvolvemos projetos em escolas, com palestras, concursos e edições de livros. Em Rio Grande do Sul, participei de diversas edições do Congresso Brasileiro de Poesia, com grande impacto no sistema educacional. No Paraná, há toda uma atividade universitária de valorização das letras locais, sem falar na diversidade de galerias de arte públicas e privadas, com curadorias profissionais. Junto a Sociedade Escritores de Blumenau realizamos inúmeras atividades, como coletâneas e antologias, editais, cursos, concursos, saraus, eventos, exposições, premiações, etc. São projetos de baixo custo mas que exigem determinação e vontade política, e que fomentam a produção contemporânea, estimulam novos valores nas artes e criam um canal de comunicação com o público, com a sociedade.
11 - A Villa – Observamos que há uma necessidade da união entre os diversos segmentos artísticos do estado, para uma maior fixação de idéias. O que a ação coletiva pode contribuir para uma massificação cultural?
Tchello – Na verdade, percebemos aqui duas necessidades distintas: a primeira é a de união dentro de cada categoria (músicos + músicos, digamos) e depois a união entre os diversos segmentos (músicos + teatreiros + literatos + artistas visuais, etc.). Se é verdade que contra fatos não há argumentos, podemos então lembrar que nas cidades brasileiras onde a Cultura se desenvolveu, sempre houve a ação de entidades de classe, que são representantes da sociedade civil organizada. Somos nós. Isso tudo deu certo porque as pessoas se articularam em associações (Sociedades, Sindicatos, Clubes, Grupos, Fóruns, etc) e assim há força coletiva para se cobrar ações culturais daqueles que são pagos com nossos impostos para realizar tais ações. Uma coisa é o artista fulano dar um soco na mesa do gestor cultural ciclano, porque este não faz nada para o segmento daquele. Outra coisa é uma comissão de representantes daquela classe solicitar uma audiência com esse gestor ou seus superiores e apresentar por escrito as reivindicações do segmento, e se possível com cópia para a imprensa e até mesmo aqui para a Revista Villa Caeté!
12 - A Villa – Por onde você anda deixa marcas. Qual o segredo?
Tchello – Honestidade consigo próprio, respeito às idéias divergentes, firmeza de propósitos e amor ao ofício. Todo o restante são conseqüências, muitas vezes traduzidas em atividades gratificantes e amizades duradouras.
13 - A Villa – Citar nomes é sempre difícil, contudo como você enxerga nossos artistas caetés? Quem tem uma visibilidade atraente?
Tchello – Citar nomes é difícil, dificílimo, dificilíssimo! Até porque enxergo os colegas locais com um sentimento dúbio, de alegria e de pena. Alegria por ver como a arte brota por aqui com toda sua diversidade e qualidade. E pena porque há pouquíssimos canais para o desenvolvimento e mesmo sobrevivência desses artistas. A conseqüência direta disso tem sido um grande êxodo cultural, obrigando os talentos locais a migrarem para outros centros, em busca de melhores oportunidades. Não temos por aqui Leis de Incentivo em funcionamento. Não há os chamados Fundos de Cultura, com editais democráticos para fomento da produção. Não temos um Salão de Artes Anual ou Bienal. Não temos projetos de Residência Artística. Os Conselhos de Cultura não são atuantes nem formados por representantes dos Fóruns de Arte ou das Câmaras Setoriais. Não há um projeto editorial para dar vazão a produção literária local. Não há atividades de intercâmbio com outros estados e países. Não temos galerias de arte para estimular o mercado e o Colecionismo de obras de arte. A necessária crítica de arte ou literária, de forma espontânea, é praticamente inexistente, o que resulta na proliferação dos picaretas, oportunistas e dos sem-talento. Então, é pena que tenham desativado a Galeria Miguel Torres, no Teatro Deodoro. É pena que tenham extinguido o projeto Alagoas em Cena. É pena que ao redor da nova Assembléia Legislativa, tenham colocado uma gigantesca obra de um artista de fora de Alagoas. Sobre os artistas de “visibilidade atraente”, fico com a nominata elencada pela própria Revista Villa Caeté, em suas primeiras edições. Mais que sobreviventes, são os resistentes, heróis locais.
14 – A Villa – Projeto, projetos, projetos... Quais os mais urgentes?
Tchello – Evito falar de projetos, pra não dissipar energias. Prefiro falar do que está acontecendo. Mas como a Villa Caeté é lida por muitos colegas e amigos, não custa dar umas pinceladas do que vem por aí. Em Literatura, tenho dois livros prontos, um de Poesia e outro de Contos, publicá-los é o próximo desafio. Nas Artes Visuais, estou retomando uma produção numa linha figurativa, que deve em breve desembocar numa nova exposição, que infelizmente deverá ocorrer fora das fronteiras alagoanas. E nas viagens, bem, é esperar passar o período das chuvas no Norte para fazer a travessia da Transamazônica, de João Pessoa/PB até Rio Branco/AC. É a segunda etapa de uma viagem de aventura pela Amazônia, onde uma das experiências foi a viagem de barco de cinco dias pelo Amazonas, de Manaus à Belém. E para depois dessa, já estou planejando a travessia da América Central, do Panamá ao México. Outras informações estão no www.tchello.art.br
15 – A Villa - Seu momento para finalizar a Entre & Vista a Villa?
Tchello – A Cultura é hoje um tema transversal nos países desenvolvidos, isso quer dizer que perpassa por todos os ministérios e secretarias. Por aqui é sempre mais fácil apontar o dedo (os políticos, os gestores, etc.), mas a verdade é que se a Arte é uma responsa dos artistas, a Cultura - como manutenção da Arte - é responsabilidade de todos. Então, de modo prático, talvez possamos nos perguntar se neste ano já fomos assistir uma peça de teatro com atores locais. Se possuímos em nossas paredes obras de artistas da nossa cidade. Se na estante possuímos livros de autores da região, e assim por diante. Esses pequenos atos talvez não mudarão a história do mundo, mas sabemos que as civilizações passam, e o que permanece delas, é sua cultura.