Tchello d'Barros entrevistado no site PD - Poesia Diária | Nálu Nogueira
Portal POESIA DIÁRIA - PD Literatura
08.02.2001 - São Paulo SP
Coordenação da poeta e editora Asta Vonzodas
Tchello d’Barros é entrevistado pela poeta Nálu Nogueira – Brasília/DF
QUEM É TCHELLO D'BARROS?
Nálu Nogueira: Assim é Tchello. O nome soa como instrumento musical. As palavras (soltas) são notas na pauta: Ao fim tudo faz sentido ainda que sentido não faça imediatamente ainda que os olhos, pois quem atônitos uma vez e outra. A palavra solta a poesia solta a música: Assim é Tchello, um instrumento, um veículo, um maestro. A poesia de Tchello é uma poesia de ausências e sobre essas ausências se adensa o modo particular como retrata o mundo, desde as suas coisas mais simples. As ausências de que falo são as de excessos. Não sobram palavras. Não há virgulas. Pontos. Tudo é novo, fresco, visual, rápido. E no entanto, o sentido fica, fala conosco por horas e horas, dias, até ser parte de nós, como se fora nossa, desde sempre, aquela visão de mundo. Talvez esse resultado seja produto do modo como Tchello faz poesia. Designer gráfico, a poesia aconteceu mais tarde, fruto da experimentação e da curiosidade desse artista de Blumenau SC. O poeta explica o processo:
Tchello d'Barros: Sempre tive envolvimento com as artes visuais, além da profissão de desenhista, fiz várias exposições de pintura trabalhando com modelo vivo, montei instalações plástico-visuais, criei figurinos no teatro, fui até tatuador quando estava no exército, fiz muitos retratos e hoje pesquiso e desenvolvo a arte das Mandalas. Mas o texto escrito, para mim foi algo realmente novo, pois atinge outros 100tidos do observador/leitor/ou20. A poesia começou muito tarde para mim, escrevi meu 1º poema com 25 anos de idade (1993 d.C.). O fato é que eu não gostava de poesia, mas quando fiz teatro tive que ler muito texto onde comecei a perceber as inúmeras possibilidades da linguagem e paralelamente criei ilustrações para poetas e periódicos culturais, onde conheci o trabalho de muita gente que estava escrevendo, mas escrevendo mal. Achava tudo muito primário, uma verborragia sentimentalóide sem estilo ou identidade (como acontece ainda hoje nessas miríades de poetas internautas) e percebi que poderia escrever também, era poeta mas nem desconfiava. Escrevi alguns textos experimentais e enviei para 3 concursos, tendo sido premiado em todos. De lá pra cá, seja lendo ou escrevendo, a literatura incorporou-se em meu dia-à-dia.
N.N.: Concordamos. Som. Movimento. Sentimento. Cor. A poesia vibra viva imperiosa escapole extrapola salta nos alcança balança no sabor dos ventos que o coração soprar. Enxuta, simétrica, perfeita, limpa ainda assim é puro sentimento.
T.d'B.: As construções que proponho, em geral poemas muito curtos, são como uma escultura, não pode faltar e nem sobrar. Daí a diagramação precisa com palavras bem escolhidas para causar efeitos semânticos, sonoros e até visuais. Uma virgula mal colocada ou um artigo fora do lugar são como um iceberg, podem afundar o poema. Tenho poemas com meia dúzia de palavras, mas que levaram dois meses em sua construção. Nesse aspecto sou muito, muito meticuloso. É como usar um bisturi, toda perfeição ainda é pouca. Aprecio a síntese, o rigor, mesmo em poemas longos. Gosto dos efeitos da metalinguagem, vou desconstruindo as palavras e criando neologismos. Vivo virando do avesso nosso idioma e não é desrespeito, é um modo de desvelar os recursos criativos da nossa língua, tanto que quando traduzidos para outros idiomas, perdem o efeito.
Desconstrução. Metalinguagem. O poeta inventa reinventa repensa rediz o que já foi dito antes -- e pareceu antes tão tolo. Na voz de Tchello, na precisão musical de seus versos, tudo é novo. Mas não um "novo" repleto daquele tipo de "intelectualês pseudo-pós-vanguarda", que só o autor-- e alguns poucos críticos intelectualóides compreendem. Não se trata de um "novo" que precisa de um livro para explicar três versos. A poesia de Tchello, a despeito do rigor e do refinamento de sua construção, é alcançada em significado e significância até pelas crianças.
N.N.: O jogo de palavras enganadoramente simples que o poeta propõe é facilmente capturado pelo inconsciente, agradável de ver, ouvir, dizer. A gente repete sem querer, a gente sorri. Talvez a esse fator se deva o encantamento natural das crianças com a poética de Tchello d'Barros, ele é capaz de falar uma linguagem que elas entendem e podem absorver. E se não podem compreender o sentido absoluto das pequenas pílulas que Tchello nos oferece, podem certamente compreender-lhes o sentido superficial - e a poesia torna-se algo atraente, ao contrário do modo como costuma ser apresentada as crianças. O feedback do poeta confirma esse dado.
T.d'B.: "Em minha região os escolares fazem releituras de meus textos, exposições de desenhos inspirados nos poemas, performances teatrais e jograis. Fico surpreso quando dizem preferir estes textos aos dos autores parnasianos propostos pelos professores. Creio que isso ocorre pela linguagem contemporânea mas acessível, utilizada em minha escrita."
N.N.: Além de poeta, desconstrutor do universo e da linguagem, Tchello está envolvido na batalha pela cultura, através da Sociedade Escritores de Blumenau, que preside. Sobre esse assunto, comentou:
T.d'B.: A SEB. tem por objetivo agregar a classe literária e num processo de sinergia conquistar novos espaços junto ao mercado editorial e desenvolver projetos culturais divulgando a obra dos autores associados. Temos realizado Feiras do Livro, oficina literária, viajem à Bienal de São Paulo, intercâmbio entre autores e instituições, exposições itinerantes, saraus de poesia, apresentações em escolas e fechamos o milênio com o concurso de contos e poemas "Prêmio Cidade de Blumenau" de abrangência internacional onde recebemos o surpreendente número de 1.661 textos inscritos. Neste novo milênio quero dar seqüência aos projetos que vínhamos realizando, pretendo montar um site com dados dos autores e suas respectivas obras, publicar antologias, criar novos cursos e concursos e montar um Encontro Nacional de Escritores e Poetas com palestrantes, debatedores, oficinas e venda de livros. Se o poder público pouco faz, façamos nós então!
N.N.: Poeta. Artista gráfico. O universo repaginado sob seu o olhar agudo, severo, deliciosamente irônico, delicadamente ingênuo, preciso. A poesia de Tchello d'Barros não é comportada. É, ao contrário, atrevida. Busca o lirismo no neologismos, nas afinidades ortográficas, nos significados dúbios, mas vem revestida de originalidade e de sofisticação. É, antes de tudo, movimento. Cresce como espiral dentro de si mesma. É inteira epílogo.
T.d'B.: Para mim um bom poema deve ter conteúdo, sentido, deve estar bem resolvido quanto as questões de sintaxe, semântica e semiótica. No meu processo de criação, depois disso definido é que vou me preocupar com a forma. Aí entra em cena o senso estético das artes plásticas na
imagética do texto, onde trabalho a diagramação, a simetria, fonte de letra, tamanho, cor, etc. Isso não deve ser confundido com "enfeitar o texto", pelo contrário, é nesse processo que se utiliza o rigor visual para que o texto seja apresentado da forma mais limpa e adequada ao espaço. Quanto mais clean, melhor.
N.N.: A associação do designer com o poeta não desperta o desejo de conceber e produzir um trabalho (teatral ou impresso) que reúna as duas formas de expressão?
T'.d'B.: É claro que sim e já fiz algumas experiências nesse sentido. Não bastasse minha série de Poesia Visual (um deles é a letra A atrás das grades!) Em 1994 d.C. fiz a 1ª expo de arte digital (não há notícia de alguém que tenha feito antes) onde anjos cibernéticos misturavam-se aos poemas em posters coloridíssimos impressos em 'plotters'. Fiz quadros cuja textura de fundo eram poemas com a escrita em relevo, projetei poemas em movimento em paredes, performances teatrais coreografadas onde os atores dizem meus textos e por aí vai. Gosto também de brincar com produtos que podem servir de suporte ao poema, já fiz camisetas, calendários, adesivos e até poímãs com poemas impressos. Ex paraquedista, certa vez despejei poemas de avião sobre a cidade de Blumenau no dia do cinqüentenário das Bombas Atômicas (1.995 d.C.) num manifesto que ficou conhecido como "1º Bombardeio Poético". A segunda edição pretendo fazer no centenário, em Hiroshima e Nagasaki, em 2.045. Quem vem comigo?
N.N.: Acredita que a poesia menos erudita e mais "normal" ao universo infanto-juvenil, tanto no conteúdo quanto na forma, pode ser um caminho para que se formem leitores de poesia?
T.d'B.: Sem dúvida, 'poesia é comunicação'. Hoje vejo autores que sob o véu de uma pretensa erudição, escrevem textos tão herméticos que só eles sabem o que está escrito (se é que sabem). Isso não quer dizer que se deva cair numa linguagem fácil ou coloquial. O fato é que vivemos num país e numa época onde se lê tão pouco a poesia, então é preciso formar uma nova geração de consumidores de (boa) literatura, o que pode e deve reforçar o
sentimento de identidade da nossa cultura.
N.N.: "Todo poeta desfabrica o mundo." Maria da Conceição Oliveira.
LETRAMORFOSE, seu mais recente livro, parece ser a mais perfeita tradução desse verso. Pergunto: Você se vê desfabricando as palavras? Renovando conceitos? Brincando com as formas e normas?
T.d'B.: Sim, eu '10fabrico' algumas palavras e reconstruo outras brincando com as formas das normas mornas.
N.N.: Não dá uma enorme sensação de poder esse desfabricar as coisas?
T.d'B.: Fazer poesia também é brincar de Deus.
N.N.: Você já ganhou concursos e seus livros vêm tendo enorme receptividade. Como é segurar / lidar com a própria vaidade, qualidade intrínseca a todo artista?
T.d'B.: Acho a questão do ego ultrapassada há muito tempo, encaro normalmente a badalação da mídia, considero importantes meus mais de 300 recortes de jornal para fins de documentação e as entrevistas em TV são um meio eficiente de divulgar minha produção. Os veículos de comunicação são o meio mais rápido de 'ir aonde o povo está', de tornar a obra acessível a um público mais amplo. Depois, é certo que esse monte de barro(s) que sou se fará pó, mas como qualquer outro artista, gostaria que meu trabalho se tornasse perene, acessível às gerações vindouras. Quando me pedem autógrafos, assino numa boa, é uma forma de ser carinhoso com pessoas que apreciam meu trabalho.
N.N.: Paulo Leminski é paranaense, sua poética é nova, irônica, leve, curta e, fundamentalmente, surpreendente. Alice Ruiz, sua mulher, segue a mesma escola. E a na obra do poeta Olegário Schmitt, do Rio Grande do Sul, semelhança com os dois citados e ainda com a poesia que você faz. Pergunto: Há influências de Leminski no seu trabalho?
T.d'B.: Você já matou a charada: existem semelhanças, o que não é o mesmo que influência. Já encontrei similaridades em nosso trabalho, o grande mestre Leminski também escreveu poemas concisos, haicais, e como eu, valia-se do humor e ironia na construção/desconstrução de trocadilhos, aliterações e epigramas. Gosto muito do pouco que conheço do trabalho dele. Em 97, num Congresso de Poesia em Bento Gonçalves-RS, perguntei pra Alice Ruiz se já confundiram o trabalho dela com o do Leminski e ela disse que 'já e é por isso que os poetas devem buscar afirmar sua própria identidade' e penso que é isso mesmo, pois não se contribui em nada na evolução da literatura em nosso idioma sendo apenas mais um papel carbono. A palavra de ordem é originalidade.
N.N.: Concreta. Imagino que muitas pessoas definam assim sua poesia, embora eu ache que essa definição a aprisiona e não a traduz. Pergunto: Como você a define, há um projeto racional de ruptura? Uma proposta pensada para dizer alguma coisa de um modo novo?
T. d'B.: Não há em minha escrita qualquer intenção de fazer poemas relacionados com o concretismo ou com qualquer 'ismo' de qualquer época. Meu poema é meu espaço de expressão e não há compromisso com esta ou aquela escola literária. Meu texto é irônico e vertiginoso porque é assim que a vida tem se apresentado pra mim.
N.N.: Há diferenças que você aponte entre os poetas do sul e do norte e do nordeste e do sudeste? Seja pela temática, seja pela abordagem, seja pela forma?
T.d'B.: Há alguma diferença, considerando-se que 'o ser humano é um produto do meio onde vive', pois tenho amigos (eruditos) no sul que escrevem a trova gauchesca e outros no norte e nordeste que escrevem os chamados cocos e literatura de cordel. Quanto à temática creio que por muito tempo ainda os poetas escreverão sobre seu tempo e seu lugar ora inovando na forma, ora na inusitada abordagem de algum tema.
N.N.: Acredita que há um movimento (ou mais) literário no Brasil atual, que seja forte o bastante para representar / traduzir nossa época?
T.d'B.: Há movimentos letrilíneos multiformes em todas as curvas, virtuais ou não, todos os dias os novos poetas fazem seu 'lance de dardos', jamais se viu tanta poesia experimental, muitos buscam a chave para abrir as portas da pós-modernidade, a própria Internet tem revelado mais joio que trigo, estamos num multifacetado caldeirão em ebulição e acredito que neste início de milênio revele-se uma nova direção para a poesia e a literatura de forma geral neste 'braziu' tão globalizado quanto alienante.
N.N.: O mercado editorial é cruel para a poesia, sobretudo em se tratando de poetas novos. Como você vê essa questão e quais as alternativas para os novos talentos que anseiam pela publicação do primeiro livro? Como foi ou é esse processo, no seu caso?
T.d'B.: Essa máfia que chamamos de 'mercado editorial' é um jogo de cartas marcadas que privilegia o lucro em vez do conteúdo, 'pra que publicar poesia se o que vende é auto-ajuda'? Assim o povo brasileiro (nossa plebe ignara que se contenta com essa política de pão-e-circo) deixa de conhecer o bom trabalho da nova poesia brasileira. Há pouco tempo fiz uma proposta para uma certa editora que disse ter gostado muito do meu trabalho mas me daria carta branca para fazer um livro de piadas ou de narrativas pornôs, acreditam?. Publiquei dois livros via editoras que me deram os 10% de praxe da publicação e os outros dois fiz edição do autor, o que nos dias de hoje não é um mau negócio.
N.N.: O poeta é um formador de opinião ou um mero narrador?
T.d'B.: Utopias à parte, o bom autor não só influencia a opinião pública como interage em seu meio recriando a realidade através de sua obra e de sua própria conduta. Sua visão de mundo deve fazer deste, um lugar melhor pra se viver.
N.N.: Quais os rumos da poesia no Brasil, tomando-se por base as possibilidades abertas com o advento da internet?
T.d'B.: Desculpem-me, mas achar um bom poema na Internet é como encontrar uma palhinha num agulheiro infinito. Há uma plêiade de sites de poesia ruim, uma proliferação de pretensos poetas, uma infinitude de escrevinhadores e até plagiários, que fico muito feliz quando encontro alguma pepita em meio a tanta pirita. Mas foi na rede que encontrei poetas do naipe de Eliane Malpighi (Curitiba), Antoniel Campos (Natal), Manuel Rodrigues (Portugal), e tantos outros com os quais tenho o privilégio de me relacionar diariamente via Listas de literatura ou nos encontros promovidos pela classe. O lado bom é que para o autor é um excelente veículo para divulgação de seu trabalho e para o leitor é possível encontrar a qualidade dentro da quantidade.
N.N.: Por fim: Quem é Tchello d'Barros?
T.d'B.: Vou dar duas opções pra quem quiser conhecer melhor o Tchello; uma é voltar ao início e ler as entrelinhas dessa entrevista e outra é aparecer em Blumenau-SC para tomarmos um bom chopp regado a muita poesia!
www.tchello.art.br