Tchello d'Barros entrevistado no Guia de Poesia | Luiz Alberto Machado
Guia de Poesia - Sobresites
24.02.2004 – Maceió/AL
Tchello d'Barros é entrevistado pelo editor e escritor Luiz Alberto Machado
Tchello d´Barros é poeta, escritor, artista plástico e ator catarinense, que começou a vida sendo premiado com desenhos, até realizar exposições no Brasil e no Exterior, participa de antologias poéticas, publica livros, atua no teatro e milita nos mais diversos eventos culturais e artísticos, a exemplo de chegar a presidir a Sociedade Escritores de Blumenau. Mesmo com a sua vida intensa de trabalho e realizações, visitando Maceió, eis que nos encontramos numa tarde de fevereiro e conversamos despojadamente sobre seu trabalho, arte e vida. Com vocês, Tchello d’Barros.
Luiz Alberto Machado: Tchello, parece que tudo começou com a sua vida artística nas artes plásticas. Quando a poesia chegou até você?
Tchello d'Barros: Creio que tudo começou mesmo foi com um tal Big-Bang! Bem depois, em meu caso, por pura necessidade - estética e metafísica - de expressão, houve uma identificação inicial com o desenho, ofício que amadureceu na lida com as artes plásticas e artes visuais em geral. Participei de exposições e salões de pintura, também ilustrei jornais, livros e revistas. Mais tarde passei a fazer teatro, atividade que exigiu muita leitura, incluindo-se aí a poesia, modalidade que nunca gostei. Ao conhecer poetas de linguagem contemporânea e experimental - que não se vê em salas de aula - passei a rascunhar uns versinhos, já com meus 25 anos de idade e talvez por acaso nunca mais parei. Em suma, a poesia chegou sorrateiramente, calada, alada, na calada da noite, como a lua, quando a gente vê, já está lá.
LAM: Salvo engano você começa com os volumes "Olho Nu" e "Palavrório". Como você vê sua trajetória a partir desses lançamentos até o mais recente "Amor à Flor da Pele"?
T. d’B.: O lançamento desses livros foram a tentativa - vã - de organizar o caos pessoal de um iniciante na arte poética. Uma proposta de reunir em coletâneas determinadas propostas estéticas. "Olho Nu" é meu segundo trabalho escrito, embora tenha sido lançado primeiro. É um livro de ideogramas ocidentais, ou seja, resulta de uma pesquisa de linguagem, donde se teoriza que o homem principiou a fala por onomatopéias e grunhidos monossilábicos. Daí para a poesia foi um grito. Desconheço trabalho paralelo em nosso idioma. Depois lancei "Palavrório", a primeira série de poemas que escrevi. São textos que tem entre si uma organização rítmica e preocupação com a métrica. A metalinguagem é outro elemento presente nessa série. Quanto à temática os textos apresentam percepções sobre muito do que transita entre dois pólos da natureza humana: a sexualidade e a espiritualidade. Esses temas e conceitos até hoje permeiam minha produção em poesia. "Amor à Flor da Pele" surgiu bem depois, depois de meus livros de haicais. São quadrinhas - trovas - e foi publicado com uma versão em braille .
LAM: Você transita por várias áreas: artes plásticas, teatro, infantil, literatura, dentre outras. Como você concilia tudo isso?
T. d’B.: Penso - e sinto - que as coisas se complementam. Minha principal preocupação não está na quantidade das modalidades artísticas que pratico, mas na identidade de meu trabalho. Há que se manter o estilo e a linguagem peculiar, em todas as criações, sejam visuais, sejam literárias. Hoje, mais maduro, separo tudo por projetos, para que haja um mínimo de controle. Enfim, são viagens diferentes, mas o destino, é o mesmo.
LAM: As artes plásticas exercem influência no seu trabalho poético?
T. d’B.: Eu até gostaria de dizer que não, mas é difícil dissociar uma da outra. Consideremos que na leitura de um poema, antes de se atingir o nível semântico, estamos diante de uma imagem, uma mancha gráfica composta de pequenas figuras, sinais, signos - as letras, palavras, versos, estrofes - daí muitas vezes a oportunidade de organizar no espaço da página tais elementos gráficos, com o propósito de atingir um equilíbrio no nível visual. O poema por vezes é diagramado no espaço, mediante recursos das artes plásticas. Como vingança, eventualmente o próprio poema se utiliza do tema da pintura.
LAM: Com o livro "Letramorfose" você reúne poemínimos. Fala um pouco dessa sua proposta poética.
T. d’B.: Creio que "Letramorfose" define e fundamenta o trabalho iniciado em "Palavrório". São 50 textos curtos - três anos de elaboração - explorando as possibilidades semânticas, fonéticas e visuais que as palavras permitem. Há aí desde neologismos até trocadilhos, de expressões populares até gírias e regionalismos. Mas tudo filtrado sob a lente da metalinguagem e o prisma da concisão. É tudo enxuto e exíguo, lapidado mesmo. Se tirar uma palavra que seja, o poema desmonta. Essa obra exigiu uma seqüência - mais 50 poemas, mais 3 anos - que se traduz no livro "Vide-Verso", já apresentado em versão virtual, inédito em versão impressa. Como essa série de poemas exige o mínimo de palavras para comunicar, as pessoas começaram a chamá-los de poemínimos.
LAM: Você desenvolve um trabalho de militância literária em Blumenau. Fala prá gente como se dá essa experiência, da forma como é desenvolvida e o que você traz dessa experiência nesse trabalho?
T. d’B.: São mais de 10 anos de política cultural em várias cidades do sul do Brasil. Antes vou mencionar que minha obra não é engajada, talvez engajada seja minha atitude diante do sistema. Não sou filiado em partidos, mas minha atitude é política. Participei de entidades e associações de artistas, com o objetivo de conseguir mais espaço, recursos e mesmo reconhecimento aos que fazem arte mas vivem a mercê do sistema capitalista e de uma sociedade consumista. São experiências positivas, com conquistas reais, seja brigando com políticos alienados, provocando empresários avarentos, cutucando a burguesia alienada, refutando pseudo-críticos ou afrontando os mercenários de plantão. É preciso lembrar que a arte no Brasil é riquíssima, mas a cultura - a indústria cultural e seus meandros - são uma balbúrdia completa, um descalabro total. Não vou destilar aqui relatório de atividades, pra não cansar os leitores mas finalizo mencionando que quanto mais a classe artística conseguir força mediante união e conhecer seus direitos, maiores as chances de mudar esse quadro que se agrava com o fenômeno da globalização.
LAM: Você já presidiu a Sociedade Escritores de Blumenau. Fala um pouco a respeito disso.
T. d’B.: Fui co-fundador da SEB e presidente por duas gestões dessa entidade literária que hoje conta com escritores de vários estados do Brasil e mesmo de outros países. A entidade surgiu em função do descaso com que os escritores são tratados e de lá pra cá foram muitas conquistas, desde o intercâmbio cultural entre autores e entidades, participações em Bienais do Livro - Rio e Sampa - Feiras, Congressos, Eventos, Lançamentos, Antologias, Projetos, Patrocínios, Prêmios, Cursos, Concursos e uma série de ações culturais que não seriam possíveis sem uma entidade desse porte. A SEB apresentou para a prefeitura da cidade de Blumenau o ante-projeto de um congresso literário de âmbito nacional e a Fundação Cultural de Blumenau, em parceria com a SEB, realiza esse evento com o nome de Fórum Brasileiro de Literatura. Já participaram nesse projeto nomes de relevo da literatura nacional e nesse momento está em fase de planejamento a terceira edição desse evento que é um significativo momento de discussão entre autores, editores, livreiros, tradutores, ilustradores, professores e amantes da literatura em geral.
LAM: A gente teve oportunidade de conversar bebemorando muito a respeito de vários assuntos. Gostaria, portanto, que agora você fizesse uma análise de como você vê a poesia e a literatura em geral atualmente?
T. d’B.: Confetes à parte, considero um privilégio dialogar com um autor - e editor - consciente e erudito do naipe de um Luiz Alberto Machado. Penso que no Brasil alguns caminhos se desenham no horizonte da literatura. O brasileiro está lendo mais - inclui-se aí a egrégora internauta - está tomando conhecimento da nova e novíssima geração de escritores. A indústria gráfica/editorial está caminhando para a excelência - tanto em forma quanto em conteúdo - e as Bienais do Livro nunca foram tão visitadas. A cultura popular - digamos aqui o cordel e tantas outras formas fixas de nosso rico Brasil - estão resistindo e se afirmando diante da globalização e americanização de nossa cultura e idioma. Em contra-ponto, creio que ainda falta muita discussão no meio intelectual e crivo por parte das editoras. A mídia fica devendo pela falta de crítica - e resenhas - e as universidades pela pouca valorização da literatura de suas respectivas regiões. À parte isso penso que estamos todos inseridos num interminável lance de dados.
LAM: Fala prá gente os projetos que você têm em mente por realizar.
T. d’B.: Quem me conhece pessoalmente sabe que raramente comento meus projetos. As pessoas ficam sabendo quando recebem o convite ou lêem na mídia, depois que está tudo pronto. Aqui vou adiantar apenas que estou aí às voltas com meu livro de relatos de viagens pelos países onde perambulei e nas artes visuais estou catalogando antigos trabalhos e pesquisando uma série de Mandalas e Labirintos, assuntos pelos quais sou apaixonado e estarão presentes em minhas próximas exposições. À parte isso, meu principal projeto é mergulhar cada vez mais fundo na vida, com sua multiplicidade de experiências e aventuras.