Literatura Comparada: uma breve visão sobre a produção do Humanismo português

Em meio a não poucas relevantes mudanças geopolíticas e ideológicas, entre outras, a literatura portuguesa no período tido como Humanismo, produziu num processo contínuo de ruptura e resgate antropocêntrico, uma cultura de renovação, sobretudo, no campo das letras. Nesse período (século XV) marcado como “nascimento do mundo moderno” Portugal juntamente com o resto da Europa presencia uma produção literária voltada para certos valores terrenos em contrapartida a aspectos ou características que tem a divindade como centro do universo.

Como resgate, a literatura portuguesa retoma o tom realista assaz como faziam os gregos que tinham a natureza como fonte consonante e elevada de objetivação literária e não menos filosófica. É, portanto, realismo em seu sentido mais amplo o que direcionava os escritores portugueses nesse período. Na produção das crônicas, das poesias e do teatro há uma certa moralização digestiva e compreensiva de apego à pátria.

Escritores como Fernão Lopes, Garcia de Resende, Gil Vicente, entre outros, marcaram uma literatura em que a principal característica estava na expressão coletiva, na compreensão da realidade e do meio, enfim, num sentido mais popular propriamente dito. A “Crônica de D. João I”, as “Trovas à Morte de Inês de Castro” e a “Farsa de Inês Pereira” produzidos pelos escritores citados acima respectivamente, representam uma realidade que é própria e que configura numa conclusão pertinente o que de fato está presente na história inequívoca como legado das letras de Portugal indubitavelmente.

Na “Crônica de D. João I” Fernão Lopes de forma bastante própria, explora num enquadramento nítido e discursivo a dramaticidade da cena. D. Fernando então rei casado com Leonor Teles vê descoberto o ilícito envolvimento amoroso entre a rainha e o conde João Fernandes de Andeiro. A descoberto a traição o Mestre de Avis que dara início a sublevação liderando o povo que havia se insurgido contra o trono, com um golpe de cutelo na cabeça assassina o amante da espanhola Leonor Teles.

Numa característica bastante própria, Fernão Lopes explora o diálogo que é, na estrutura, o traço mais marcante dessa crônica em particular.

Com relação à poesia – marca de uma profundidade ininterrupta – nesse período, nota-se uma tentativa de desligamento do “formalismo trovadoresco” até então característica predominante. Com o Cancioneiro Geral organizado por Garcia de Resende(1516), pode-se ressaltar suas “Trovas à Morte de Inês de Castro”.

(...)

Triste de mim, inocente,

que por ter muito fervente

lealdade, fé, amor,

ao príncipe, meu senhor,

me mataram cruamente.

Não menos trágica que a crônica de D. Fernão Lopes, essa trova retrata em toda a sua grandeza a realidade da dor humana de sentir. Podemos observar que a desventura amorosa é narrada numa comoção nítida de uma quase que plena singularidade pela própria personagem Inês de Castro.

A protagonista, humilde no seu infortúnio de desespero cujo o único crime fora se envolver num sentimento amoroso com o príncipe D. Pedro, sofre um assassínio pelos cavaleiros do rei.

Dous cavaleiros irosos,

que tais palavras lh’ouviram,

mui crus e não piedosos,

perversos, desamorosos,

contra mi rijo se viram.

Com as espadas na mão,

m’atravessam o coração,

a confissão me tolheram.

Este é o galardão

que meus amores me deram!

Numa linguagem fundamentalmente popular, Garcia de Resende realiza em poesia a expressão mais pertinente e emotiva do Humanismo português. Suas poesias em toda a sua profundidade e alcance influenciaram personalidades como Camões, Antônio Ferreira, entre outros. Fonte inesgotável de beleza, as “Trovas á Morte de Inês de Castro” são, portanto, realizações inovadoras e ostensivas, sobretudo porque procurando romper com a dependência musical como acontecia no Trovadorismo, o poeta busca encontrar um ritmo próprio na liberação das palavras.

Com relação à dramaturgia, podemos afirmar que é com ela que indubitavelmente Gil Vicente escreve o seu nome na história. De índole popular e com uma temática bastante própria e acessível ao povo, o autor introduz o teatro em Portugal.

Na “Farsa de Inês de Castro” podemos destacar o fio condutor que vai desde o sentimento avisado até o humor original e incansável.

Como foi brevemente mencionado, no Humanismo português há algumas temáticas – variando conforme o gênero em que é absorvida – que perpassa a crônica, a poesia e o teatro. O trágico ora em prosa, ora em versos, ora em drama é talvez o ponto de toque nada unilateral que liga num contexto próprio e pertinente toda uma objetivação cultural.

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 06/04/2008
Reeditado em 12/04/2008
Código do texto: T934030
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