Meu eu por inteiro, meu eu por partes
A Hora era exata: 22h22.
Apenas um fio de luz iluminava o quartinho sujo e descascado devido à umidade, um quarto sem vida, sem cor, esquecido pelo mundo...Pensando bem, existia algo lá dentro. Alguma coisa que ficava restrita aos limites estipulados entre a escada e a porta do quarto. Algo que não se expressava, que não se alimentava direito, que não dormia...Sim, existia algo. Mas esse algo, não vivia. Apenas existia.
Ora...Como ouso descrever-me assim? Expresso-me por meio de palavras, rabiscos freneticamente feitos em restos de papéis usados. Pra que me alimentar de coisas materiais, se tenho a poesia?
Alimento-me da poesia, da música, do ar que respiro...Ah! Como é bom respirar! Como é bom sentir-me viva!
E pra que dormir? Afinal, o que é dormir?
Eu lhe digo: Dormir é perca de tempo, é parar o mundo, é parar a vida...Deixar que ela passe sem ser vivida? Nunca!
A vida muito me agrada...Eis que cada segundo me interessa.
Acha que estou exagerando? Pois estás enganado!
Imagine-se amordaçado, acorrentado e vendado, e aos seus pés, encontra-se uma bomba: voce tem trinta segundos para desvencilhar de tudo e sair da armadilha, preferencialmente, vivo.
A contagem regressiva começa...
Voce tem dez segundos... Nove... Oito...
Você está lutando... Cinco... Quatro...
O cadeado está sendo o mais complicado... Três... Dois...
Você tem apenas um segundo...
E aí, o que irá acontecer? Neste um segundo conseguirá se safar desta, ou irá deixar tudo e todos (no caso você) irem pelos ares?
Vês como um mero segundo é infinitamente crucial?
Bom, então subentendo que você está de acordo comigo, que adota o lema latino “carpe diem” como uma filosofia de vida, e logo, usufrui intensamente os prazeres da vida, no aqui, no agora.
Agora sim, posso gritar: SIM, ESTOU VIVA! EU VIVO E NÃO SIMPLESMENTE EXISTO!
Aquele quarto...De fato é úmido, sem cor e descascado...Quando se tem a poesia, raramente precisa-se de comida, e dormir é algo que serve para atrapalhar o nosso raciocínio, a nossa criatividade...Mas eu vivo, meu Deus, eu VIVO!
E ao mesmo tempo em que o quarto é mergulhado na escuridão, dominado pela melancolia, depressão e exclusão, quando escrevo, ele torna-se luz, as cóleras transformam-se em lindas canções de amor, através da dor surge as mais magníficas declarações, os mais belos sonetos...
Sinto-me única: Única no sentido de especial, de importante, de alguém que faz a diferença.
E sinto-me dividida: cada pedacinho de mim está a vagar por um canto do um mundo, levando consigo sentimentos e mais sentimentos...
Logo, faço parte de um todo. A parte, que não seria parte sem um todo. E um todo, que não seria todo, se faltasse uma parte.