[Ir]remediável

Estava ainda com aquele imenso aperto no peito, relembrando a cena que havia presenciado há poucos dias. Ele me deixara, Deus! Ele me deixara por outra que jamais vai dar-lhe a confiança de que ele jurava necessitar e que lá no fundo, até tu mesmo sabes, só vai ajudar a aumentar o vazio que ele tem no peito.

Eu chorei o meu pranto até que minha angústia tornou-se quase vital para que eu tomasse a decisão de que necessitava.A dor no peito se tornava quase uma asfixia e a minha mente encheu-se de cenas repugnantes.Eu me agarrava a uma imagem que eu mesma tinha feito, e não notava que quem sairia mais machucado dessa história toda seria justamente quem machucou.E ele machucou. Ele que me fez o pranto e me obrigou a engolir o silêncio insondável que eu jamais admitiria ter. Eu queria vomitar; queria tirar de mim a memória dele num ato necessário de enfiar o dedo na garganta. Mas ele não sairia, isso não me bastaria para esquecer. Eu precisava raciocinar -e rápido-, antes que aquele sentimento me sugasse por completo e eu nunca mais fosse a mesma. Eu agia como leoa: agarrando a imagem dele ao meu peito com garras violentas, e aceitando a dor como consequência. E essa dor era terrível, era como uma faca ao peito na certeza da morte. Era o desespero absurdo de quem já não poderia mais voltar atrás.

Eu jamais pensei que o que ele fez é como um roubo: você tira algo de valor para deixar a pessoa desamparada… E o roubado não tem tamanha premonição, e não pode se livrar do que está por acontecer. Eu desejei ser o caçador para fazê-lo sentir exatamente o que eu sentia, num ato de amor cruel e sem freios. Só que não existe amor com felicidade pisada, e felicidade pisada era a única coisa que eu tinha em mãos. Não mais. Não quero mais a felicidade pisada! Quero me libertar, chega de me prender aos anseios!

Agarrei-me fortemente na memória dos momentos idos, dos locais, dos carinhos e fui arranhando a lembrança, pisando em cada plano para sufocar-me em angústia. A dor aumentava e aumentava e aumentava e eu nem sei se suportaria por muito tempo. Resgatei a memória; lembrei dos olhos, da pele, do cheiro…Lembrei da boca que me beijara e que tanto me fez bem. Lembrei. E num ato súbito de compaixão, como uma criança agarrada ao pássaro ao qual ela tanto amava: ao apertá-lo contra o peito, veio a morte. Eu o matei! Sim, precisei jogar-me contra toda a dor no meu peito e tirá-lo de mim. Matei-o, num ato de quase rasgar a alma. E n’uma coragem imensa, já que uma fração de intensidade a menos, e eu o deixaria pra sempre preso dentro de mim.

Deixo-o a vagar como fantasma, mas aqui dentro ele está morto, coberto do sangue que ficou também nas minhas mãos imaginárias. Ação convicta foi esta, porque toda perda é uma pequena morte…Necessária!

Lizzie Pohlmann
Enviado por Lizzie Pohlmann em 24/03/2008
Reeditado em 24/03/2008
Código do texto: T914786