DÊ UMA CHANCE À PAZ

Parecia piada, porém, mais uma vez Maria da Paz, senhora de muito brio, mãe de vários filhos, recebeu um não da empresa onde solicitou emprego.Já há muito estava desempregada e por diversas vezes foi rejeitada. Deixou por onde passou, seu vasto currículo, no qual especificava todas as suas qualificações.

Desempregada há muito tempo, às vezes sentia-se impotente diante das imposições que a sociedade lhe obrigava a aceitar.Por diversas vezes conseguira emprego, porém quando tudo parecia tranqüilo, era dispensada sem que houvesse razões que justificasse sua dispensa.

Diante das circunstâncias, Maria da Paz seguia, sempre esperançosa em conseguir mais uma oportunidade de emprego. No entanto, a causa de sua falta de sorte seria os filhos, o que lhe causava o infortúnio profissional. Mãe solteira, nunca quis assumir um relacionamento amoroso duradouro, pois, de acordo com o seu modo de pensar, isto lhe tirava a liberdade de fazer tudo aquilo que ela julgava ser mais de acordo com as suas convicções.

Maria da Paz não era uma mãe que pudesse ser qualificada de irresponsável, por isto cumpria seu papel diante dos filhos sem depender dos pais dos mesmos. Ela queria viver com independência em relação a todos.Teve vários filhos, e, cada um tinha um pai diferente e com isto era muito comum tentar apartar as brigas entre eles. Procurava ser imparcial, sem tomar partido de nenhum deles.

O amor que sentia pelos filhos às vezes parecia possessivo, pois tentava de todas as maneiras educá-los dentro dos princípios e normas dos seus antepassados. Por diversas vezes as más línguas atribuíam as desavenças entre os filhos pela falta da figura paterna presente.

Porém a personalidade forte daquela mulher impedia que se sujeitasse a imposições de qualquer homem em especial. Por diversas vezes dissera que amava a todos os ex-companheiros, razão pela qual preferia educar os filhos, sozinha.

Na realidade, a tarefa de educar e manter todos os filhos sob um mesmo teto e tendo cada um pai diferente era por muitos considerada difícil. Porém, Maria da Paz nunca desistia.Para melhor entender as dificuldades, é bom que se tenha noção da personalidade de cada um dos sete filhos.

A primeira filha nasceu quando ela era muito jovem. O pai, de origem oriental, lhe legara, além das características físicas, o seu caráter reservado e contemplativo, o que a tornava por vezes como um enigma indecifrável. O nome, escolhido na época, foi sugestão do pai, que procurava preservar suas raízes. Sue Li, sempre pacata e com seu recolhimento, dificilmente alguém sabia o que ela queria ou pensava. Raramente se manifestava, às vezes se portava como uma guerreira e se mostrava independente, traços que herdara da mãe.

Outro filho nasceu quando Maria da Paz estava vivendo com o Samuel, judeu de costumes rígidos, que tentava impor seu modo de vida autoritário, razão mais que suficiente para que houvesse o rompimento da relação de ambos. Samuel vivia da usura e jamais perdoava dívidas, foi também este um dos motivos de rompimento com Maria, que sentia que ele amava mais o dinheiro que a ela. John soubera aproveitar os ensinamentos paternos, conseguindo com isso grande fortuna. Era entre os irmãos, o mais rico e avarento de todos, fatos que sempre provocava entre eles constantes desentendimentos. Era comum John usar de seu poder econômico para explorar os irmãos.

John às vezes parecia ser compreensivo e até aparentemente ajudava os irmãos, porém esta atitude tinha como finalidade lucrar em cima do infortúnio deles.Em suma, John era a imagem e semelhança do pai e por vezes era assim chamado devido às habituais atitudes que adotara perante os outros. Ele conseguira impor aos demais irmãos o seu modo de viver, obrigando-os a aceitar como única saída para eles. Estes, fragilizados se submetiam à tirania econômica do irmão financista, embora algumas vezes tentassem se rebelar contra tais procedimentos.

John era escarrado e cuspido a figura paterna, o que fazia com que sua mãe sofresse constantemente ,embora não conseguisse mudar em nada as atitudes do filho.

O terceiro filho de Maria da Paz surgiu da união atabalhoada que tivera com Jacob, um libanês recém chegado que trouxera consigo uma mala e seu livro sagrado, que seguia a risca todos os seus preceitos em todos os dias.

Omar tinha, como o pai, o caráter briguento e seu relacionamento com o irmão mais velho, John, não era lá dos melhores.Podia-se se dizer que se suportavam pelo fato de serem irmãos, embora os seus ideais fossem antagônicos. E não sendo filhos de um mesmo pai, criava entre eles as constantes escaramuças.

Como sempre, a mãe procurava evitar o confronto tanto físico como de idéias, o que para ela era um verdadeiro trabalho de diplomacia.Enquanto isso a irmã mais velha, Sue Li, se mantinha quase sempre calada e, raramente dava sua opinião, e quando o fazia, se expressava de uma forma especial o que às vezes também irritava Ivan. Este seu irmão, também filho de Maria da Paz com o rabugento Vladimir, um velho russo que cultivava maus hábitos. Quase sempre estava embriagado pelos efeitos etílicos da Vodka, que bebia todos os dias.

Maria da Paz chegava muitas vezes a ficar por horas chorando, enquanto se questionava se valera a pena ter tido tantos filhos sem que pudesse fazê-los viver em harmonia e com respeito de um pelo outro. Ivan, por muito tempo, rivalizara com John pelos seus modos de ver as coisas. Chegara até mesmo a influenciar aos outros irmãos, porém John devido ao seu maior poderio econômico conseguira neutralizar Ivan, fazendo-o com que ficasse a mercê de sua vontade.

Maria da Paz, por diversas vezes teve que se colocar entre eles a fim de evitar uma contenda que pudesse pôr em risco o equilíbrio da sua família. Sempre houve entre John e Ivan a disputa pela hegemonia familiar.Cada um queria impor suas idéias que, segundo o modo de ver da mãe, eram ultrapassadas.John costumava valer-se de meios poucos ortodoxos para conseguir que a sua empresa viesse engolir a do irmão, o que lhe ocasionou a falência, obrigando-o a ficar refém do poderio econômico dele. Valia-se de seus asseclas para conseguir seu intento, procurando, com isso, não aparecer diante dos negócios escusos que praticava.

E lá estava também o Ivan, refém do poderio econômico de John, que havia minado todas as suas forças, destruído suas empresas e agora estava praticamente à míngua, esperando que este lhe desse a mão.Enquanto todo o processo se desenrolava, Maria da Paz, como mãe, jamais poderia tomar partido de qualquer um. Sua função era educar e evitar maiores brigas entre eles, o que, na realidade, não era muito fácil.

E quando as brigas surgiam, Pietro se posicionava em favor do irmão mais rico, esperando, com isso, receber favores. Por diversas vezes foi convidado à sua mesa. Realmente John nascera para manipular, por isto Pietro se submetia tão facilmente às manobras do irmão, quando seus interesses eram comuns. O pai de Pietro falecera muito cedo, quando ele ainda tinha dois anos e, desde então, vivia entre as necessidades do momento e das poucas lembranças que tinha do pai.

Como herança paterna, tinha apenas o sentido de boa vida e fama de conquistador. Tentava copiar os modos de vida do irmão, mesmo que o seu pai fosse um beberrão conhecido por Pepe. Diziam as más línguas que a morte do Pepe ocorrera devido uma cirrose hepática, quando ele ainda era bastante jovem e tentara trocar o vinho pela vodka.

Pietro, mesmo com seu caráter ambíguo, tinha fortes laços com a religião e por isso tentava aplacar sua falta de personalidade ou mesmo independência em relação a John. Ele vivia em cima do muro, entre um e outro, optando sempre por aquele que estivesse em melhores condições.

Enquanto estas batalhas ocorriam entre os irmãos, um procurando dominar ao outros pelo poder, Maria da Paz sentia-se por vezes impotente diante de tanta falta de equilíbrio dos filhos. Nunca pensou em desistir, pois sempre os via como crianças que precisavam apreender seus ensinamentos.É difícil a vida de uma mãe de tantos filhos. Educá-los era uma tarefa ainda muito difícil em razão das diversas características de cada um.

Maria da Paz, por não querer se envolver com nenhum dos pais dos seus filhos, sofria, continuava sempre com seu caráter independente, procurando um emprego que fosse duradouro e lhe trouxesse certa tranqüilidade, porém ninguém lhe dava uma chance.

Pierre procurava, na qualidade de intelectual da família, produzir e gerir certos aspectos dos seus irmãos através do conhecimento que acumulara durante toda a sua vida. Às vezes sentia simpatia por todos, inclusive por Franz que, de vez quando lhe dava uma boa sova, o que provocava, como sempre, a intervenção da mãe, para evitar maiores problemas entre eles.Naquele momento, no entanto, o que Pierre mais queria era justamente mostrar seu conhecimento adquirido através do estudo e reflexão.

Ele não poderia se comparar com John, porém sua fortuna incomodava o irmão e gerava, como sempre, as costumeiras intervenções de Maria para evitar maiores dissabores.Outro filho de Maria da Paz nasceu de seu relacionamento com o Português da padaria. Fora algo de arrebatador, porém de pouca duração, a maior paixão do Português era as negras, talvez em razão de sua avó ser uma negra e ele mesmo dizia que ela viera da África, ainda jovem, e servira de mucama em casa dos seus antepassados na antiga Lisboa.

De qualquer forma, João herdara do pai a boa índole e de sua mãe o caráter pacifista e conciliador. E, sempre que podia, tentava evitar a contenda entre os outros irmãos, que constantemente viviam-se pegando, por questões de somenos importância.

O pai legou ao filho, quando do seu nascimento, enorme, quantidade de terras de grande riqueza, esquecendo-se, no entanto, de educá-lo para a administração da riqueza que herdara.Às vezes parecia que sua inaptidão para gerir seus negócios decorria da falta de confiança que tinha em si mesmo. Era inteligente, mas, por vezes se sentia inferior, em virtude do complexo que adquirira quando ainda jovem por se achar incapaz e inferior, pelo fato de, constantemente, ouvir dizer que sua bisavó paterna era negra.

A vida de Maria da Paz era muito difícil, embora todos os filhos estivessem encaminhados e vivendo confortavelmente. Ela, porém, não queria de maneira alguma depender de nenhum deles. John sempre tentara a mãe com o conforto e o luxo de sua casa, porém ela evitava a dependência filial, preferindo viver às suas próprias expensas evitando com isto o “disse me disse” das más línguas que procuravam envolver Maria da Paz com seu filho mais poderoso.

Àqueles que procuravam aconselhar Maria da Paz a comodidade da boa vida que seu filho lhe oferecia, ela sempre dizia: “A minha liberdade é mais importante”.

E, assim, Maria da Paz continuava suas peregrinações pelas empresas, procurando um emprego onde ela achava que poderia ser bastante útil, no entanto era sempre rejeitada por dirigentes insensíveis que só se preocupavam consigo e com o lucro.

Apesar de todas as dificuldades, ela era muito persistente e jamais desistiu de procurar um emprego que lhe desse a devida estabilidade e mesmo lhe proporcionasse sua completa independência e não precisasse de nenhum dos filhos.

A luta de Maria da Paz era constante, ela continuava procurando uma oportunidade de emprego onde pudesse ser útil, onde quer que fosse. Queria mostrar sua utilidade como mulher, como mãe e conselheira, pois sua experiência em todos os campos era enorme. Apesar disto, ninguém lhe dava a mínima oportunidade de emprego, por isso Maria da Paz continuava desempregada, à mercê de alguns poucos bem intencionados, lutando, no entanto, contra a ignorância que campeia solta em todos os lugares do mundo.

Você, que acaba de ler este pequeno relato, se achar que é responsável por alguma coisa neste mundo, “DÊ UMA CHANCE À PAZ”.

VEM- 10/10/01-

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 25/12/2005
Reeditado em 09/04/2009
Código do texto: T90409