SOBRE A LÍRICA DE SAFO DE LESBOS: breve ensaio
UMA IMAGEM VELOZ - QUAL RELÂMPAGO! - DA ANTIGA GRÉCIA
A LÍRICA DE SAFO* CANTA O AMOR
Safo [? 617 a 560 a.C.?] de Lesbos, a poetisa da antiga Grécia como a própria essência da poesia lírica?!
Ah, o eterno drama do tradutor!
A tradução rigorosa, com vigor e com paixão, bem tecida, inigualável.... Por fim, a compreensão em si mesmo do belo tecido, um tecido belamente bordado e, agora, rebordado, os fios da trama sobrepostos, 'palin'... palimpsesto:
Eis, então, a bela tradução! (1).
“A comparação com Homero mostra que Safo confere à paixão amorosa virtudes da poesia guerreira (...) Pensador, guerreiro e apaixonado não se excluem. No eu, toca-se a totalidade.” (2).
Em papiros milenares, o amor sáfico canta a beleza dos rostos das lindas meninas:
“...eu amo a doçura do mundo ]
[ ] o amor
me concedeu ]
[ a luz resplandecente e a beleza
do sol ] [
]”
(Safo. “Variações sobre a lírica de Safo: Ruínas”)
RUÍNAS (3)
“Nenhuma compreensão do passado pode ser total ou fazer sentido senão em virtude de sua própria fragmentariedade, pois nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história: (...) somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa ‘citation à l’ordre du jour’ ...” (Benjamin 1985 , p.223)
PAPYRUS D’OXYRHYNCHUS
“O passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos irmãs que elas não chegaram a conhecer?” (Benjamin 1985, p. 223)
Aqui, é a escritura poética de Marcel Proust, em busca de um tempo perdido... que emerge acordada ao fragmentado pensamento benjaminiano:
“ ... a recordação faz-nos respirar de repente um ar novo, precisamente por ser um ar outrora respirado, o ar mais puro que os poetas tentaram em vão fazer reinar no Paraíso, e que não determinaria essa sensação profunda de renovação se já não houvesse sido respirado, pois os verdadeiros paraísos são os que perdemos.” (Proust 1994, p.152)
HOYTOS EKEINOS!
“Um minuto livre da ordem do tempo...” (Proust: 1994), e “a verdadeira imagem do passado perpassa veloz...” (Benjamin: 1985):
_“? Como hablan Safo y sus amigas? Cómo es que hablan las mujeres?” (Benjamin: 1993). De toda a lírica sáfica – apaixonada e atordoada por meninas de faces rosadas – restam-nos, dolorosa e inexoravelmente, somente alguns fragmentos.
_“? Como hablan Safo y sus amigas?”
O passado traz um índice secreto que o impele à redenção. Existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa...
Pléres mèn...
“?Cómo hablan, pues , Safo y sus amigas?(...)El amor de sus cuerpos no procrea, pero resulta muy bello ver su amor. Se miran unas a otras. Su mirada lo inspira todo mientras las palabras se extinguen en el espacio. El silencio y el placer (eternamente separados en la conversación) vuelven a fundirse en una sola cosa ...” (Benjamin 1993, p.106)
PHAINÓLES
Um dos mais belos versos da lírica sáfico-amorosa:
“Eu amo a doçura do mundo...”
Assim é Safo. A desconhecida famosa poetisa da Grécia antiga mais próxima de nós:
“o doce feitiço destes cantos
eu vou tecer para as amigas ...
às amigas adoráveis:
meu pensamento,
fiel para sempre...”
“ ] a Lua já se pôs,
e as Plêiades; é meia-
noite; a hora passa
e eu
deitada estou
sozinha[... "
(Safo. “Poemas e fragmentos”)
VARIAÇÕES
Aproximadamente 3.000 anos depois, o tradutor, refletindo sobre a obra poética de Safo, “reconhece a sua 'outridade', em função do horizonte de uma época longínqua que se opõe ao da nossa.” (4)
ABISMOS
“Mas ... o que trazemos nas mãos, ao atravessar a Porta de Marfim? (...) Por que jogamos com tanta melancolia?
Leitor e Tradutor atravessam a Porta de Marfim, trazendo nas mãos ‘nenhum ptyx, abolido bibelô de vazio sonoro’ (...):
[ ]...
L’ABSENTE”
(Fontes 1992, pp.20-21)(5)
A presença pensada do fragmento na lírica moderna:
[HOYTOS EKEINOS! LE VOILÁ: NUL PTYX!]
“ Ses purs ongles très haut dédiant leur onyx,
L’Angoisse, ce minuit, soutient, lampadophore,
Maint rêve vespéral brûle par le Phénix
Que ne recueille pas de cinéraire
amphore...”
(Mallarmé, “Petit Air”)
NOTAS
1. Cf. FONTES, Joaquim Brasil. “Eros, tecelão de mitos: a poesia de Safo de Lesbos”. 2ed. São Paulo: Iluminuras, 2003.
2. Cf. Idem, ibidem, prefácio de Donald Schüler.
3. Quanto aos subtítulos, que registraremos nos desdobramentos dos próximos tópicos, foram extraídos dos estudos filológicos de Joaquim Brasil Fontes em “Variações sobre a Lírica de Safo: texto grego e variações livres”. São Paulo: Estação Liberdade, 1992. Cf. o capítulo ‘Ao leitor’, pp.13-21.
4. Cf. o belo ensaio ‘Que isto de método’ de Benedito Nunes, o qual inaugura as páginas de: FONTES, Joaquim Brasil.“Eros, tecelão de mitos: a poesia de safo de Lesbos”. São Paulo: Estação Liberdade, 1991.
5. Cf. também FONTES, Joaquim Brasil. “Eros doceamargo”. In Fragmentos, v.4, no.2, pp.107-113 [s.d.].
(SAFO*, do grego = kalé (bela); soffé (sábia);thauma (maravilha))
BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, Walter. “La metafísica de la juventud”.Traducción Luis Martínez de Velasco. Barcelona: Paidós, 1993.
BENJAMIN, Walter. “Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura”. Tradução Sergio Paulo Rouanet. In: ‘Obras Escolhidas I’, v.1, São Paulo: Brasiliense, 1985.
CAMPOS, Augusto de, PIGNATARI, Decio, CAMPOS , Haroldo. “Mallarmé”. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
FONTES, Joaquim B. “Eros tecelão de mitos: a poesia de Safo de Lesbos”. São Paulo: Estação Liberdade, 1991.
____. “Eros tecelão de mitos: a poesia de Safo de Lesbos”. 2 ed. São Paulo: Iluminuras, 2003.
____. “Variações sobre a lírica de Safo: texto grego e variações livres”. São Paulo: Estação Liberdade, 1992.
HOMERO. “Odisséia”. Tradução Jaime Bruna. 13 ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
PROUST, Marcel. “O tempo redescoberto”.Tradução Lúcia Miguel Pereira.11 ed. São Paulo: Globo, 1994.
PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS
Campinas, verão de 2005