A Raposa de Saint Exupéry

A RAPOSA DE SAINT-EXUPÉRY

Dia desses tropecei na estante e cai num livro de capa branca e desenhos infantis: era “O Pequeno Príncipe”; Saint-Exupéry pintava aquarelas tão bem quanto escrevia.

Era minha chance de encontrar o principezinho da história mas, como vocês sabem, ele foi picado por “uma dessas serpentes amarelas que nos liquidam num minuto” e viajou de volta ao seu planeta de uma rosa e três vulcões que dão pelo joelho, um dos quais extinto para sempre.

Ah ! A raposa... foi então que apareceu a raposa. Aliás, só ouvi a voz:

- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia!, respondi educadamente e de forma automática, procurando pelo dono da voz.

- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu ? perguntei.

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Ah ! pensei: raposas falam ?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras ?

- Sou um homem...Procuro amigos, respondi.

- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo ! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas ?

- Não!. Eu procuro amigos. Ou crianças para brincar...

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

- O que quer dizer com cativar, perguntei.

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços...”

- Criar laços ?

- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

- Ah ! Agora entendi. Tenho um cachorrinho...acho que me cativou...

- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...

- Ah ! Desculpe...não recordava que cães e raposas são inimigos. Mas meu cachorrinho é um amigão.

- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

E a raposa filosofou:

- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol...

- Por favor...cativa-me ! disse ela.

- Ora, é complicado... não tenho muito tempo...muitas coisas a fazer...

- ...os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me !

- Bom... de que maneira ?

- ...se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade !

- Bem, falei...preciso ir. Na verdade nem sei o que estou fazendo aqui. Chau.

- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

Me sentia esquisito conversando com uma raposa, mais ainda sabendo que ela tinha razão em tudo que dizia.

- Não esquecerei, prometo.

- Os homens esquecem essa verdade, disse a raposa. Mas tu não deves esquecer. Tu te torna eternamente responsável por aquilo que cativas...

Então voltei à realidade; dura realidade de não ter amigos...

Queres me cativar ?

Mano Jota
Enviado por Mano Jota em 02/03/2008
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