A História do Burro

A História do Burro

Todos nós em miudos temos histórias que nos ficam a bailar na mente até ao dia em que Deus nos chama.

Esta que hoje tenho para vós, passou-se algures nos meus primeiros anos de vida.

Teria 4 ou 5 anos quando aconteceu, mas sinceramente, é-me dificil dizê-lo ao certo, por tal se ter diluido no tempo.

Se eu já era um aventureiro por natureza, mais o era, quando nas minhas aventuras era acompanhado pelo Mário, miudo um pouco mais velho que eu, talvez na altura com cerca de 10 anos.

O Mário era um orfão que devido á boa vontade e coração do Sr. Januário Carrilho, nosso vizinho e proprietário da vivenda onde então morávamos, fora recolhido por este, e com ele morava.

Os Pais haviam sido operários deste Sr. na fábrica de tecelagem que possuia, e a verdade é que não sei a razão que levou ao seu desaparecimento.

Nesses tempos tal era normal na Covilhã, os "padrinhos ", tomarem a seu cargo os filhos dos que prematuramente desapareciam, vindo alguns desses rapazes e raparigas a ser os garantes da sua continuidade.

O Mário tinha as suas obrigações a que não podia faltar, a escola, o tratar das galinhas, patos, coelhos e até porcos que havia naquilo a que chamava-mos, o quintal de cima.

Depois disso podia brincar e como disse era o meu companheiro preferencial nas brincadeiras.

Havia outro Mário, tambem meu vizinho, e que morava na vivenda do lado; mas esse era o Mário Cabral, mais velho que nós e de quem vos falarei certamente um dia.

Com o Mário, o primeiro, fazia os maiores disparates que um miudo pode fazer, e de que como se fossem aventuras, me recordo.

Corriamos nesse tempo pelas terras que cheias de estevas e giestas, ficavam num dos lados da casa, onde foi construida mais tarde, mais uma fábrica, a Borges Terenas & Filhos, cujo edifício ainda hoje existe.

Cavavamos grandes buracos, que usavamos como grutas de ermitões, de que então muito se ouvia falar nas histórias que os mais velhos nos contavam ao serão.

Naqueles tempos, ainda não havia televisão, mas reuniamo-nos á volta da "telefonia", para ouvir musica, notícias da guerra e outras.

Não me recordo bem, mas parece-me que nessa altura, já eram transmitidas as famosas novelas rádiofónicas, quais telenovelas de hoje nas televisões, mas que tinham o mérito de nos fazer sonhar, cada um à sua maneira aquilo que então ouviamos.

Tambem com o Mário, pude mais tarde passar a ir para a escola, "infantário", pois a dele até não ficava longe da minha.

Não havia os cuidados que hoje há, para as crianças irem para a escola, mesmo longe como ficava a minha; os tempos eram outros, todos nos conheciamos, o trânsito automóvel era infimo e ao longe tocavam a buzina, para que não correcemos riscos e nos desviassemos.

Alem do Mário e esse nunca faltava, o Mondego, meu cão Serra da Estrela, nunca faltava á caminhada, mas nele falarei noutra altura.

E tudo isto vejam lá para vos falar da minha aventura com o burro.

Naquele tempo, não havia máquinas de lavar, e embora houvesse um grande tanque no quintal, as lavadeiras iam buscar a roupa suja para lavar na ribeira e corar ao Sol.

A Sra. Conceição lavadeira, como chamavamos á nossa, tinha um burro, e mais burro fui eu ao deixar que o Mário me quizesse ensinar a cavalga-lo.

Ele fazia-o habilmente, pois seus Pais quando em vida haviam possuido um; mas eu !!!

Pois bem, tudo estava combinado, e quando a lavadeira chegou com o seu burrico, preparámo-nos para o ataque.

Ela subiu com a trouxa da roupa lavada, em busca da suja, e nós descemos rápidamente a escadaria de pedra, a caminho da aventura.

O Mário deu uma voltinha de aquecimento, e então veio para junto de mim, desceu, e pegou-me de modo a que eu subisse para o asno.

Claro que embora mais alto que eu, era-lhe difícil faze-lo de modo a que eu chegasse com avontade à sela do mesmo.

O burro, que estranhou a minha presensa, talvez mais pelo pouco de segurança que em mim persentia, resolveu protestar zurrando.

Apanhei um susto dos diabos, e mandei um grande berro.

O burro saltou, atirou comigo ao ar qual folha seca, e fugiu a sete pés, embora só tivesse quatro patas.

O Mário não sabia o que fazer, se ir em minha demanda, se correr atraz do burro.

Optou por ir atraz do burro, pois em meu socorro vinham já uns passantes na altura.

Soube depois que só apanhou o animal, já dentro da Cidade, nós moravamos na então periferia, e só graças a ter este sido parado por pessoas que se lhe puseram à frente.

Como vêm, a minha experiência com o burro foi fatal para a futura convivência com estes animais.

Costumo dizer, que de burro só se for burro, e desde aí habituei-me a passar-lhes sempre ao largo.

Esta foi uma história mais da minha Vida, dos tempos de menino e moço, e de que me recordo com aquela saudade que só quem viveu aqueles tempos pode avaliar a contento.

Espero ter-vos deixado atravez deste relato, mais um pouco de mim.

Antonio Freire

2004