Brasil de antas e sem mira.

Lula é minha anta de Diogo Mainardi, sou obrigada a confessar, comprei, sim, eu comprei este livro. Para eu que convivo comigo mesma, nem tanta surpresa, nos intervalos dos debates sobre o desmatamento da Amazônia, assisto BBB 2008, Luciana Gimenez e num domingo flagrei-me de cara com o Pânico. Eclética? Não, pluralista de mau gosto.


Eu menti ao meu editor de que era emprestado do meu filho, que por sinal, é fã do Diogo, o filho Zero Um, já falei sobre ele num conto. Voltando ao assunto, menti. Sucumbi a pressão que um ex-petista sofre - não me digam que petista é igual a gay que não existe ex - eu sou ex-petista, sou órfã de ideologia partidária, nem sei como continuo viva assim. Para sorte dos que convivem comigo, a mentira não me é um hábito e quando acontece, em pouco tempo a desmascaro, a desfaço, atitude que não vejo no Lula, sim, posso chamá-lo pelo nome ou de companheiro, ele mesmo me recomendou no começo dos anos oitenta.

Diogo Mainardi, eu pouco sabia sobre ele e o pouco me desagradava, num programa do Jô o vi chamar os escritores de vagabundos, odeio prepotência, preconceito e generalização, além disto, havia percebido a sua intolerância e inaceitabilidade à nossa diversidade cultural, talvez, não àquela, fruto dos diferentes povos colonizadores em cada região brasileira, mas, a que pela imensa e desmedida exploração econômica transformou este país numa nação preponderantemente de miseráveis. No entanto, gostando ou não, aceitando ou não, a democracia pela qual lutamos várias décadas é assim, o lavrador da caatinga, o batedor da floresta, o boiadeiro do cerrado, o banqueiro, o usineiro, o analista da zona urbana e a puta da zona se igualam no direito de escolher os rumos da nação, juntos, somos uma nação, queiram ou não a burguesia, os sindicalistas, os sem-terras, os favelados e tantos outros intolerantes. Na adolescência, ouvia Elba Ramalho cantar Nordeste Independente, diziam que era uma música proibida, eu achava-a bonita, com bastante significado, mas nunca sonhei com o Brasil dividido. Será utopia querer que este país continental tenha uma menor diferença social e utilize-se da sua diversidade para virar uma fortaleza? É! É utopia! Daqui, ouço os gritos de muitos de vocês, mas eu não mudo. Quero uma reforma que modifique o voto obrigatório, que o torna de cabresto, mas não consigo sentir-me melhor, com mais direitos do que os que nasceram com menos recursos do que eu, eu não consigo e não quero conseguir.


Perguntaram-me porque decidi ler este livro, menti de novo, parece que está virando um hábito mentir por conta do partido, disse para alguns que era uma aposta perdida com outro escritor, que me obrigava a resenhá-lo. Novamente, sucumbi à pressão, desta vez não só a política, mas a contemporânea sócio-racional que me obriga a não gastar nem um minuto da minha vida com um amor sem futuro, a não ser, que seja em orgasmos. Agora, ao dar-me conta disto, lembrei-me de uma tese que ouvi: na verdade, as grandes questões políticas como guerras, renúncias e assassinatos de poderosos, no âmago, nunca foram provocadas pelas questões ideológicas que as pautavam, mas sim, por alguma briga de casal, alguma história que envolve isoladamente amor, sexo, ciúmes, ou todos estes elementos juntos.


Meu amor mês passado ganhou este livro, sabe Deus de quem, mas disse-me que foi da mãe, ele odeia o Lula, me perguntou o que eu achava da obra e do autor, balbuciei que queria saber o que Mainardi faria com os seus dias e carreira agora que pela segunda vez gritava aos quatro ventos que enterrou o Lula, dificilmente ele arrumará outro ícone que lhe permita se autopromover tanto. Disse isto com desdém, mas tinha me decidido a comprar, ler e produzir uma resenha maldita do livro, não deu certo.


Adeus, Lula é a primeira crônica, logo no primeiro parágrafo lembrei-me do que eu escrevi sobre política no dia em que Collor foi eleito, "Adeus, Brasil, até mais ver, fica aí com a sua gente...", identifiquei-me com a escrita do Diogo no primeiro parágrafo e assim seguiram-se quase todos os outros, à exceção dos que ele destina-se a falar mal da classe artística, das leis de incentivo para a cultura e a generalizar caráter, destino ou personalidade das pessoas com base em posição social, profissão ou naturalidade, no entanto, se juntar todos os parágrafos que ele destinou a isto, não chega a dez por cento do livro, aliás, depois de ler este, não sei por que o Diogo faz isto, caso para aqueles psicólogos que aparecem nos jornais explicando comportamento humano. Traumas? Não sei responder, são atitudes incoerentes ao conjunto. Identifiquei-me na escrita e todas as crônicas retratam três anos de um Brasil vergonhosamente refém da ganância pelo poder, dinheiro e pior do que isto, a constatação da impunidade de crime tão bárbaro.

 

Continuando a leitura, passamos pelas engraçadas crises de Atlas do Diogo, acreditando poder carregar o mundo nas costas, ter toda a força e poder para mudar a situação de conchavos através de tecladas e construção de textos que conclamam o impeachment, a renúncia e a imediata convocação de eleições, literariamente hilário e politicamente dramático. Na crônica O retrato do nosso fracasso a lembrança do caso do professor Luizinho, na época a constatação da nossa impotência, mas sabemos que este e todos os envolvidos no mensalão é um caso que se arrasta, denunciados pelo Ministério Público, esperemos. Na O Gandhi do Dormonid as soluções bem brasileiras para os problemas que nos afetam, dormir, fingir que não está acontecendo, quem sabe passa... Em O mensalão da imprensa quase entrei em crise, depressão, pois novamente aquela pergunta teima em tornar a minha mente, desde os anos oitenta terminei o colegial, fiz faculdade, um MBA, inglês, mesmo criando quatro filhos sozinha, por que o Lula não arrumou tempo para estudar? Por quê? Quem tem dinheiro e poder não precisa de estudo? Sempre gostei do Lula, antes dos escândalos, é claro, adorava o que ele representava, mas esta pergunta perseguiu-me mesmo na época do meu maior engajamento, por que não estuda?

 

Não bastasse a eu ter rido e chorado a cada crônica - em vários casos como o de Nahas é possível pegar boa parte do fio-da-meada - lá me veio a vontade de vomitar no episódio no qual usaram a deficiência do filho do autor para atacá-lo, foi a minha gota d’água. Tenho quatro filhos, um enteado, trocentos sobrinhos, ex-alunos, a causa do menino João Hélio ao qual dediquei o meu segundo livro, sinto-me responsável por todos os jovens e crianças que me rodeiam ou não, saber da existência deles me afeta, me obriga a construir algo melhor, a servir de exemplo no melhor que eu puder fazer, fiquei enojada com tamanho despudor. Sim, despudor, falta de caráter, é preciso que saibamos o que de fato importa, quem de fato somos, independente de nossos pontos-de-vista, há atitudes que nunca devem ser feitas e esta é uma delas.

 

Assim que acabei de ler o livro, fiz algumas pesquisas na internet sobre o Diogo, vi outro dia que ele se queixava de terem tirado a propaganda do seu livro dos aeroportos, não me ative, aí falou o meu lado pessoal, também sou escritora, lancei dois livros e não ganhei propaganda nem no jornal do bairro. Não peguei o Diogo ou estas questões para mira, como me disse o mestre Celso Antunes na faculdade: “Paula Toller descreveu bem esta geração de vocês, vocês tem pressa e tanta coisa interessa, mas nada tanto assim.” Talvez seja isto o mal, o que de pior há em nós e afeta este país.

 

Para terminar este ensaio, leio, releio e o odeio e sei que a maioria que me cerca na rotina também o odiará, é contraproducente, mas meus caros amigos - estou fazendo propaganda daquele jornal sim - o livro do Diogo é bom, tem todos os elementos que uma boa obra literária deve ter, isto é fato, e pensando bem, fico até feliz que seja assim. Pois isto reafirma a minha tese de que acima de qualquer ideologia partidária somos uma nação que anseia pelos mesmos ideais, mais justiça, não a corrupção e ao poder a qualquer preço.

 

Como sempre, mantendo o meu lado diplomático, àquele, que me torna totalmente manipulável, assim como o povo que eu defendo, acabo de comprar: Lula um operário na presidência de Frei Betto, por dois reais, capa do Elifas Andreato que eu amo de paixão. O livro é de 2002, minha atitude parece um pouco tardia, mas podia ser pior, eu podia não saber ler, eu podia ser apenas mais uma nascida na periferia, filha de operário e dona-de-casa, que ao se ver com algum conhecimento só cuida do próprio umbigo, é podia ser pior, será? Não, não podia, com conhecimento, história e fatos, mesmo assim, ou sou anta ou ainda não tenho mira.