Capítulo 1 - A arca de meus antepassados
Passaram-se trinta anos do dia em que o destino levou-me á herança de meus ancestrais. Durante todo esse período eu estudei os manuscritos, livros e brochuras deixados ao longo de quatrocentos anos de história na busca pelo conhecimento. Uma saga transmitida de pai para filho, avô para neto, como se uma maldição apoderasse dessas gerações. A cada página lida, pergaminhos estudados, encontrava nas palavras um verdadeiro desespero em busca de uma resposta. Muitos temas foram abordados, os sentimentos cravados com a pena, o desejo de encontrar os tesouros do conhecimento marcam do início ao final de toda obra. O último livro escrito data de cento e vinte anos atrás. Fugido da áustria, durante a primeira guerra, meu avô trouxe para o Brasil a arca com os documentos, escondendo-a em seu sótão, onde uma porta perto do teto por trás de um quadro guardava sua entrada.
Eu tinha vinte anos. Acabava de voltar de um encontro com minha amada. Do encontro trouxe o sofrimento que me acompanhou por vários anos. Minha desejada estava de partida. Junto com os pais partia para o exterior para nunca mais voltar. Meu coração foi junto, deixando uma alma perdida, um amor que nunca mais sentiria, até que entre o documentos de meus sábios, descobrir a resposta para o sofrimento. Aquela coleção de sabedoria não poderia ter vindo em outro momento. Não me abalaria tão forte os ensinamentos se fossem lidos sem um sofrimento. Na primeira lição, escrita a centenas de anos, meu sábio mais antigo parecia escrever especialmente para mim. Abriu-me as portas da mente para preparar-me ao que vinha em cada uma das páginas dos documentos daquela arca antiga.
A acrca era linda. Em madeira maciça recoberta em couro grosso e escuro. Inteira trabalhada com símbos judaicos na maior parte lixados, como que em desespero, na tentativa de dificultar a visão. Eram quadros pequenos dispostos um ao lado do outro talhados no couro, como que formando uma sequência de uma história. Em todos, apesar da dificuldade em perceber, mostravam em comum sempre alguém prostrado aos céus, como que rezando, como que pedindo, sempre com as mãos em gesto de recebimento. Mesmo vazia a arca era muito pesada, desproporcionalmente pesada ao material dela feito. Somente a dois anos atrás decobri porque. Um fundo falso, herméticamente fechado e lacrado aos olhos desavisados.
Era tarde da noite, refugiando-me na casa de meu avô, depois da despedida de minha amada, encostei amargurado na parede onde o quadro guardava a entrada do sótão. O quadro pendeu e caiu. Meu avô, falecido á dez anos, em suas estórias de criança para fazer-me dormir, sempre conseguia um jeito de aparecer uma caverna com tesouros. Ao ver por trás do quadro uma porta escondida, lembrei-me das cavernas dos contos de infância. Apoiando-me em uma cadeira, abri o alçapão e entrei pela abertura estreita da parede. Ao entrar pela parede, atravessando aquela passagem apertada, minha vida nunca mais voltaria a ser a mesma.
Abri a arca. Enquanto isso imaginava o esforço de trazê-la par aaquele lugar de um país tão longe. Não havia chave para impedir sua abertura apesar do cuidado em escondê-la. Ao levantar a parte superior da arca logo aparecia em suas costas um brasão lindo de um águia. No peito o escudo com bandeira, nas garras correntes partidas, nos olhos uma expressão forte. Parecia colocado lá para guardar o rico conteúdo.
Entre pergaminhos, brochuras, livros e pastas, contei cerca de oitenta e três documentos. Os livros estavam todos encapados com o mesmo material de mesma cor, azul escuro envelhecido pelo tempo. Encontrei uma pequena caixa de madeira fechada a chave, que sem dar muita importancia deixei-a largada no fundo da arca. Percebi que a qualidade da encardenação evoluia nos livros menos antigos. O brasão de águia esculpido em uma folha grossa de bronze pendeu e caiu em cima de minhas mãos curiosas, deixando aparente uma enscrição em hebraico. Eu estudara em colégio religioso aprendendo o hebraico e o aramaico, linguagem do Talmud. Na inscrição esculpida em baixo relevo as palavras marcaram-me como fogo: "Não temas o conhecimento da vida nem a verdade suprema. Continua a obra de tua família. Nascestes para isso."