PAPO MAL VIAJADO

- OI, moto táxi?

(...)

- Quanto vocês cobram pra me levar daqui na catedral até na rodoviária?

(...)

Me lembro ainda de quando era menor, e não sabia pegar ônibus, depois aprendi, mesmo assim tinha medo de perder, ou não saber ver se era este ou aquele ônibus, este tipo de coisa.

Mas aos dezessete anos com minhas idas para Itajaí, primeiramente em compromissos da faculdade, e na seqüência aos dezoito para compromissos teatrais, tive de aprender na marra!

No começo não conhecia nada, depois através destes moto-taxistas e de pergunta aqui, pergunta ali, fiquei conhecendo alguma coisa.

Coisas que jamais esperei passar na vida aconteceram, palavras e situações que pensei que nunca ia dominar, hoje são só mais um fator em meu cérebro. Ali, pronto pra quando precisar... E eu preciso bastante, portanto é quase que automático!

Uma das coisas mais interessantes é que é um mundo onde você vê todo tipo de pessoa, você conhece pessoas, conversa com elas, então o ônibus de um dos dois chega, e nunca mais se vê o indivíduo. Você nunca imagina que existem tantas pessoas diferentes no mundo, que vestem tantas roupas diferentes, e usam coisas diferentes... E a bagagem! Nossa! Quantos tipos de mala, e bolsas, pochetes, ‘necessaire’, e mochilas. Imagino como não se sentem, o quanto não pensam, e, principalmente não vêem, os funcionários de um lugar como um terminal rodoviário.

Eu aprendi em pouco tempo que nos ônibus que eu pegava, deveriam estar marcado alguma coisa com Curitiba, Jaraguá do Sul, Joinville, ou Florianópolis. O mais comum é o “D: FLORIANÓPOLIS. P: CURITIBA”. E vice-versa. A rodoviária de minha cidade é pequena, sem graça: apenas uma lanchonete, duas lojinhas de ‘souvenirs’, e os guichês das empresas. Na verdade é um corredor contendo tudo isso, bem sem graça mesmo, e nunca tem muita gente pra se ver, e quando tem, fica todo mundo amontoado e não se consegue ver ninguém direito. Já a rodoviária de Itajaí é diferente, grande, espaçosa, entre uma fileira de cadeiras e outra um grande espaço de pisos gelo e azul convida a ser admirado. A estrutura metálica no teto muito alto, as váaaaaaaaarias lanchonetes, as váaaaaaaaaaaaaaaarias lojinhas de souvenirs, aquelas lamparinas altas cheias de paranhos, e aquela paredes vazadas que na madrugada dá um frio danado!... É, ela não é tão perfeita assim, sem falar que fica bem longe do centro da cidade, a menos que você queira chegar uma hora depois, é preciso pegar um circular ou outro meio de transporte equivalente. O bom é que vários funcionários das empresas de transportes já me conhecem, e é só eu chegar no balcão que eles já sabem o que fazer.

Eu adorava andar de ônibus, adorava, e não que já esteja de saco cheio, mas não tenho mais aquela empolgação, aquela euforia por viajar... De ônibus.

Banheiro de ônibus é uma coisa que não existe, façam de conta que não existe, porque é impossível fazer qualquer coisa nele, é apenas um espaço a mais ocupado no carro.

Aprendi também que os lugares impares são sempre janela, e os pares corredor, e como são seres humanos eu pegam ônibus, existe muita safadeza de pessoas que embora comprem lugar de corredor (é o mesmo preço ambos, mas a maioria, inclusive eu prefere janela), querem ficar admirando a paisagem no vidro... Eu reclamo sim, é uma puta falta de respeito, já que sabem que aquele não é seu lugar!

Tenho uma coleção de passagens de ônibus, algumas rosas, outras verdes, outras amarelas, e poucas azuis... Que ironia, só porque azul é minha cor favorita! Mesmo assim guardo todas em uma caixinha (é coisa de maluco, eu sei), para recordações.

Aprendi também que não existe ônibus direto, que vá de uma cidade para outra sem parar em outra que fique no caminho...Ah, detalhe básico: Não tente enganar o cobrador ou motorista, eles sabem exatamente, conforme sua passagem onde você vai parar, seu número de poltrona, o quanto você pagou, o que você tem de bagagem, e onde você embarcou, isso além de outros detalhes que eles tiram apenas nos olhos... E eles vêem tanta gente!

Lanche de rodoviária é uma roubada, bem mais caro que em uma lanchonete normal, se bem que lá no TERRI (Terminal Rodoviário de Itajaí), tem uma lanchonete que tudo que faz é uma delícia! Espetinho de frango, chocoleite, empanado e sanduíche natural são os mais cobiçados pela minha gula. “Pra beber?” uma água do bebedouro mesmo, aquela que a gente leva a garrafinha de casa pra encher.

Muitas vezes tem de se ficar esperando o ônibus... Uma, duas horas, e o que fazer nesse tempo em que relógios te cercam e bombardeiam com lerdos segundos? Andava muito por ali, conquistava de passos vagos todos os arredores, via e revia vitrine, chegava a decorar a ordem do produtos, e quando tinha sono? Pagava um real pra usar um banheiro um mais asseado, e ficava lá trancado na cabine, sentado no chão, tentando tirar uma soneca, só tentando, porque nunca consegui, depois de um tempo voltava a perambular. No entanto, mais recentemente estou levando livros, cadernos e canetas, para então passar o tempo, e também estou descolando caronas de vez em quanto, economizando o dinheiro do moto-táxi, e fazendo mais amizades.

Eu já vi brigas, já vi reconciliações, reencontros, despedidas dolorosas, e quase já vi um parto também... Mas nada disso: o conhecimento sobre “rodoviária”, a criatividade que tem de brotar na marra durante a espera, as pessoas diferentes que você vê, os lanchinhos e o fato de se estar num lugar que você gosta, supre o fato de voltar para casa, chegar e estar no lugar que você gosta mais ainda.

Porque nada disso é por opção, mas obrigação, já que é um mundo também estranho, interessante e certas vezes fantástico, mas ainda assim desconfortável.

Quem sabe chega o dia em que tudo melhore, em que possa ir de carro, ou um jatinho particular hein?... Até lá, este é o jeito de continuar com minha vida deste jeito: adquirindo itinerários e pequenos conhecimentos, de viagem em viagem, de rodoviária em rodoviária.

(...)

- Isso, eu tô bem aqui em frente da matriz.

(...)

- Tá ok, eu tô de camiseta azul, tô aqui esperando, valeu, tchau!

Douglas Tedesco – 01/2008

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 28/01/2008
Reeditado em 28/01/2008
Código do texto: T836533