Entre a Filosofia e o Caos: a Urgência de Pensar

Vivemos um tempo estranho. Um tempo em que a aceleração tecnológica contrasta com a estagnação ética; em que a multiplicação de vozes digitais não significa, necessariamente, mais escuta ou mais diálogo. Um tempo em que a política é confundida com marketing, e a educação, com um mero degrau para o mercado de trabalho. Neste cenário, a filosofia — tantas vezes marginalizada — surge como farol. Não um farol acadêmico, inacessível e elitista, mas um farol popular, urgente e necessário. Pensar tornou-se uma urgência histórica. Refletir é resistir. E a filosofia, neste contexto, deixa de ser um campo de saber isolado e se torna a ponte que liga nossos anseios mais profundos às contradições cotidianas que vivemos enquanto sociedade.

A crise política não é apenas institucional. Ela é também, e sobretudo, uma crise de sentido. Quando as estruturas democráticas são corroídas por dentro — seja pela corrupção, pela desinformação ou pela apatia generalizada —, não é apenas o funcionamento do Estado que se fragiliza, mas a própria ideia de cidadania. O cidadão, que deveria ser sujeito de direitos e protagonista da história, é muitas vezes reduzido a um número, a um voto, a um consumidor. Em vez de ser ouvido, é manipulado. Em vez de participar, é coagido. A política contemporânea, refém do imediatismo e da lógica do espetáculo, pouco se importa com os projetos de longo prazo. Prefere a cortina de fumaça, a promessa fácil, a polêmica que rende engajamento.

Neste cenário, os anseios da sociedade — por justiça, por dignidade, por reconhecimento — são sistematicamente silenciados ou distorcidos. A luta pela sobrevivência toma o lugar do sonho coletivo. As utopias, antes motores da ação política, agora são vistas com desconfiança ou deboche. Fala-se em "pragmatismo", em "realismo político", mas o que se esconde por trás disso é, muitas vezes, uma rendição covarde ao status quo. A filosofia, neste ponto, precisa levantar sua voz: precisa lembrar que não há política legítima sem ética, que não há sociedade justa sem o cultivo da alteridade e da empatia.

E onde entra a educação nisso tudo? A educação é o território onde se travam as batalhas mais profundas e duradouras de uma sociedade. É nela que se forja o olhar crítico, que se cultivam as perguntas incômodas, que se planta a inquietação necessária para que o mundo não seja apenas repetido, mas transformado. No entanto, o que vemos, muitas vezes, é uma educação domesticada, amordaçada por metas, rankings e avaliações padronizadas. Uma educação que não forma sujeitos pensantes, mas indivíduos treinados para obedecer, para repetir, para se adaptar.

Paulo Freire, nosso maior educador, dizia que a educação é um ato político. E é justamente por isso que ela assusta tanto os poderes estabelecidos. Educar, nos termos de Freire, é libertar. É ajudar o outro a descobrir-se sujeito de sua própria história. É dar nome às opressões. É sonhar com o impossível e, por isso mesmo, transformá-lo em realidade. Mas como fazer isso em um sistema que trata o professor como inimigo, a escola como depósito, e o aluno como estatística?

A filosofia, nesse contexto, é a grande aliada da educação. Ela não oferece respostas prontas — e é justamente por isso que é tão valiosa. Ela ensina a perguntar. Ensina a duvidar. Ensina a desconfiar das verdades impostas, dos discursos prontos, das narrativas hegemônicas. Em um mundo que valoriza tanto a velocidade, a filosofia convida à lentidão. Em um mundo obcecado por produtividade, ela convida à contemplação. Em um mundo que estimula o conformismo, ela incita à rebeldia.

Mas não basta filosofar entre muros. Não basta escrever artigos que só os iniciados compreendem. É preciso que a filosofia desça ao asfalto, que dialogue com o povo, que entre nas escolas, nas redes sociais, nas comunidades. É preciso popularizar o pensamento crítico, torná-lo acessível, útil, transformador. A filosofia precisa reaprender a falar a língua do povo — não para ser simplista, mas para ser compreendida. A tarefa dos intelectuais, hoje, não é mostrar o quanto sabem, mas o quanto seu saber pode servir à emancipação coletiva.

E por falar em coletividade, é urgente resgatar o sentido profundo da política. Política não é apenas o que acontece nos palácios ou nas urnas. Política é o modo como nos relacionamos, como compartilhamos o espaço, como decidimos em conjunto os rumos da nossa existência. A política começa na escuta, no reconhecimento do outro, na construção de consensos possíveis. Começa na praça, na escola, no lar. Começa no desejo profundo de viver juntos, apesar das diferenças. E, sobretudo, começa quando entendemos que a justiça não é um privilégio, mas um direito.

A filosofia pode ajudar a reencantar a política. Pode lembrar que a polis, na Grécia Antiga, não era apenas um espaço geográfico, mas um projeto ético-estético. Um projeto de convivência, de beleza, de harmonia. Pode lembrar que o poder, em sua forma mais nobre, não é dominação, mas serviço. Pode lembrar que o governo justo não é aquele que impõe sua vontade, mas aquele que ouve, que aprende, que acolhe. A filosofia pode, enfim, devolver à política o que ela perdeu: sua alma.

Mas para isso, precisamos de coragem. Coragem para pensar. Coragem para educar. Coragem para resistir. Coragem para sonhar. E, sobretudo, coragem para agir. A filosofia sem ação é contemplação estéril. A ação sem filosofia é ativismo cego. O que precisamos é de uma práxis transformadora, que una cabeça e mãos, que una reflexão e prática, que una o ideal e o real. Precisamos ser, cada um de nós, sementes de uma nova sociedade. E isso começa pelo pensamento. Começa pela palavra. Começa pela escuta.

Se quisermos uma política mais justa, precisamos de uma educação mais crítica. Se quisermos uma educação mais crítica, precisamos de uma filosofia mais presente. E se quisermos uma filosofia mais presente, precisamos de uma sociedade que valorize o pensamento, que respeite o professor, que incentive o diálogo. Precisamos, em suma, de uma revolução. Não uma revolução violenta, mas uma revolução silenciosa, cotidiana, subterrânea. Uma revolução que começa na sala de aula, no banco da praça, na mesa do jantar. Uma revolução que começa com a pergunta: que mundo queremos construir?

O mundo em que vivemos é fruto de nossas escolhas — e de nossas omissões. Se ele está doente, é porque em algum momento deixamos de pensar. Deixamos de perguntar. Deixamos de nos importar. Mas ainda há tempo. Ainda é possível retomar as rédeas do destino coletivo. Ainda é possível reencantar a política, resgatar a dignidade da educação, reacender a chama da filosofia. Ainda é possível — e necessário — pensar.

E pensar, neste tempo de caos, é o primeiro passo para resistir. Pensar é ousar. Pensar é amar. Pensar é lutar.

Que pensemos, então. Com coragem. Com lucidez. Com paixão.

Pois, como diria Hannah Arendt, "o maior mal é o mal cometido por ninguém, por pessoas que se recusam a ser pessoas". Pensar, afinal, é a única maneira de permanecermos humanos.

Renato Nascente

Renato Nascente
Enviado por Renato Nascente em 10/04/2025
Código do texto: T8306304
Classificação de conteúdo: seguro