Robespierre e o 8 de Janeiro
Vamos analisar o trecho do discurso de Maximilien François Marie Isidore de Robespierre, advogado e político francês, na Convenção Nacional, proferido em 3 dezembro de 1792, sob a ótica dos princípios do Direito atuais. O trecho em questão é: “Luís não pode portanto ser julgado, ele está já condenado; ele é condenado, ou a República não é absolvida. Propor fazer o processo a Luís XVI, de algum modo que isso possa ser feito, é retroceder para o despotismo régio e constitucional; é uma ideia contra-revolucionária, porque é colocar a própria Revolução em litígio.”
A seguir, examinaremos como essa declaração se relaciona com princípios fundamentais do Direito contemporâneo, como a presunção de inocência, o direito à ampla defesa, a legalidade, a imparcialidade judicial e a dignidade humana.
A presunção de inocência é um dos pilares do Direito moderno, estabelecendo que toda pessoa é considerada inocente até que sua culpa seja comprovada em um julgamento justo e imparcial. No discurso, Robespierre afirma que “Luís não pode portanto ser julgado, ele está já condenado”. Essa declaração viola diretamente esse princípio, pois parte do pressuposto de que Luís XVI é culpado sem a necessidade de um processo formal para avaliar provas ou ouvir sua defesa. Ao negar a possibilidade de julgamento, Robespierre elimina a essência da presunção de inocência, tratando a condenação como um fato consumado em nome da necessidade política da Revolução.
O direito à ampla defesa garante ao acusado a oportunidade de apresentar sua versão dos fatos, contestar as acusações e ter acesso a recursos como advogado ou provas em seu favor. No entanto, ao dizer que propor um julgamento a Luís XVI é "retroceder para o despotismo" e uma "ideia contra-revolucionária", Robespierre rejeita completamente essa garantia. Ele não apenas nega a Luís XVI o direito de se defender, mas também considera a própria ideia de um processo judicial como uma ameaça à Revolução. Sob o Direito atual, isso representaria uma supressão inadmissível de um direito fundamental, essencial para a legitimidade de qualquer condenação.
O princípio da legalidade, expresso no brocardo “não há crime nem pena sem lei anterior que o defina", exige que um crime e sua pena estejam previamente definidos por lei para que alguém possa ser punido. Durante a Revolução Francesa, as instituições legais estavam em transição, e as acusações contra Luís XVI — como traição e conspiração contra a nação — foram formuladas em um contexto de redefinição das normas. A afirmação de Robespierre de que Luís XVI "está já condenado" sugere uma punição sem um processo baseado em leis claras e preexistentes, o que contraria o princípio da legalidade. No Direito moderno, tal abordagem seria vista como arbitrária e injusta.
Um julgamento justo exige que o julgador seja imparcial, sem interesses pessoais ou políticos que influenciem o resultado. No contexto revolucionário, Robespierre e os demais líderes da Convenção Nacional tinham claros objetivos políticos ao condenar Luís XVI, visto como um símbolo da monarquia a ser destruído para consolidar a República. Ao afirmar que a absolvição de Luís implicaria que “a República não é absolvida”, Robespierre subordina a justiça a interesses políticos, comprometendo a imparcialidade. No Direito contemporâneo, isso seria uma violação grave, pois o processo judicial deve ser independente de pressões externas.
O princípio da dignidade humana, base do Direito moderno, assegura que todas as pessoas sejam tratadas com respeito, independentemente de suas ações. A postura de Robespierre, ao tratar Luís XVI como já condenado e desconsiderar qualquer possibilidade de defesa ou julgamento, desrespeita esse princípio. A execução de Luís XVI, que se seguiu a esse discurso, reflete mais um ato político de afirmação da Revolução do que uma aplicação de justiça, ignorando a dignidade inerente ao acusado enquanto indivíduo.
O discurso de Robespierre reflete uma visão radical em que a “necessidade política” da Revolução prevalece sobre qualquer noção de justiça processual. Ele argumenta que julgar Luís XVI seria “colocar a própria Revolução em litígio”, sugerindo que o Direito deve servir aos fins revolucionários, e não o contrário. Sob a ótica dos princípios do Direito atuais, essa postura é incompatível com as garantias fundamentais que protegem o indivíduo contra abusos de poder. A presunção de inocência, o direito à ampla defesa, a legalidade, a imparcialidade judicial e a dignidade humana são todos desrespeitados, evidenciando uma instrumentalização do Direito como ferramenta política, em vez de um sistema autônomo de justiça.
Obviamente que fatos como esse não aconteceria na atualidade, principalmente aqui no Brasil.
Por exemplo:
- pessoas não são “julgadas” indevidamente em “instância máxima”, não tendo direito a recurso;
- não se toma atitudes onde pessoas tem que ser punidas para servirem de exemplo;
- pessoas não são punidas por crimes não previstos, como “crime coletivo” e “crime por estar lá”;
- não se condena pessoas previamente no momento da sua prisão e as mantêm presas por tempo indefinido e sem motivos válidos;
- não se ignora a Constituição e leis vigentes para “proteger a constituição e a democracia”;
- não se permite que pessoas doentes morram na prisão para evitar que elas fujam do país;
- a nossa Justiça não “protege as instituições nacionais” como uma estátua por exemplo, ignorando a presunção de inocência, o direito à ampla defesa, a legalidade, a imparcialidade judicial e a dignidade humana;
- a nossa Justiça não age como vítima, polícia, promotora e juíza, tudo ao mesmo tempo e misturado;
- a nossa Justiça não toma a iniciativa de acusar pessoas de “golpe de estado” sem liderança, sem armas e reunidas numa praça num domingo à tarde.
Portanto, mis amigues, podemos dormir tranquilos porque temos a certeza de nunca uma Stasi vai arrombar repentinamente nossa porta da sala de manhã e nos levar para algum lugar não revelado.