Privilégio de classe x ódio de classe, meios e ferramentas

É sabido que um grupo que desfruta do seu privilégio de classe, desenvolve, como escudo de defesa, o ódio de classe. Não há privilégio de classe sem o ódio de classe. Nesse movimento de mão única, a classe alvo, sempre será alvo, e tudo que justifique a ação do outro contra esse grupo, terá respaldo social, político, midiático e econômico. Todos os meios serão empregados, desde o emprego do discurso da inferioridade regional, étnica e qualquer outra razão que posicionei o alvo no campo do inimigo. Qualquer ação a ela dirigida será justificada se conter como resultado e objetivo final manter o privilégio da classe.

Como manter, então, o privilégio de classe por séculos, além dos meios citados acima? Há outros de ordem histórica. Muito se diz sobre a hereditariedade material como o principal motivo desse privilégio, será mesmo? Supondo que uma determinada família durante nossa colonização recebeu uma capitania da coroa. Lembrando que essa capitania tinha seu carácter hereditário, isto é, passaria de pai pra filho. Como manter esse procedimento de perpetuação de privilégio por tanto tempo se, sabemos, muitas famílias perderam seu parentesco, ora por falecimento dos membros, ora por união conjugal. O fato é, como, então, esse privilégio de classes se mantém, mesmo que seus primórdios ancestrais não existam mais? Como esse ethos se apresenta e, em certa medida, se justifica?

Manter privilégio sem que se pareça privilégio, é possível quando há meios e modos de fazê-lo. Educar determinada classe a pensar que tudo sempre foi do jeito que é, tem exercido, com relativo sucesso, a permanência de privilégios de classe. Vários poderão ser os modos, todavia, o mais eficaz e indolor, é fazer com o privilégio se pareça com um direito ou uma determinação. Como um direito, apelar para uma ancestralidade, isto é, atribuir a um determinado ente ancestral que esse direito lhe foi concedido como uma maneira, às vezes, apoiada numa crença de determinação divina. O absolutismo foi um período de forte influência divina. Reis eram escolhas de Deus para governarem seus súditos. Outra maneira de manter privilégio de classe é fazer crer que não se trata de privilégio, mas de um direito conquistado. Para que esse privilégio se perpetue sem contestação, é fundamental que a dominação se dê de forma indolor, sem conflito. Isso se alcança com a perpetuação da idéia do grupo dominante como uma espécie de guardião das virtudes daquela sociedade. É preciso difundir a crença que o grupo dominante é a fonte de todos os sentidos de existência e expressão daquela sociedade. Ele está no topa da pirâmide social. É dele que tudo emana. As vitórias, os sucessos, tudo resulta de sua liderança e inspiração, em resumo: ele é alma e corpo daquela comunidade.Assim, mais que o uso da força, a ideia do dominante será perpetuada por séculos e séculos. A essência da dominação se fundamenta enquanto a visão de mundo do grupo dominante for capaz de nomear seus sucessores. É nesse jogo de constante reforço das ideias e ideais do grupo dominante que o privilégio de classe avança. E para que ele continue em constante avanço, é preciso, colocar o grupo dominado na categoria dos incapazes, inferiores. Atribuir valor negativo ao grupo dominado é estratégia fundamental, pois, assim, difundir valores negativos, fazem do grupo alvo, o elemento depositário de todos os caracteres disfuncionais da sociedade. Não é sem critério, e nem sem objetivo, que atribuir valores depreciativos a grupos marginalizados, são meios e mecanismos (outra face da moeda da imposição) da dominação. E para esse projeto, pensado e perpetuado, como modus operandi do grupo dominante, colocar no outro a roupa da incapacidade é essencial.

Como dito no início desse texto: não há privilégio de classe sem ódio de classe. Romper esses laços, abomináveis laços, é a essência da emancipação para um mundo sem muros, sem barreiras. Um mundo onde cada qual terá o valor e medida que lhe é fundamental: humano.