Uma questão de desintoxicação
A vida moderna é, essencialmente, um gigantesco processo de intoxicação: respiramos poluição, ingerimos açúcares refinados, seguimos pessoas tóxicas em redes sociais, alimentamos crenças que já deveriam ter sido abolidas no século passado e nos afogamos em sentimentos rancorosos como se fossem um vinho envelhecido que precisamos terminar antes que azede. E depois ainda nos perguntamos a razão de estarmos exaustos, inflamados, irritados, emocionalmente inchados e mentalmente constipados.
A resposta é simples: estamos cheios de tudo. Comemos demais, pensamos demais, sentimos demais, carregamos demais. Se nosso corpo grita com dores, a mente ferve de ansiedade e o espírito pesa como um HD lotado de arquivos inúteis, talvez seja hora de uma desintoxicação. Mas não aquela modinha de suco verde com gengibre e cúrcuma, que promete purificar o fígado e a alma simultaneamente. Estou falando de uma desintoxicação real, livrar-se daquilo que nos envenena física, mental e existencialmente.
Comecemos pelo corpo. Somos bombardeados com comida industrializada e ultraprocessada que, ironicamente, nos destrói no nível molecular. Gorduras trans, conservantes, corantes e açúcares em tudo - até no pão, que jurávamos ser integral! O corpo incha, as articulações reclamam e o intestino, coitado, se vinga na forma de um mau humor inexplicável. A solução? Comer comida de verdade, mastigar devagar, beber água. Mas isso é tão óbvio que dá preguiça, então preferimos pagar caro por suplementos mágicos e dietas milagrosas que prometem o que a vovó já dizia de graça: coma menos besteira e durma direito.
Agora, a mente. Ah, a mente… esse campo de batalha onde memórias ruins e crenças limitantes travam uma guerra diária. Aceitamos passivamente padrões de comportamento que não fazem mais sentido, absorvemos expectativas sociais como se fossem leis universais e carregamos mágoas como se fossem medalhas de honra. Pra quê? Sim, desapegar é difícil, e se libertar exija responsabilidade,mas talvez seja hora de deletar uns arquivos, parar de seguir certas pessoas (online e offline) e trocar o "sempre fui assim" por "é hora de mudar".
Chegamos ao espírito - não no sentido religioso, mas o daquela sensação interna de leveza ou sufocamento. Algumas pessoas parecem nos drenar como vampiros emocionais. Algumas emoções nos acorrentam como se fossem donas de nossa alma. O medo, por exemplo, adora bancar o líder da seita e nos convencer de que qualquer tentativa de mudança resultará em fracassos absolutos. A culpa age como um fiscal severo, nos lembrando constantemente de tudo o que fizemos ou deixamos de fazer. E o ressentimento… bom, ele é tipo um fast food emocional: fácil de consumir, difícil de digerir.
Se desintoxicar, portanto, é um ato de coragem. Requer abrir espaço, esvaziar a bagagem, expulsar os invasores e, acima de tudo, aceitar que o vazio inicial é necessário. No fundo, o grande medo da desintoxicação não é perder o que nos faz mal, mas sim encarar o que sobra quando tudo isso se vai.
Mas... e se o que sobra for exatamente o que sempre precisamos?