Fora de si

Fim de tarde de quarta-feira de cinzas, estou sentado no ponto de ônibus olhando o horizonte, degustando uma cigarrilha sem pensar ou focar em nada específico.

Sou interrompido.

"Tarde meu chapa, têm um câncer desse pra me emprestar?"

"Comprei solto, tô parando de fumar, esse eu tô tragando de gaiato pela festa. Pode levar."

Passo o cigarro.

"Eu preciso é de um Prozac, mas a farmácia pública só abre amanhã, mas deixa eu desabafar..."

Para-raio de louco, tô acostumado com esse tipo de interrupções das minhas meditações. Massageio as têmporas e respiro.

"Mestre, o Outro sempre tem outro Outro. Encaro a rua como um palco de teatro, usamos máscaras como se chorando e sangrando por dentro. Sorrir pode ser perigoso também, os cachorros desconhecidos podem achar uma ameaça."

Cefaléia, preciso interromper.

"Calma meu, menti. Tinha mais um cigarro aqui e ia deixar pra amanhã de manhã, mas vou precisa dele pra te escutar. Vou fumar ele inteiro, não precisa ser prolixo, acho que peguei o fio da meada. Continua."

Acendo e saboreio a nicotina.

"São cadeias de pensamentos. Olhei as formigas e me senti pequeno. Meu vizinho de frente abriu o portão de casa e me disse que perdeu a unha do dedão do pé direito o ajudei-o a ir até o posto de saúde fazer um curativo.

Procurei minha turma na espera e descobri que já não existe. Só vejo metalinguagem no mundo digital, efêmero e cínico... (Suspiro)

O cigarro acabou, obrigado pela atenção. Até mais ver."

Levanta e parte rumo Sul.

"Vai pela sombra,"

Finjo uma continência mal feita e me levanto pra caminhar também.Pelo que lembro ainda há algumas batatas e cebolas em casa.

Rodrigo Margini
Enviado por Rodrigo Margini em 06/03/2025
Código do texto: T8279236
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