Rodin: A Porta do Inferno.
Museu Rodin. Paris


RODIN E A PORTA DO INFERNO UMA FENOMENOLOGIA DA FISSURA DE ESPAÇO E TEMPO NA ESCULTURA





                              Rodin iniciou a obra denominada Porta do Inferno, inspirada na Divina Comédia de Dante em 1880, a cujo projeto dedicou-se durante toda a sua vida até a morte, segundo a pensadora e crítica de arte  Rosalind Krauss. Esse trabalho escultórico compreenderia um monumental conjunto de portas que serviriam de entrada para um futuro museu.
                   Esclareça-se que nos séculos XVIII  e XIX, o modelo racionalista ao qual se prendia o neoclassicismo então vigorante na Escultura, assentava-se sob o idealismo historicista do pensamento de Hegel, contextualizando-se na Escultura um idealismo  filosófico o qual tinha na narrativa , através do relevo, uma convenção formal própria para a sua expressão nos monumentos históricos. François Rude esculpiu nesse formato uma das esculturas do Arco do Triunfo, Marselhesa (1833)e os teóricos da arte  oitocentistas eram unânimes quanto à clareza da escultura executada por esse meio, o qual consideravam essencial  à  expressão artística tridimensional.     Assim, relevante era  o relevo, cuja  característica de frontalidade de um ponto de observação único, conduzia a concentração da apreensão  perceptiva . do observador,  inferindo-se do mesmo uma analogia com a pintura, vez que se comporta com um fundo ilusionista através do qual emerge do espaço virtual  as figuras em representação de movimentos .   A arte narrativa do relevo é pois o meio de expressão escultórica de Rude, um paradigma de toda a escultura do século XIX, exceto a de Rodin. Mas,  Rodin estabeleceu para a sua obra A PORTA DO INFERNO  toda uma concepção  nos moldes da convenção do relevo narrativo. Entretanto, em sua versão final a obra faz resistência a todas tentativas de ser entendida, compreendida como uma narrativa coerente.  Há que aclarar-se que no classicismo a maneira de  se transcender o ponto de vista único de uma obra escultórica era utilizar-se de figuras agrupadas em pares ou trios, como estratégia para apresentar a visão do corpo humano em múltiplas faces. Assim, o observador pode ver a rotação da mesma figura em três angulos diversos. Rodin desobedece já a esses princípios com as três sombras assentadas no topo do grande pórtico de sua obra, ao torna-las perturbadoras. Impõe às mesmas um embotamento, uma inflexibilidade muda. Simplesmente dispõe as figuras de forma primitiva, repetindo-as identicamente, subvertendo o conjunto narrativo que não conta coisa alguma, só o processo repetitivo de sua criação. Rodin assim subverte com a Porta do Inferno o fundo espacial do relevo pela primeira vez, segmentando as figuras que contém, truncando-as, negando-lhes a ficção linear de um espaço virtual. Sua obra é despojada de forma simultãnea de tempo e espaço os quais seriviram de suporte ao desenrolar de uma narrativa. A espacialidade é congelada, imobilizada e consequentemente as relações temporais embotam-se numa densa ausência de clareza.
              Esclarece Rosalind Krauss que Rodin desenvolve um veio perverso de opacidade já na estrutura de suas figuras, quando os gestos físicos produzidos pelas mesmas não" parecem originar-se da subestrurtura do esqueleto humano que suporta os movimentos do corpo." (1)
         Em verdade, a superfície do corpo, a fronteira entre o fora, o dentro, entre o interno e o externo é o que particulariza para a mesma autora o significado na escultura de Rodin. É na superfície que atuam e se expressam os resultantes das forças internas e externas. Internas, anatômicas, musculares, externas, o ato do artista, a manipulação, o processo de elaboração. Rodin  provoca pois o observador em várias ocasiões a perceber a obra como resultado de um processo, de um ato que lhe deu forma e figuração ao longo de um tempo não narrativo, mas, perceptivo de consciência, impondo-lhe a reflexão de uma condição: o significado não precede a experiência, mas pode ocorrer  no processo mesmo da experiência. 
                 Essa conotação do significado enquanto sincrônico com a experiência e não necessàriamente  anterior a ela compreende a abordagem do paradoxo do alter-ego do filosófo Husserl.A Porta do Inferno de Rodin descortina e mergulha toda na percepção de um acontecimento no momento em que este se plasma, rompendo-se cadeias lineares de espaço e tempo narrativos. Rodin rompe a comunicação entre superfície e profundezas anatômicas nas figuras, e assim no espaço/tempo sua obra nos oferece gestos desarticulados de alusões e substratos coerentes, narrativos, causais, interrelacionados,  subvertendo-se à uma compreensão e  experiência anterior reconhecível  e nos  indaga fenomelogicamente: - E se o significado do mundo e das coisas não depender desse tipo de experiência anterior? - E, se o significado, em lugar de anteceder a experiência, acontecer, ocorrer na experiência?


Bibliografia: 
Rosalind  E. Krauss. Caminhos da Escultura Moderna. Martins Fontes, SP, 1998.
Willian, Tucker. A linguagem da Escultura. Cosac & Naify. SP, 1999.