Cidade dos Poetas

A noite cai como um verso sem métrica, desarrumada e cheia de pressa. Nesta cidade, até a escuridão tem cadernos de anotações: as estrelas são vírgulas piscantes, a lua, um ponto final suspenso. Caminho por ruas que respiram, pavimentadas com sílabas gastas de poetas que vieram antes de mim. Cada paralelepípedo é uma palavra esquecida, cada beco, um enjambement que leva a lugar nenhum. E eu, fantasma de mim mesmo, arrasto-me como um soneto mal-acabado. Por que insisto em escrever, se cada letra que traço parece afundar no vazio? Por que respiro, se o ar é feito do mesmo pó que encobre os livros nas estantes da Biblioteca dos Corações Partidos?

Na Torre das Metáforas Perdidas, o vento corta mais que navalhas. Lá do alto, a cidade se desdobra como um poema épico escrito por um deus bêbado. Telhados curvos são estrofes caóticas, praças são refrãos repetidos até a exaustão. E o rio Lete, ah, o Lete — serpenteia como um hífen entre a vida e o esquecimento, carregando versos de mortos que nem os deuses ousam recitar. Paro na ponte e observo pétalas podres de rosas literárias boiando. Entre elas, vejo fragmentos de cartas que ela nunca me enviou. Seu amor era um haikai: três linhas, um suspiro, uma eternidade de silêncio. Pergunto ao rio: "O que é mais triste? Perder alguém ou descobrir que ela virou metáfora?" A água não responde. Só sussurra.

Desço até a Praça do Relógio Parado, onde o tempo é uma piada de mau gosto. O relógio marca três e sete para o nunca, e os velhos recitam Lorca como se cada palavra fosse um pedaço de pão. Um deles me agarra pelo casaco: "Você sabe por que os poetas morrem jovens? Porque carregam o peso de todos os universos não escritos." Sorrio, amargo. Talvez eu já esteja morto e não saiba. Talvez todos aqui sejamos cadáveres que teimam em rimar.

No Café das Almas em Fuga, pedido um café que sabe a despedida. Um homem ao meu lado desenha labirintos em guardanapos sujos. "A saída é perceber que não há saída", ele murmura, enquanto sua caneta vaza tinta como uma veia aberta. Pergunto se ele já amou alguém mais que as palavras. Ele ri, um riso que ecoa como um eco: "Amar aqui é como escrever na areia com uma espada. Você faz marcas profundas, mas a maré é mais rápida que a eternidade." Bebo meu café frio e penso nela. Ela odiava metáforas. Dizia que o amor deveria ser direto, nu, sem véus. Mas como amar sem véus nesta cidade onde até o ar é feito de símbolos?

Vago até o Cemitério dos Versos Inacabados. Lápides exibem primeiras linhas promissoras: *"Eu te amei como se ama um rio—", "A solidão tem o cheiro de—". Ajoelho-me diante de uma que diz "Quando o silêncio quebrar, eu—" e tento adivinhar o resto. Nada. Apenas o vento, que assobia um verso de Drummond. Talvez todos os nossos amores sejam assim — travessões esperando um complemento que nunca chega. Talvez a vida inteira seja um poema que abandonamos na segunda estrofe.

Na madrugada, encontro-me no Largo do Adeus Eterno. Aqui, até as sombras têm saudades. Foi neste largo que ela me disse: "Você ama mais as palavras do que a mim." E eu, covarde, não neguei. Como negar? Eu a amava em sonetos, através de metáforas, apesar de silêncios. Ela queria carne, suor, gritos. Eu só sabia oferecer-lhe aliterações e imagens de um amor que doía menos que a verdade. Quando partiu, vestida de crepúsculo, deixou para trás um guarda-chuva fechado e um verso não escrito.

Agora, no Jardim das Estátuas Que Choram, encosto minha testa no mármore gelado de Safo. Seu rosto escorre musgo, e suas lágrimas são letras perdidas. "Por que choras?" pergunto. O vento responde por ela: "Choro porque as palavras nunca preenchem os buracos que deixam. Choramos todos, poeta. Você também chorará."

A chuva começa, mas não é água — são letras miúdas caindo do céu, como se Deus estivesse rasgando um manuscrito descontente. Corro para o Pórtico das Perguntas sem Resposta, onde mendigos trocam aforismos por migalhas. Um deles me entrega um papel encharcado: "Por que criar beleza em um mundo que a devora?" Guardo-o no bolso, onde guardo tudo que não entendo: fotos dela, versos rasurados, a ideia de felicidade.

No Teatro dos Fantasmas Vivos, uma mulher recita um poema que me faz sangrar por lugares que nem sabia existir. "Amar é traduzir a alma de alguém para um idioma que não existe", ela declama, e por um instante, vejo ela — cabelos de versos antigos, olhos que guardam o crepúsculo inteiro. Grito seu nome, corro em direção ao palco, mas ela se desfaz em névoa, deixando apenas um livro aberto no chão. A única linha legível diz: "A ausência é a única poeta verdadeira."

Amanhece. A Cidade dos Poetas revela-se novamente, agora banhada em tons de talvez. Nas livrarias empoeiradas, os livros bocejam. No rio Lete, versos apodrecem. E eu, sentado nos degraus da Torre das Metáforas Perdidas, olho minhas mãos — sujas de tinta, terra e tempo — e entendo. Não escrevo por esperança. Não escrevo por amor. Escrevo porque é a única forma de não desaparecer completamente. Cada palavra é um prego que me prende a este mundo de sombras.

Ela está aqui. Nas entrelinhas, nos espaços em branco, nas pausas entre meus pensamentos. A Cidade dos Poetas não é um lugar — é um estado de queda. Uma queda infinita em direção a perguntas que nunca se calam. E eu caio. Caio com a dignidade ridícula de quem sabe que o chão não existe, mas insiste em temê-lo.

Os bardos bêbados começam a cantar. Os vendedores de sonetos abrem suas barracas. E o relógio parado ri de nós todos, eternamente presos entre três e sete minutos para o nunca. Mas sigo escrevendo. Escrevo até que meus dedos sangrem tinta, até que meus olhos ardam de versos não chorados. Porque no fim, o que somos senão histórias contando outras histórias? O que é o amor senão um poema escrito a quatro mãos no escuro, sabendo que a luz virá para apagá-lo?

A cidade sussurra, e seu sussurro é uma ordem, uma súplica, um epitáfio:

"Escreve."

E eu, tolo que alimento abismos com sílabas, obedeço.

Pasia Aventuristo
Enviado por Pasia Aventuristo em 01/02/2025
Código do texto: T8255171
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