Esboço para uma teoria das emoções futebolísticas

Religiosamente, às segundas-feiras pós-jogo, um coro em choramingos se ergue ao redor. É sempre admirável o digladio de senhores e rapazolas - menosprezando toda a lógica dos costumes sociais - eriçados com suas inflexíveis perspectivas, sempre defendendo com unhas e dentes, seu estimado e mais que amado, time do coração.

Historicamente, (sim, pois esse embate sentimental remonta há milhares de anos) falar de futebol é arriscar palpites inesperados e agregar amigos (ou inimigos), esperados.Seja como for, semelhanças à parte, tanto no oriente como no ocidente, há cerca de uns três mil anos atrás, antes mesmo que o nosso Senhor Jesus Cristo, já se jogava o futebol. Obviamente, não como o conhecemos hoje. Esse modelo que aí está não passa de um noviço, nasceu no século XIX, no berço da rainha Vitória.

O traço que permaneceu, atravessando o tempo e se consolidando nas vidas cotidianas, foi a discórdia. Pouco importa o continente, país, estado, cidade, bairro ou até mesmo a pequena rua Quarahim. Procure, superficialmente que o seja, então encontrarás torcedores a discutir calorosamente sobre as glórias e infortúnios de algum estimado ou detestado time.

Com os afetos aflorados, ódio e amor se entrelaçam no aperto do coração. E por falar em coração, o intento esportivo é tão grande que, mesmo sem jogar, sendo nada mais que um exímio torcedor, se sofre todas as dores tais e quais a dos próprios jogadores, pior até. E que não se perca de vista casos e mais casos de infarto agudo do miocárdio. Pobre coração! E há quem diga bons bocados de torcedores são exímios masoquistas, habituados ao sofrer (e ainda gostar disso).

O jogo em si, é superestimado, o rigor da investigação acerca do jogo ocorrido está no amanhã, na famigerada segunda-feira (ou na quinta-feira, quando há jogo na véspera). Analistas futebolísticos, rigorosíssimos e, também (por quê, não?) apaixonadíssimos, discorrem suas teorias embasadas em suas pesquisas de “campo” a respeito de como tal time agiu ou como deveria agir.

Ora, nunca se viu tamanha retidão com que se decide (utopicamente) o destino de um time ou de um jogador. Assim o é o conselho deliberativo pós-jogo. Não obstante, há de se valorizar toda afeição dispensada em prol do que se ama. Embora coerente, a paixão pelo futebol é um espólio que se recebe dos mais velhos, ou se aprende com os convivas. Futebol remete a Kant, pode-se até não gostar e não concordar, mas é impossível não acolhê-lo, nem que o seja para achincalhá-lo, mas deve ser levado em conta.

Todavia, embora causa de rachaduras intermináveis nas bases “sólidas” do tecido social, é preciso suspender certos juízos a cada quadriênio. Em uniforme estrutura, se unem então gregos e troianos. Abandonando suas armas, se consolidam num único aqueu e, novamente, com unhas e dentes, num espírito unido fortíssimo, torcem de todo o coração, pelo time dos times, sua pátria amada.