Christopher Johnson McCandless.
Christopher Johnson McCandless.
Desde que o mundo é mundo, jovens errantes saem de casa para vagar por aí, em busca de tudo. Dinheiro, fama, ou no caso de Christopher McCandless, uma iluminação espiritual, uma fuga da sociedade com todos os seus processos tecnológicos, extrativistas e sociais. Não tenho certeza, mas acredito que a história de Alex Supertramp - o nome que McCandless adotou depois que caiu na estrada - se popularizou ainda mais depois do filme de 2007, visto que entre 2009 e 2017, um aumento exponencial de resgastes naquela região foi feito (mais tarde, em 2019 eles retiraram o ônibus do local) filme esse que tem Emile Hirsch, dirigido por Sean Penn e com a linda trilha sonora do Eddie Vedder. Muito, foi por causa dessa obra que eu conheci essa história. Guilherme que na época estava entrando na pré-adolescência, e que de certa forma essas ideias iam mexer profundamente com meu senso das coisas, criando terreno fértil para então poder germinar e dar frutos anos depois, por que e só com o tempo e com a perspectiva dos fatos que ele proporciona, que conseguimos mesmo entender de onde vêm nossa visão de mundo como as nossas couraças emocionais nos afetam.
O filme durante esses anos, assisti muitas vezes. Pelo menos umas duas vezes a cada 365 dias e assim como Cavaleiro das Trevas, era arrebatado pela sensação de nostalgia. Pintado sobre medida, aquela história triste e melancólica, fez com que Cris ganhasse um ar de herói, um mártir, status que já tinha em certa altura, pois quando seu corpo foi encontrado, naquele ônibus verde no meio do nada do Alasca, sua história rapidamente viralizou, e o lugar passou a ser cultuado por seus seguidores. Porém, quando Hollywood fez o filme em 2006, o canhão aumentou de tamanho, tornando a história mundial. Duvido, que se Cris tivesse vivo ia querer que sua história fosse retratada em um filme, como bom seguidor do recluso Henry David Thoreau, teria pavor, cavaria um buraco no chão. Mas assim como Kurt Cobain, a sua morte precoce foi o que deu seu status de lenda.
O filme é baseado no livro de outro aventureiro errante - Jon Krakauer. Por nunca ter lido, tive sempre essa visão cristalina e até certo ponto ingênua de Cris, admirava a coragem de quem queima dinheiro e rejeita a sociedade, sem nunca questionar por que de fato ele fez o que fez. Até terminar a obra escrita em um texto muito bem feito e fundamentado, você devora, fica imerso e nem vê o tempo passar. Krakauer fez um retrato incrível, mergulhou profundo na vida e na psique desse personagem excêntrico, e nos deu mais do que isso, nos deu o motivo.
Fugir de casa por apenas fugir não sustentaria de pé a história, o confronto com os pais sim, principalmente com seu pai - Walt, cujo qual McCandless descobriu que tinha outra família, e que ele e irmã eram filhos bastardos. No livro, esse argumento é mais extenso do que no filme, com minúcias de detalhes que não cabem no tempo de tela, sabemos também que Cris já tinha visitado o Alasca antes da sua odisseia final, e já teria atravessado o país mais vezes, sempre com seu ideal embalado por autores como Jack London, Tolstói e Thoreau.
A jornada do herói completa: com motivações, o chamado para aventura, seus autores favoritos como seus grandes mentores, o perigo da vida selvagem, os obstáculos e a iluminação - aqui no caso como a célebre frase que em muito é compartilhada nas redes - "a felicidade só é real quando é compartilhada" mas Cris errou, não completou a missão e na volta para casa, percebeu que a natureza é muito mais imponente, ficou preso por um rio caudaloso de correntes rápidas que era apenas um riachinho raso meses antes, quando atravessou para o lado que estava o ônibus, minando assim rapidamente suas fontes de alimento.
Cris partiu de inanição. Deixou um bilhete assinado com o seu nome verdadeiro, fez a jornada completa, sua egotrip para voltar ao seu ponto de partida, não era mais Alex Supertramp, voltara ser Christopher Johnson McCandless, nome que seus pais lhe deram, talvez um indicativo de que tenha perdoado o seu passado e a sua família. Nos fóruns muitas pessoas acham que Cris, teve o tempo todo a intenção de se matar. Assim como Krakauer, acho que foi um acidente, um erro de cálculo, e que subestimou a força da natureza, por que é sabido, com base nos seus diários que tentou voltar, quem sabe ir para casa, mas foi aprisionado por forças muito maiores que todos nós. As forças naturais que esculpem vales e montanhas, fazem furacões, chuvas torrenciais, enchentes sem fim, é a natureza sendo natureza. Confundiu raízes e plantas, ingeriu uma raiz de batata silvestre que ao mesmo tempo têm partes comestíveis e venenosas, um veneno que definha aos poucos, até não sobrar mas nenhum tipo de força, incapaz de se levantar, agonizou no seu leito final.
Personagens que são alçados assim no ideário das pessoas comuns, acabam atraindo seguidores e detratores, e dentre o argumento dessas pessoas, a palavra que mais aparece e a palavra egoísmo. Como poderia um jovem com a vida boa, filho de um dos gênios da NASA, com dinheiro, uma boa educação, largar tudo, fazer seus pais sofrerem, abandonar a sua irmã, cujo qual relacionamento era de uma importância enorme, por que então Cris não fundou uma ong para ajudar quem precisava, não fez algo em sociedade, egoísta o suficiente talvez. Quem diz que Cris tinha fundamento para virar político e que poderia muito fazê-lo, é por que não sabe que dentre seus heróis literários, Thoreau, escreve na primeira página do seu seminal "A Desobediência Civil" e que o melhor governo, é aquele que pouco governa, McCandless tinha ojeriza a esse sistema, e querer de vez pular fora da sociedade. E se pelo aspecto ideológico os seus detratores crivavam de críticas o espírito de Supertramp, os experts em natureza apontavam, que o menino estava despreparado para viver na Última Fronteira, subiu em cima da sua falta de humildade e arrogância, desprezando saberes ditos básicos, e cometeu erros que minaram ainda mais a sua sorte e consequentemente a sua vida.
Como eu disse lá no começo do texto, que com o passar dos anos a gente ganha perspectiva das nossas próprias inclinações, eu também cai na estrada e fui para um país novo, de mochila em janeiro de 2022, inclinado a largar o emprego, as bandas que tocava, e viver um tempo assim, tentando entender o lar de onde vim, como se fosse um rito de passagem, tardiamente para vida adulta. Somos parecidos com os nossos personagens de ficção favoritos, já dizia Aldous Huxley, para mim Cris era um personagem de ficção. Mas longe dos perigos das geleiras e florestas geladas do Alasca, fui mais perto, fiquei na civilização, Buenos Aires não é nem de longe uma região remota, ou Walden da vida. Mas fui, quando as portas pós-pandemia estavam se abrindo. Com certeza, inspirado por gente como Cris McCandless. Talvez para aquele Guilherme da época, querendo achar algo maior, algo a que se agarrar, viver e ver outras culturas do mundo. Se jogar sozinho no mapa e ver no que dá. Foi de grande ajuda, o caminho com certeza foi mais revelador que o destino final, aprendi e cresci muito. Recomendo a todo mundo um pouco de solidão misturada com solitude. Mas foi o que McCandless percebeu, a felicidade só é real quando é compartilhada, então voltei, tinha e tenho muito a compartilhar com as pessoas que importam.