Vivências (ou, meu patrimônio pessoal)
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Eu sou, portanto, apenas um ingênuo e, talvez, um ser que ignora as razões que me trouxeram até aqui. Devo confessar, antes dessa constatação, eu, ainda, impúbere, não imaginava o quanto essa descoberta alteraria minha maneira de ver e de me ver nesse mundo que se apresentava diante de mim. Assombro, um verdadeiro assombro tomou conta de mim. Foi como se um clarão, tal qual a luz do sol que nos cega se olhamos direto, igualmente, a mesma cegueira, por um instante impreciso, impediu - me do passo seguinte, imóvel fiquei. Estranhamente, ou talvez, apenas uma inesperada contatação, eu, como disse, ainda impúbere, me deparei com questões, à primeira vista, inoportunas. Afinal, quais respostas eu supunha buscar, quando nem sabia quais perguntas fazer? Um mundo se descortinava sem pedir licença. Tudo se apresentava como se um meteoro houvesse caído, e a vida, àquele momento tão nova e velha ao mesmo tempo, aparecia e parecia como se no instante seguinte já era o futuro de um passado que se esgotou num piscar de olhos.
Movido por um desejo descontrolado de saber o que viria, não me permitia errar às soltas nesse mundo, repito, para um impúbere, ainda ingênuo no cassino da vida. Foi um momento de deslumbrante e temor, afinal, à primeira vista, o inesperado surge e sugere situações que a mente pode elaborar, porém, e talvez por isso, o temor pelo desconhecido, como uma espécie de compensação, nos faz pensar, e temer, pelo que há de vir. Não exagera quem diz que diante de um fato ou situação inesperados, ficou tão atônita, tão sem saber o que fazer, que ficou como se estivesse congelada. Que as pernas ficaram bambas e o pensamento embotado. Essa reação parece ser um dispositivo de autodefesa que o corpo ativa. Fico a imaginar qual não é o turbilhão de reações químicas e descargas elétricas que chegam ao cérebro quando o inesperado, sem qualquer possibilidade de previsibilidade, mínima que seja, invade nossa persona. Dominamos ou somos dominados pelas circunstâncias? Questões e mais questões se avolumaram , e com o tempo se juntaram às outras novas que surgiam.
A vida, por suas próprias razões, precisa seguir. Precisa avançar para que outras possibilidades de existência e coexistência se realize. Realidade que se impôs como pedra no edifício que se construía nessa caminhada de novas possibilidades, novas realidades. Dito de modo mais simples e direto, é o momento de permitir arriscar-se. É o momento que pode significar o deslumbre como fonte inovadora e, quem sabe, o momento de nascimento de um novo ser que não se reconhecia porque ignorava sua razão de existir.
Transitar por muitos caminhos, tal qual Ulisses do seu retorno à amada casa, eu, solto nesse mundo que se me apresentava estranho e assustador, confesso, temi ao primeiro sinal da sensação de estar só. Não sucumbi a mim mesmo, outra constatação, não porque tivesse eu as ferramentas adequadas para essa batalha. Superar a sensação de estar só no mundo, foi possível porque outra constatação se fez presente. Pertencer à Humanidade. Pertencer a esse universo que desconhecia como um elemento fundante de minha existência, despertou em mim tantas sensações, e tantas emoções, que hoje penso quem eu seria se não tivesse sido tocado por esse senso unificador.
E se hoje, já em idade avançada, não dotado da mesma sabedoria de Sêneca ou mesmo de Panécio, homens com os quais aprendi que a brevidade da vida perdura na obra que deixaram, chego ao meu tempo como se ainda criança fosse. Assim, a água do rio não será a mesma se nela mergulhamos uma segunda vez, também eu, renasço toda manhã tão logo ouço o cantar dos pássaros.